A História do Himalaísmo Brasileiro – Parte III

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Terceira parte do especial sobre o histórico das expedições brasileiras às maiores montanhas do mundo…

::Leia o especial sobre a História do Brasil no Himalaia desde o começo.

:: Veja a segunda parte da História do Brasil no Himalaia.

Texto: Rodrigo Granzotto Peron

Capítulo 6 – EVEREST 1995 (8.848m)

Sempre em busca de seu sonho, Waldemar Niclevicz retornou ao Everest em 1995, ao lado do carioca Mozart Catão, desta vez pelo Flanco Tibetano. A expedição comercial da qual tomaram parte era organizada pela empresa de turismo guiado Himalayan Guides (de Henry Todd), contando com os serviços do guia kazaque Anatoli Boukreev (lenda do alpinismo mundial), e composta também por: Paul Deegan (UK – que conquistou o Everest em 2004, na sua terceira incursão), Caradoc Jones (UK), Michael Knakkergaard-Jorgensen (DIN – maior alpinista dinamarquês, conquistou 3 cumes 8.000, antes de morrer descendo o Makalu), Ryszard Pawlowski (POL – subiu 9 dos 14 picos 8.000), Graham Gordon Ratcliffe (UK – esteve seis vezes no Everest, com dois cumes), Nikolai Sitnikov (RUS), Hsieh Tsu-Sheng (TAIW – que desertou de outra equipe) e Sean Smith (UK). Apesar da predominância inglesa, era bem eclética e diversificada.

Primeiro foram ao Nepal, onde empreenderam marcha de aproximação a partir de Lukla. Na fase de aclimatação, realizaram a primeira subida nacional de que se tem notícia a picos subsidários próximos ao Everest: Chukung Ri (5.857m) e Imja Tse (6.173m), popularmente denominado Island Peak. Também culminaram o Kala Pattar (5.545m) e tentaram, sem êxito, o Pokalde (5.800m).

Em abril voaram para o Tibete, alcançando o acampamento-base no dia 15. No 29º dia da escalada, nossos dois protagonistas acordaram à uma da madrugada e partiram, duas horas e meia após, do Acampamento III (8.200m). Depois de oito longas horas de dura escalada no ar rarefeito, com utilização de oxigênio suplementar, e enfrentando quatro grandes obstáculos (8.300m – subida da franja amarela, 8.500m – primeiro escalão, 8.580m – segundo escalão, 8.680m – terceiro escalão), chegaram às 11:22h do dia 14 de maio de 1995, juntos e abraçados, no ponto mais elevado do planeta. Este foi o primeiro cume brasileiro e o terceiro sulamericano no Everest (chilenos e peruanos culminaram antes).

Essa expedição foi o grande marco do himalaísmo brasileiro. Até os dias de hoje, em termos de projeção, resta insuperada. Ronaldo Franzen “Nativo” Júnior, um dos expoentes do alpinismo verde-amarelo, certa vez deu declaração dizendo ser este o grande marco do nosso montanhismo. Não é uma opinião isolada.

A escalada deu fama e projeção tanto a Mozart Catão (que acabou infelizmente falecendo de maneira precoce na parede sul do Aconcágua) quanto a Waldemar Niclevicz (que continua na ativa, subindo incontáveis montanhas e aumentando seu invejável currículo de conquistas). Também foi importante por despertar a curiosidade da população leiga em relação ao Everest e ao alpinismo em geral, tendo sido fartamente noticiada em jornais, cadeias de televisão, e múltiplas revistas, atingindo amplo espectro de pessoas. No cume, Niclevicz gravou vídeo em que dizia: “O Brasil vai crescer com o alpinismo”. Proféticas palavras. Após 1995 já tivemos outras 33 particiapações brasileiras nos grandes picos da Ásia, demonstrando uma popularização crescente do esporte. Para 2008 duas novas expedições se somam à lista. A façanha foi contada com riqueza de detalhes no livro Everest: o diário de uma vitória, de Niclevicz (outra leitura obrigatória).

Capítulo 7 – O CASO MICHEL VINCENT

Não é possível falar em “primeira conquista brasileira do Everest” sem mencionar o caso Michel Vincent, que tem suscitado inúmeros debates acalorados nos meios alpinísticos.

Para situar o problema, Michel Marie Vincent, filho de pais franceses, nasceu no Município de Areal (Estado do Rio de Janeiro), em 3 de julho de 1949, onde morou os primeiros anos de vida, após os quais mudou-se com os parentes para a França em definitivo (para a cidade de Touvers, na Provença, e depois para a Suíça). Nos alpes franceses encantou-se pelo esqui e pelo montanhismo, tendo feito cume em inúmeras montanhas do Himalaya, do Karakoram, e dos Pamirs: Peak Lenin (7.134m), em 1974, Gasherbrum II (8.035m), em 1985, Annapurna IV (7.525m), em 1986, Shishapangma (8.027m), em 1986, Jannu (7.711m), em 1987, Cho Oyu (8.188m), em 1988, Everest (8.848m), em 1992, e Nanga Parbat (8.126m), em 1999, este para comemorar seus 50 anos de idade.

Após infrutífera tentativa no Everest em 1989, retornou como líder de expedição no outono de 1992, pela rota normal nepalesa. O tempo, sempre ventoso, defletiu a equipe nas tentativas dos dias 26 de setembro e 3 de outubro. Mas no terceiro intento a montanha finalmente cedeu e Vincent, escalando sozinho, subiu do acampamento IV (7.900m) ao cimo, pisando no ponto culminante da Terra em 7 de outubro. Dois dias mais tarde, na quarta tentativa, outro membro de sua equipe – Scott Darsney (EUA) – também fez cume. Os demais integrantes não conseguiram chegar lá.

Grande e respeitado alpinista, tornou-se, involuntariamente, pivô de controvérsia em terras brasilis.

Parte de nossos montanhistas, que chamarei de “legalistas”, dizem que Michel é de fato brasileiro (como estipula a Constituição Federal, art. 12, I, a) e que a circunstância de ser também cidadão francês não lhe retira a nossa nacionalidade. Utilizando-se esse critério, foi ele o primeiro brasileiro a subir o Everest, em 1992 (e também o pioneiro no Gasherbrum II, no Shishapangma, no Cho Oyu e no Nanga Parbat).

Há outros tantos que têm opinião bem diversa, alegando que Michel não fala português fluente, não tem nenhuma afeição especial pelo país, não mora no Brasil há décadas e quando fala de si mesmo diz ser francês. Portanto, suas conquistas não poderiam ser consideradas “brasileiras”. Assim, Waldemar Niclevicz e Mozart Catão teriam sido os primeiros a subir o Everest, em 1995.

Deixo o tema em aberto para que cada um forme sua própria opinião…

A quem quiser se aprofundar no assunto, sugiro: reportagem “Polêmica nas alturas”, Revista Época #218 (2002), reportagem “Alpinismo: a polêmica continua”, no site da Revista Época, reportagem “Ele foi o primeiro!”, Revista Época #230 (2002), reportagem “Afinal quem foi o primeiro brasileiro a escalar o Everest?”, Revista Aventura e Ação #101 (2002), livro O Código da Montanha, de Átila Barros (p. 115), livro Montanha em Fúria, de Marcus Vinicius Gasques (p. 146), livro Rumo aos Pólos, de Júlio Fiadi, que foi o geratriz de toda a polêmica.

Conclusão

Everest “Algo só é impossível até que alguém duvide e acabe provando o contrário” (Albert Einstein).

Se subir algum daqueles cumes do Himalaya parecia um sonho distante e inatingível, os protagonistas citados nesta matéria, que escreveram as primeiras páginas do nosso Himalaísmo, provaram o contrário. Uns conquistando cumes, outros não, mas isso é o de menos. São todos heróis que desbravaram o impossível e abriram as portas do Himalaya para as gerações presente e futura.

Não são meros nomes em uma página. Erigiram uma história maravilhosa fervilhando de sonhos, desafios, perigos, suor, lágrimas, esforço sobre-humano e muita luta. Luta dentro dos picos (durante a escalada) e também fora (para buscar patrocínio, logística e condições de escalar).

A eles rendo homenagem por meio desse texto, para que suas histórias não se apaguem e sejam relembradas por todos nós…

Este histórico foi dividido em dois. Antes da conquista do Everest pelo Niclevicz e Catão, e após a conquista. Em breve continuaremos esta história, aguarde!

::Continua…

 

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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