::Leia o especial sobre a História do Brasil no Himalaia desde o começo.
:: Leia a oitava parte da história do Brasil no Himalaia.
Texto: Rodrigo Granzotto Peron
Capítulo 27 – 2003: ANO DO JUBILEU DO EVEREST
Para comemorar o Jubileu de Ouro do Everest (50 anos da primeira ascensão da montanha), a Associação Nepalesa de Montanhismo abriu vários picos inéditos para serem desvirginados como parte das celebrações.
Por intermédio de Paulo Coelho e Helena Coelho dois casais brasileiros filiados ao Clube Alpino Paulista (CAP) partiram para tentar desvirginar uma dessas montanhas inéditas, o Machermo (6.273m): Marcelo Rey Belo, Juliana Bechara Belo, Renato Affonso e Sandra Freiberger Affonso.
Tendo em vista o pouco tempo de que dispunham e o fato de o Machermo ser tecnicamente muito exigente, os brasileiros optaram por outros destinos.
Renato e Sandra foram para o também virgem e recém liberado Domla (5.700m). A marcha de aproximação, a partir de Lukla, tomou seis dias. O casal prosseguiu nas encostas do Domla na companhia de um sherpa até 5.500m, quando surgiu um trecho de inclinação bastante elevada (80º por uns 30 metros), antecipado por várias gretas profundas, e bem na hora em que o tempo começava a virar, com uma tempestade de neve se aproximando. Pensando na segurança, deliberaram por retornar. Podem não ter chego ao cume, mas são alguns dos raros brasileiros a pisar em solo inteiramente virgem no Nepal, subindo uma montanha nunca dantes escalada, uma aventura incrível.
Marcelo e Juliana rumaram para o Pharilapcha (6.017m), situado na sub-cadeia Mahalangur Himal, de cujo cume se avista a face sul do Cho Oyu. Prosseguiram pela aresta sudeste na face sul, como parte de uma equipe internacional composta por eslovenos, croatas, russos, romenos, japoneses e nepaleses. Com eles estavam duas das maiores lendas do alpinismo mundial: Viktor Groselj (esloveno que subiu 10 cumes 8.000 diferentes, sempre abrindo rotas difíceis e complexas) e Stipe Bozic (croata radical que subiu 5 cumes 8.000 também por rotas extremas e tentou, em 1999, a terrível face sul do Dhaulagiri, considerada por muitos a mais difícil parede em montanhas de oito mil metros). No dia 22 de maio de 2003 o casal fez cume e escreveu uma das páginas mais bonitas e empolgantes de nosso himalaísmo. São os únicos brasileiros que fizeram a primeira subida absoluta de um cume na Ásia. Até hoje essa proeza não foi repetida.
Capítulo 28 – CHO OYU 2003 (8.188m)
Paulo Coelho e Helena Coelho voltam a tentar o Cho Oyu, no período normal de escaladas, que é o outono do Himalaya (segundo semestre). A rota escolhida foi de novo a rota padrão na montanha. Aportaram no acampamento-base no dia 5 de setembro e lá estiveram por 25 dias ao todo. O último acampamento – campo 3 – foi instalado no dia 21 de setembro, por volta dos 7.500 metros.
O casal realizou uma primeira tentativa, frustrada, em que atingiu o platô do cume (por volta dos 8.100m), no dia 23 de setembro, mas tiveram que abortar a travessia até o verdadeiro ponto culminante (perto da borda norte, de onde se avista o Everest) por causa de fortes ventos gelados que açoitavam o Cho Oyu, da baixa visibilidade e do acúmulo de neve, que chegava em alguns momentos até a altura do joelho, dificultando o progresso (revista Época, n. 284, de 2003).
A segunda tentativa foi empreendida apenas por Paulo, já que Helena não estava se sentindo muito bem (forte tosse e insensibilidade nas mãos) e não queria comprometer o ataque final. Subiu ele então no dia 26 do campo 2 para o campo 3 e na madrugada seguinte partiu às 3 horas da manhã. Após quase sete horas de caminhada árdua conseguiu finalmente chegar ao ponto máximo do Cho Oyu, sem usar oxigênio suplementar, por volta das 10 horas de uma manhã de céu limpo e tempo ventoso, de onde desfrutou a visão fantástica das faces norte e sudoeste do Everest e de vários outros lindos cumes circundantes. Ficou maravilhado no cimo por cerca de uma hora, quando então desceu para o C2, chegando por volta das 3 da tarde.
O único incidente com o alpinista brasileiro foi um princípio de frostbite quando retirou a luva direita para ajustar os óculos escuros, imprescindíveis nas escaladas diurnas para evitar a famigerada “cegueira de neve”. Mas nada grave.
Paulo Coelho assim tornava-se o terceiro brasileiro a subir o Cho Oyu e o quarto brasileiro a culminar um pico 8.000.
Capítulo 29 – EVEREST 2004 (8.188m)
Paulo Coelho e Helena Coelho foram em 2004 fazer nova investida ao Everest. Pelas contas oficiais, a oitava aventura deles. Na contabilidade pessoal dos dois, essa não foi uma real tentativa, pois chegaram no Nepal no dia 21 de abril e tiveram a péssima notícia de que a bagagem de Paulo fora extraviada. Depois de muitas tratativas, cobranças e percalços, as malas de Paulo finalmente chegaram no dia 8 de maio, o que atrasou consideravelmente a expedição e impediu qualquer intento de chegar ao cume (site Webventure).
Respeitando a opinião do casal, vou apenas narrar rapidamente as atividades deles no Everest em 2004. Novamente percorreram a rota normal do Tibete, sem oxigênio suplementar e sem auxílio de sherpas. O ponto máximo atingido foi 8.000 metros, no dia 23 de maio. Ulteriores avanços foram obstados por fortes ventanias na zona da morte e pela falta de tempo hábil para prosseguir, obrigando-os a descer. Chegaram a dormir quatro noites no C3 (a 7.800m).
Capítulo 30 – CHO OYU 2004 (8.188m)
Por ocasião das comemorações do Jubileu de Ouro do Cho Oyu (50 anos da primeira conquista), o governo nepalês reduziu os custos de emissão do permit, facilitando a vinda dos alpinistas. Para aproveitar essa ocasião, Helena Coelho rumou sozinha ao Cho Oyu.
O acampamento-base da rota Tichy foi alcançado em 13 de setembro de 2004. Helena compartilhava permit com membros de outras expedições, mas escalou de forma totalmente independente, dentro de sua filosofia.
O ataque ao cume começou no dia 29 de setembro, após 18 dias de aclimatação. Foram 10 horas de subida cansativa até o platô do Cho Oyu (quota que ela já atingira em 2003). Muito cansada, sentou-se para recuperar o fôlego, mas acabou adormecendo. Quando acordou percebeu que havia se passado mais de uma hora e não conseguia sentir as mãos (estava com frostbites em vários dedos (Princípio de congelamento dos dedos – veja foto). Vendo-se em má situação, imediatamente desceu para o campo III, onde aportou por volta das 4 da tarde. Com o anoitecer veio a queda drástica na temperatura e seus dedos pioraram. Com dificuldade para realizar qualquer tarefa manual, tentou pedir ajuda, mas ninguém parou para auxiliá-la. Apenas na manhã do dia seguinte é que o famoso guia de montanhas neo-zelandês Jamie McGuiness (5 cumes no Cho Oyu e 4 cumes no Everest) veio em seu socorro, ajudando-a a desmontar a barraca e embrulhar seus pertences. Na descida o sirdar do grupo com o qual dividia o permit veio ao seu encontro e trouxe o equipamento montanha abaixo.
Em Katmandu iniciaram os tratamentos para as frostbites e a nossa famosa montanhista retornou para casa no início de outubro. Por sorte ela conseguiu se recuperar bem e não restaram seqüelas mais graves desse ordálio.