::Leia o especial sobre a História do Brasil no Himalaia desde o começo.
:: Leia a quarta parte da História do Brasil no Himalaia
Texto: Rodrigo Granzotto Peron
Capítulo 11 – SHISHAPANGMA 1998 (8.027m)
O paranaense de Foz do Iguaçu Waldemar Niclevicz, nosso maior expoente em termos de Himalaya, sempre foi movido a grandes desafios. Primeiro veio a saga do Everest. Depois a busca pelos Sete Cumes (ponto mais elevado de cada um dos continentes), jornada concluída no Carstensz, Oceania, em 1997. A partir de então seu objeto de interesse passou a ser o K2, “A Montanha da Morte”, muito árdua tecnicamente e de alta periculosidade.
Para tentar o K2, Niclevicz recrutou o auxílio do grande alpinista italiano Abele Blanc (que na ocasião já tinha 5 cumes 8.000 em seu currículo, atualmente tem 13). Reforçavam o time outros italianos: Christian Kuntner (que também chegou a subir 13 cumes 8.000, mas faleceu no Annapurna em 2005) e Marco Camandona (amigo de Abele de longa data).
Waldemar e Abele fizeram um planejamento para dar ao brasileiro um pouco mais de experiência em alta altitude antes de tentar as encostas íngremes do Gigante do Karakoram. E, de quebra, alavancar a corrida de Abele e Kuntner para conquistar todas as montanhas 8.000. Assim, ficou organizado que na primavera de 1998 encadeariam o Shishapangma e o Cho Oyu.
A chegada ao acampamento-base do Shisha deu-se em meados de abril. A rota já havia sido aberta por Kuntner e pelo espanhol Pepe Garcés, quando da chegada de Niclevicz, Abele e Camandona, com fixação do campo 1 (6.100m) e do campo 2 (7.100m). A subida foi empreendida pela rota tradicional e sem oxigênio suplementar. A aresta do cume central para o principal, setor mais complexo da rota, foi vencida por todos os membros do time sem maiores dificuldades, atingindo o ponto dominante no dia 14 de maio de 1998.
Niclevicz, assim, se tornava o primeiro brasileiro e o sétimo sulamericano a submeter duas montanhas com mais de 8.000 metros, e o sétimo alpinista da América do Sul a culminar o Shishapangma.
Cho Oyu
Capítulo 12 – CHO OYU 1998 (8.188m)
Obtido êxito no Shisha, Waldemar Niclevicz foi diretamente ao Cho Oyu, ainda na companhia de Abele Blanc e Marco Camandona (Christian Kuntner deixou a expedição pois já tinha conquistado o Cho em 1991), com chegada no acampamento-base no dia 18 de maio.
O Cho Oyu, sexta montanha mais elevada do planeta, tem 8.188 metros (antigas medições davam à montanha 8.201m, mas este número foi corrigido por avaliações mais precisas nos anos 90). O caminho natural – rota Tichy na face oeste – é considerado o mais fácil de todos os cumes 8.000, possuindo apenas dois pontos mais delicados: a travessia da cascata de gelo entre os acampamentos 1 e 2 (por volta dos 6.700m) e a subida de um trecho rochoso logo acima do acampamento 3 (pelos 7.600m). Afora isso, é um caminho seguro e sem complicações. Por conta desse easy way conta hoje com 2.640 ascensões bem sucedidas (só perde para o Everest). O cimo do Cho Oyu é bem peculiar. Trata-se de vasto platô, com elevações sempre acima dos 8.100 metros e que precisa ser atravessado – aproximadamente uma hora de caminhada – até se chegar à sua borda norte, de onde se avista o Everest: é neste local que fica o verdadeiro ponto dominante.
Bem aclimatados, o brasileiro e os italianos subiram rápido. O acampamento-base avançado estava pronto no dia 19 e o de alta altitude, no dia 22. A escalada, também sem maiores incidentes, pela rota normal e sem oxigênio extra, levou apenas uma semana ao todo. Às nove horas da manhã do dia 23 de maio de 1998, em uma manhã muito fria, mas de céu claro e pouco vento, pisaram no cume.
Em meros sete dias, Waldemar culmina dois picos 8.000, passando a ter três em seu currículo, na qualidade de segundo brasileiro e nono sulamericano a vencer o Cho Oyu.
K2
Capítulo 13 – K2 1998 (8.611m)
O K2 – chamado pelo povo local de Chogori – é a montanha mais elevada do Paquistão e da cadeia do Karakoram, sendo o segundo ponto culminante do planeta. Muito mais árdua e tecnicamente exigente que o Everest, foi pela primeira vez conquistada pelos lendários italianos Achille Compagnoni e Lino Lacedelli, em 31 de julho de 1954, por meio da Aresta Sudeste (Esporão de Abruzzi), que se tornou a rota padrão ao cume. Até 2007, apenas 280 pessoas obtiveram êxito, com 66 mortes registradas, o que dá um grau de periculosidade de quase 24% (muito elevado), gerando a alcunha de “Montanha da Morte”. Quatro pessoas culminaram mais de uma vez: Josef Rakoncaj, Serap Jangbu Sherpa, Juanito Oiarzábal e Thilen Sherpa. A primeira sem oxigênio suplementar foi em 1978, por uma cordada norte-americana.
Dando sequência a seu “Projeto K2”, Waldemar Niclevicz tomou parte na expedição francesa de Edmond Joyeusaz, integrada por Adriano Favre, Arnaud Clavel, Alessandro Ollier, Abele Blanc e Marco Bermasse.
O acampamento-base foi alcançado em 24 de junho, com a escalada principiando no dia imediatamente seguinte, pela mesma rota utilizada no desvirginamento da montanha. Os primeiros dez dias foram prejudicados por nevoeiros e nevascas constantes, que depositavam vários centímetros de neve, gerando vastas avalanches. Por fim foram alcançados o acampamento 1 (6.050m) e o acampamento 2 (6.700m).
Um mês árduo na montanha se passou e não fora ainda possível escalar acima do campo 2. Uma nevasca se seguia a um temporal e era emendada por outra tempestade de neve e assim por diante, numa sucessão de instabilidades climáticas nada animadora. Invariavelmente o vento passava de 80 km/h, arrasando barracas e impedindo o progresso dos montanhistas.
Não querendo se dar por vencido, Niclevicz aguardou pacientemente uma janela de bom tempo, e quando ela veio partiu encosta acima. A janela porém foi muito estreita e no dia 14 de agosto de 1998, mais ou menos a 8.000m, teve de dar meia-volta. Embora o retorno tenha sido de mãos abanando foi um ano altamente positivo para Waldemar, com dois sucessos.
Quanto ao K2: o clima esteve tão severo em 1998 que ninguém culminou a montanha. Em seu retorno ao Brasil, o paranaense comentou: “O K2 não deu oportunidade para ninguém este ano, mas isso faz parte do jogo” (revista Espírito de Aventura, n. 1, de 1998, p. 35).
Everest
Capítulo 14 – EVEREST 1999 (8.850m)
O Casal Coelho chegou a ir ao Everest em 1998, incluído na expedição de Pascal Debrouwer (Bélgica), mas acabou não escalando a montanha. Aqui é necessário dar uma explicação sobre as atividades montanhísticas de Paulo e Helena. Oficialmente eles foram tentar o Everest em 1991, 1997, 1998, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007. Onze vezes ao todo. Para o casal, contudo, a contabilidade é bem diversa. Eles diferenciam as reais tentativas de outras idas nas quais apenas desfrutaram o contato com o Everest, sem tentar efetivamente chegar ao cume. Helena desconta, por exemplo, 1998 (revista Aventura e Ação 94, de 2002, p. 39) e 2004 (“o ano passado não conta, porque a bagagem de Paulo foi extraviada e só chegou 20 dias após o desembarque na Ásia”, matéria “O casal da montanha” do site Webventure). Tanto quanto possível tentarei respeitar essa contagem pessoal deles, que mais do que ninguém sabem se efetivamente tentaram ou não.
Retornaram em 1999, em sua terceira aventura efetiva no Everest, de novo em expedição liderada por Debrouwer, e com a participação de Luc Fontyn (Bélgica), Jean-Marc Monterisi (Bélgica), Vincent Protopopoff (França) e João Garcia (Portugal). Muito embora fosse uma expedição mesmo, os brasileiros subiram de forma independente, no seu ritmo e na sua filosofia.
O trajeto deu-se novamente pela rota normal tibetana, e de novo sem oxigênio suplementar, dentro do estilo de “real montanhismo” praticado pelo casal. O acampamento-base foi montado no dia 6 de abril. Além dele mais quatro campos foram erigidos, o último a 8.300 metros.
O lusitano João Garcia partiu ao cume no dia 18 de maio de 1999, pisando-o por volta das 2 da tarde do dia 19. Ficou no cimo aguardando Pascal Debrouwer, que lá só chegou muito tarde, pelas 16:00h. Na descida anoiteceu antes de eles atingirem o Segundo Escalão (que é a parte mais tecnicamente complexa da aresta nordeste). Para piorar as coisas, Pascal, acometido do mal agudo da montanha, ficou para trás e se perdeu. Não tendo como descer na escuridão, João Garcia dormiu ao relento, encolhido ante temperaturas congelantes. Mesmo debilitado, no dia seguinte resolveu procurar Pascal, sem saber que a esta altura ele já havia morrido (alguns montanhistas viram o belga cambalear e desabar para a morte face norte abaixo). No processo de busca, anoiteceu novamente e mais uma vez João Garcia passou uma noite geladíssima desabrigado. No amanhecer do dia 21 de maio o português retomou sua descida (após três noites consecutivas sem oxigênio suplementar nem alimento na zona da morte), mas estava desorientado, desidratado e com sérios congelamentos nas mãos, nos dedos dos pés e no nariz.
João Garcia
Nessa altura da história os brasileiros passam a ter papel crucial. Sabendo dos problemas com João, o Casal Coelho abdica do cume para auxiliar o colega em apuros, “nosso grande desafio era salvar a vida do João, por isso desistimos de tentar chegar ao topo” (Revista Veja de 23 de junho de 1999). Paulo e Helena sobem mais de uma vez até encontrá-lo, por volta da meia-noite, e o conduzem até o campo de altitude. Depois conseguem trazê-lo, precariamente, até o base avançado. Paulo ainda contrata um grupo de escaladores tibetanos para descê-lo até um local onde pudesse ser evacuado de jipe para o hospital.
João sobreviveu ao ordálio, mas pagou caro. Ficou 93 dias hospitalizado, perdeu várias falanges dos dedos das mãos e fez enxertos de pele para reconstruir o nariz congelado. Não fosse a atuação do Casal Coelho, ele provavelmente não teria sobrevivido. Com o auxílio deles, não só continua vivo como já escalou nove cumes com mais de 8.000 metros (tem projeto para conquistar todos até 2010).
Dessa expedição a lição que fica é o humanismo, a solidariedade, que vale mais do que mil cumes, gesto que não passou despercebido, tendo o casal angariado o merecido prêmio Fair Play Prize da Unesco. Helena, na volta ao Brasil, ainda deu mais uma demonstração bonita, procurando em suas declarações sempre preservar o alpinista lusitano, enfatizando que não o tinham salvado, mas apenas prestado alguma ajuda (Aventura e Ação 94, de 2002, p. 40).