::Leia o especial sobre a História do Brasil no Himalaia desde o começo.
:: Leia a décima terceira parte do especial Brasil no Himalaia.
Texto: Rodrigo Granzotto Peron
Capítulo 50 – Everest 2009 (8.850m)
O paulista CARLOS ALBERTO RODRIGUES MOREY, empenhado na conquista dos 7 Cumes, amealhou um currículo bastante extenso, com cumes no Kilimanjaro (1999), Elbrus (2001), Aconcágua (2003), Denali (2004) e Kosciuszko (2005). Além desses, também já pisou no ponto mais alto do Chukung Ri, Nang Kart Shang e Sarangkot.
Em 2009, como integrante da expedição da Jagged Globe, empresa de aventuras guiadas sediada na Inglaterra, e sob a liderança de Adele Pennington (UK) e Guillermo Willie Benegas (ARG), Carlos Morey rumou para a última e mais ambiciosa etapa de sua saga pessoal: o Everest.
A expedição prosseguiu em ritmo normal, e o alpinista brasileiro fez sua investida ao cume do Everest na primeira leva da Jagged Globe, do dia 18 para o dia 19 de maio. Em relato divulgado pelo escalador, ele narra a preocupação frenética do guia argentino por preparar seus clientes para o ataque: “O Willie ficou alucinado com a idéia de ficar para trás e começou a nos pilhar. Me senti como uma noiva no dia do casamento, um sherpa me colocou a bota, o outro me vestiu, o outro colocou os crampões, o outro a cadeirinha, o outro trocou o oxigênio, o outro regulou o fluxo de o2 e foi assim até as 21h, quando saímos”.
O brasileiro, acompanhado de seu personal sherpa Nima Gyalzen (8 cumes no Everest), saiu do campo IV, no Colo Sul (8000m), às 9 da noite, e ascendeu em clima bom e temperaturas não tão baixas. Todavia, na altura do Balcony (8500m), Morey começou a ter problemas com a máscara de oxigênio. Na tentativa de consertar o problema, Nima acabou acertando uma pancada em Carlos, que perdeu a lente de contato de um dos olhos, como narrado pelo montanhista: “Depois de uns 50 metros da Balcony a máscara travou novamente. Avisei o Nima e ele começou a me esmurrar e dar tapas na máscara. Parece meio estranho, mas entendo como normal. O problema ocorreu quando num desses tapas ele acertou o meu olho e a minha lente de contato voou longe. Fiquei caolho. Tentei achar a lente na neve, pois sabia que só no Campo 4 estariam as sobressalentes. Olhei para cima, mal conseguia ver o resto da trilha; para baixo, um monte de luzes ofuscadas pela miopia…”
Nessas condições, seria muita imprudência prosseguir, quando então, a muito custo, resolveu desistir e dar meia volta, a 8550m, voltando para o Brasil sem o tão acalentado cume.
A título de curiosidades: a) Morey foi o 22º brasileiro a tentar o Everest; b) 2009 foi o 13º ano consecutivo com brasileiros tentando o Everest.
Capítulo 51 – Broad Peak 2009 (8.047m)
A manauara CLEONICE PACHECO (CLEO) WEIDLICH, 46 anos, “nascida e criada às margens do Rio Amazonas”, mora nos Estados Unidos e viaja com passaporte americano. Tornou-se em 2009 uma grata revelação no nosso montanhismo, bem como uma das figuras mais polêmicas que já emergiu em cenário nacional.
Numa temporada bastante difícil, e na qual ninguém fez cume no Broad Peak, Cleo enviou e-mail ao Explorersweb alegando ter prosseguido na aresta, acompanhada de dois alpinistas europeus, até o cume principal. Em princípio, e como voto de boa confiança, foi-lhe creditado cume no Broad Peak I (8047m).
As duas testemunhas da conquista de Cleo nunca apareceram, e estranhamente ninguém mais, de nenhuma expedição, fez alegação de cume. Investigações ulteriores, com todos os líderes de expedição, revelaram que aqueles que estavam no ataque ao cume abandonaram suas tentativas no platô alto do Broad Peak, com uns poucos se aventurando – com neve pela cintura – até a Antecima (8035m). A travessia para além da antecima tem quase 2 quilômetros de extensão, por uma aresta exposta, e com perigo de avalanche. Nas condições em que a montanha estava em 2009, simplesmente ir até o cume principal não era uma opção, e nenhum alpinista sequer tentou.
A brasileira, que integrava a leva de alpinistas que tentou o cume no dia 18 de julho de 2009, muito provavelmente desistiu entre os 7500 e 7900 metros, em algum lugar do extenuante platô elevado. Ainda assim, Cleo mandou muito bem, dadas as condições de neve. Em tempo: essa foi a primeira vez que o Broad Peak foi tentado por alpinista de nosso país.
Capítulo 52 – PROJETO SNOW LEOPARD 2009
O Programa Leopardo das Neves foi criado em 1956 no âmbito da Rússia para agraciar com um prêmio de honra-ao-mérito aqueles escaladores que ascendessem todas as montanhas acima de 7000 metros no território da antiga União Soviética. Compõem o programa o Pik Communism (7495m), o Pik Pobeda (7439m), o Pik Lenin (7134m), o Korzhenevskaya (7105m), e o Khan Tengri (7010m).
O primeiro Leopardo das Neves foi Evgeny Ivanov, em 1961, e desde então 589 pessoas já foram agraciadas. A esmagadora maioria é formada por russos e alpinistas dos países que compunham a ex-União Soviética (como, por exemplo, Kazaquistão, Ucrânia, Estônia, Geórgia). Países “estrangeiros” que receberam o título são muito poucos: Áustria, Bulgária, Canadá, República Tcheca, França, Hungria, Irã, Japão, Polônia, Eslováquia, Espanha, Turquia e Estados Unidos. Como se vê, não há leopardos na América do Sul, na África ou na Oceania.
Motivados pelo ineditismo da experiência, e por escalar em cadeias de montanhas nunca dantes experimentadas por brasileiros – Pamir e Tien Shan –, a dupla paranaense WALDEMAR NICLEVICZ e IRIVAN GUSTAVO BURDA rumou para a Ásia Central.
a) Pik Lenin (Ibn Sina) (7.134m)
A primeira etapa dos brasileiros foi o Pik Lenin, um 7000 “amigável”, sem complicações técnicas e sem muitos riscos, cuja rota normal é uma das mais escaladas na Ásia. Houve, porém, um complicador na escalada de Waldemar e Irivan: o Pik Lenin estava de mau humor, açoitado por intensas nevascas, como narra Waldemar Niclevicz em seu website pessoal: “Tivemos nesses últimos 12 dias umas 10 tempestades de neve, com duração de 4 a 5 horas cada uma. Isso significa avalanches perigosas e muita neve fofa pelo caminho”.
Assim, a dupla esperou uma janela de bom tempo que permitisse a marcha ao cume, mas ela não se abriu. Com um clima inclemente e mobilidade precária – neve muito alta (pela cintura) –, não houve sequer uma oportunidade. Tendo em vista que o tempo estava contra os brasileiros (havia as outras etapas do programa para cumprir) e o clima não tinha perspectivas de melhorar, resolveram abandonar o intento, tendo ido até 6100 metros.
b) KHAN TENGRI (7.010m)
A próxima etapa no projeto era o Khan Tengri (7010m), montanha que ficou certo período de tempo fora do Leopardo das Neves, pois medições mais precisas dão conta que ela possui apenas 6995m, e que somente chega a 7010m por conta das neves acumuladas nas encostas superiores. Nas últimas duas décadas foi “reintegrada” ao circuito, e o programa se estabilizou com cinco montanhas.
Waldemar e Irivan – uma das cordadas mais regulares e prolíficas do montanhismo brasileiro – escalaram a rota normal do Khan Tengri, que é uma montanha bastante técnica, com misto de gelo e rocha. Vencendo o clima, que continuava instável, o excesso de neve na rota e as dificuldades técnicas das partes rochosas da montanha, fizeram cume no dia 2 de agosto.
Essa foi a primeira ascensão brasileira ao Khan Tengri.
c) Pik Pobeda (Jengish Chokusu) (7.439m)
O Pobeda é considerado de longe o mais difícil, técnico e perigoso dos 7000 da ex-União Soviética, e é o “K2” do Leopardo das Neves. Aclimatados pelas duas ascensões anteriores, Waldemar e Irivan partiram diretamente para essa terceira etapa na busca pelo cobiçado título russo.
Não demorou muito para a montanha demonstrar suas lendárias fúria e periculosidade, como narrado por Waldemar: “Estávamos dormindo confortavelmente em nossa ‘caverna de neve’, na verdade um buraco de gelo onde mal cabiam nossos dois sacos de dormir, nas encostas elevadas do Pico Pobeda, a 5900m de altitude. De repente tudo começou a tremer, como se uma tropa de cavalos passassem sobre a gente! Eu acendi a lanterna e imediatamente olhei na direção dos meus pés a ponto de me assustar com a grande quantidade de blocos de gelo e neve invadindo o nosso pequeno recinto, até fechar completamente a entrada”. Soterrados pela avalanche, tiveram que cavar uma saída. Do lado de fora, “aquele inferno gelado, vento insuportável, redemoinhos de neve”.
As palavras do paranaense descrevem com dramaticidade as condições difíceis que permearam toda a escalada ao Pobeda, condições que os levaram a abandonar a expedição por questões de segurança.
Essa foi a primeira vez que o Pik Pobeda foi tentado por brasileiros.
Capítulo 53 – Shishapangma (8.027m)
Nova expedição de CLEONICE PACHECO (CLEO) WEIDLICH, na tentativa de se tornar a primeira mulher a conquistar o Shishapangma. Em um primeiro relato, vindo da montanhista, teria ela desistido da investida na altura da antecima – Shishapangma Central (8015m) – e não fora até o ponto dominante.
Os detalhes narrados por Cleo novamente não bateram com os relatos dos líderes das outras expedições, e novamente não foram apresentadas provas fotográficas, o que aumentou as polêmicas circundando a manauara. O mais certo, segundo informações prestadas por diversos outros alpinistas que estavam no ataque ao cume do Shishapangma na ocasião, é que Cleo Weidlich tenha desistido por volta dos 7000 metros.
Brasileiros no Shishapangma: Michel Vincent (1986, Shisha Central); Paulo Coelho e Helena Coelho (1996, 7200m); Waldemar Niclevicz (1998, CUME); Cleo Weidlich (2009, 7000m).
Capítulo 54 – CHO OYU 2009 (8.201m)
Três grupos de brasileiros simultaneamente tentaram o Cho Oyu em 2009.
Para CLEONICE PACHECO (CLEO) WEIDLICH, o ano de 2009 foi impressionante. Após ter tentado dois 8000ers (Shishapangma e Broad Peak), ela rumou para o seu terceiro – Cho Oyu –, na qualidade de integrante de expedição da Asian Trekking. Chegou ao campo-base em 12 de setembro. Em rápido progresso, atingiu o campo elevado no dia 23. Escalando acompanhada de seu personal sherpa Mingma, ela atingiu o cume, sem oxigênio engarrafado, no dia 24. O oxigênio, segundo relato dela e de seu sherpa, foi utilizado por apenas 15 minutos, enquanto ajudavam um integrante de outra expedição a se recuperar.
Esse foi o primeiro 8000 de Cleo, e ela se tornou a segunda mulher do Brasil a fazer cume na sexta montanha mais elevada do globo.
Capítulo 55 – CHO OYU 2009 (8.201m)
O segundo grupo de brasileiros no Cho Oyu, como integrantes da empresa de alpinismo guiado Challenge 8000, do britânico Victor Saunders, bem conhecido em nossas terras, era composto por MANOEL MORGADO, LUIS ANTÔNIO FELBER, LUCAS DE ZORZI e FERNANDO (LUI) DA SILVA JR. Além deles, também participavam do time três malteses, a esposa de Manoel, Andrea Melissa Cardona, e vários sherpas, entre os quais o colossal Pando Sherpa, com atualmente 19 cumes em montanhas 8000.
Atingiram o campo-base em 4 de setembro e, vinte dias após, no dia 24, às 7 da manhã, após atravessar o platô do cume em uma manhã bastante gelada, chegaram ao ponto mais elevado do Cho Oyu, da borda onde se avistam o Everest e o Makalu, usando oxigênio suplementar. A única nota triste foi por conta de Lui, que teve que abortar a sua investida aos 7800 metros, por problema no olho.
Além do sucesso brasileiro em si, registre-se que a Andrea Cardona, da Guatemala, tornou-se a primeira mulher da América Central a pisar no cume de uma montanha 8000.
E, na qualidade de casal, Manoel e Andrea são os terceiros latinos a culminar juntos uma montanha 8000, após somente Carlos Carsolio e Elsa Flor Avila Bello (Shishapangma, 1987), e Badia Bonilla Luna e Maurício Lopez Ahumada, os famosos “Una Pareja En Ascenso” (Cho Oyu 2000, Lhotse 2003, e as antecimas – falsos cumes – de Shishapangma 2002, Makalu 2004 e Broad Peak 2007).
Total de cumes brasileiros no Cho Oyu: Michel Vincent (1988), Sérgio Beck (1991), Waldemar Niclevicz (1998), Ana Elisa Boscarioli (2005), Manoel Morgado (2009), Luis Antônio Felber (2009), Lucas De Zorzi (2009) e Cleo Weidlich (2009). Totalizando 8 cumes, sendo 6 homens e 2 mulheres. Todos pela rota normal (Rota Tichy). Cumes sem oxigênio: Vincent, Beck, Niclevicz.
Capítulo 56 – Cho Oyu 2009 (8.201m)
O terceiro contingente brasileiro no Cho Oyu era a dupla mineira MARCELO DELVAUX e WELERSON MADURO. Aportaram na montanha no dia 11 de setembro. Os campos foram sendo montados rapidamente – C1 no dia 13 e C2 no dia 19. Porém, no dia 24 de setembro, sentindo sintomas de mal da altitude, Welerson decidiu não progredir, tendo atingido apenas 6800 metros.
Atuando sozinho, Marcelo Delvaux fez o que pode, e chegou a fixar o campo mais elevado (C3, a 7100 metros), mas demorou muito a faze-lo, somente ficando estabilizado no dia 30 de setembro. A partir de então o clima mudou e a neve passou a cair com mais intensidade. Segundo informações prestadas pelos alpinistas nacionais, acima do C3 as condições estavam muito ruins, e as cordas fixas acabaram enterradas em meio metro de neve, o que tornou o progresso a partir dos 7200 metros muito custoso. Dessa maneira, no solitário ataque ao cume, Delvaux não conseguiu ir além dos 7800 metros, voltando por conta das péssimas condições climáticas.
Capítulo 57 – ISLAND PEAK 2009 (6.160m) e AMA DABLAM 2009 (6.812m)
A paulistana Emilia Yoko Takahashi foi demitida de seu emprego e, para superar esse momento ruim, resolveu ir à Ásia escalar o Ama Dablam, uma das montanhas mais plasticamente belas do mundo. Emilia foi ao Nepal como integrante da expedição organizada pela empresa de alpinismo guiado Field Touring Alpine (FTA), sob a liderança de Chris Szymiec, e terminou o ano culminando tanto o Island Peak, em 17 de outubro, quanto o Ama Dablam, em 4 de novembro.
Em seu blog, Emilia narra os estágios finais da aventura: “Deu tudo certo na escalada do Ama Dablam. Estava super aclimatada. Ficamos em 4 pessoas, eu, Eric, Pemba e Mama Sherpa. A escalada é linda e um misto de alta montanha, rocha e gelo. Partimos as 2:00h do acampamento para o cume. Oito horas depois estávamos todos deslumbrando a vista do cume, sem vento, sem nuvens, dia de cume perfeito”. A escaladora também relatou a perda parcial de sensibilidade em alguns dos dedos das mãos, por conta do frio, mas tudo ocorreu bem e ela volta para o Brasil com o ineditismo de ser a primeira mulher a culminar o Ama Dablam, e a segunda pessoa a pisar no ponto máximo dessa montanha, após Roman Romancini em 2008.