Deixe-me lhe falar sobre uma montanha fácil, embora seja dominante na sua região. Trata-se da Pedra Branca de Pocinhos do Rio Verde, um distrito no município mineiro de Caldas (que já pertenceu a Poços de Caldas). O acesso rodoviário mais curto é pela bela cidade de Andradas, a 200 km de São Paulo, uma das ligações entre esta cidade e a estância de Poços de Caldas.
Desde o século XVI Poços era conhecida por suas fontes térmicas e sulfurosas, geradas pela caldeira vulcânica sobre a qual está assentada. Sua prosperidade esteve depois associada ao cassino, que então atraía a aristocracia brasileira. A proibição do jogo em 946, sob o argumento de que o jogo é degradante para o ser humano só pôde ser compensada pelo crescimento da indústria e do turismo.
Caldas pertence ao enorme planalto de Poços de Caldas, com algo como 15 mil km². Embora de origem vulcânica, não foi propriamente formado pela erupção de um vulcão e sim pela extrusão vulcânica de rochas que soergueram a região. Mais tarde, ao resfriarem, causaram o afundamento de suas bordas num formato de caldeira vulcânica, porém sem que tivesse havido de fato uma erupção.
Na rodovia de Poços, você deve sair rumo a Caldas e, depois, ao simpático distrito de Pocinhos. É uma região razoavelmente turística, com hotéis, pousadas e campings. Você também encontrará cascatas e fontes minerais, embora modestas em relação a Poços de Caldas.
Existem no Sudeste brasileiro muitos locais parecidos com este, nas serras que correm desde o Espírito Santo até São Paulo. São tranquilos e aprazíveis, pouco populosos mas dotados de estrutura mediana, voltados para o turismo rural e em geral acessíveis por boas estradas. Eu os visito para um fim de semana agradável ou de passagem para outros lugares distantes.
A Pedra Branca está próxima de Pocinhos, por estada de terra bem razoável, cujo início é sinalizado. Na sua parte final, permite a visão lateral do maciço, de tal forma a facilitar a sua orientação na estrada. Não se arrisque quando a estrada se estreitar, deixe o veículo e comece a andar.
Repare que esta serra replica os desenhos que você já encontrou tantas vezes ao longo da Mantiqueira. Refiro-me às corcovas arredondadas que se debruçam docemente sobre os cumes de suas montanhas. Veja como é raro um pontão ou uma escarpa – a Mantiqueira prefere as curvas às retas, é na minha imaginação uma serra feminina.
De volta à trilha, você deverá estacionar seu carro perto de um curral e seguir contornando o mato ou atalhando pela rampa do pasto à sua frente. A trilha é bem marcada, com maior presença de pedras quando atinge o espigão. Você estará subindo a pequena serra da Pedra Branca por sua crista e passará então por três trechos distintos: pedras e grama, mata e rampa rochosa.
O trecho inicial coberto de grama percorre o dorso leste da serra, com panoramas muito bonitos do planalto entre Poços e Pouso Alegre, os dois centros regionais. Nos campos altos a seguir, a grama e as lajes aparecem em sucessão, num belo visual. Eles convidam a um repouso ou mesmo um acampamento.
Na mata, a trilha inicia-se numa clareira, é bem nítida. A partir de então, surge uma íngreme rampa rochosa – na realidade, é uma interessante ravina ou corredor que conduz naturalmente às paredes superiores da pedra. É relativamente raro encontrar ravinas rochosas, mesmo nas montanhas.
A trilha não é longa, pode ser feita em menos de 1 ½ horas. Seu aspecto é bem típico das montanhas da Mantiqueira, com tufos de vegetação entre rochas arredondadas. Algumas das pedras têm interessantes estrias, lembrando às vezes o desenho do Agulhas Negras visto de longe.
Ao chegar ao cume, você estará a cerca de 1.800 metros, olhando de frente para os planaltos mineiros, coloridos em muitos tons de verde e atravessados por pequenas serras onduladas, em especial as formações no rumo de Andradas ao sul e de Poços de Caldas ao norte.
A Pedra Branca é a das poucas que conheço a dispor de uma fonte d’água próxima a seu cume, tente achar a mina (fica à direita) e veja como o nível d’água recompõe-se por mais que você beba! De fato, esta região é conhecida por abastecer as bacias fluviais próximas. Imagine que há uma fonte no colo do Pico da Neblina.
Como parte da Mantiqueira, a Pedra Branca é composta por um belo granito acinzentado. Imagine que há uma dezena e meia de mineradoras nos arredores. Uma APA municipal de cerca de 20 mil ha procura protegê-la (talvez sem muito sucesso) da devastação típica da mineração.
A vegetação da Pedra Branca é relativamente peculiar, por incluir áreas onde a floresta montana encontra os campos de altitude. Os botânicos dizem que lá existem diversidade biológica e concentração de espécies raras. Na realidade, a Pedra Branca pertence hoje a uma Reserva Biológica no interior da APA.
O que acho interessante na Pedra Branca, e que me fez voltar lá algumas vezes, é que ela parece uma miniatura de uma travessia maior. Como se você fosse um gigante, capaz de percorrê-la tão rapidamente. Quero dizer, você desfruta de todo o visual, mas não necessita de todo o esforço.
Por mais singela que seja, ela me serviu de ensinamento por três vezes, quando uma súbita neblina confundiu na volta o caminho rochoso e quando o acesso pelo lado inverso me fez simplesmente perder a trilha. Pior, da minha primeira vez, consegui dar duas voltas completas num trecho de mata antes que percebesse estar tolamente repetindo a mesma trilha.
No caminho de volta, pare à esquerda numa cascata na estrada logo antes de Pocinhos, limpe o suor, esqueça o cansaço e descanse para novos caminhos.