A Pedra Branca do Itaberaba

0

Visivelmente destoando do conjunto serrano q lhe empresta o nome e coroada por uma inconfundível torre, a Pedra Branca é um enorme maciço rochoso q integra uma ramificação transversal da Serra do Itaberaba. Tb chamada de Torre da Petrobrás e de aparente fácil acessibilidade pela Estrada da Pedra Branca, o alto dos seus 1110m estão situados em área particular e, em tese, proibida. Mas com alguma sorte e uma criativa emenda de estradas rurais, picadas de reflorestamento e mínimo de vara-mato é possível alcançar o cume deste pico, detentor duma soberba panorâmica de Santa Isabel, Igaratá e Nazaré Paulista.

A manhã pairava cinza e incerta qdo chegamos em Sta Isabel, por volta das 8:30hrs. Ao invés da atmosfera límpida no firmamento, pequenos respingos fustigavam o vidro do veiculo contrariando a previsão. Eram antes das 9hrs qdo paramos numa padoca local qq afim de tomar nosso rápido desjejum pré-aventuresco. E ali mesmo q eu, a Lore e os dois Alexandres mastigávamos um delicioso pão-de-queijo fresco enqto engolíamos goles dum pingado, enqto eu tentava tranqüilizar a galera sobre o tempo. “Relaxa, povo! Se a meteorologia disse q não tem chuva, não haverá!”, falei.
 
Zarpamos então e atravessamos o centro da pacata Sta Isabel, acompanhando a sinalização da saída pra Igaratá. Uma vez situados, tocamos pela Rod. Pref. Joaquim Simão (SP-56) onde rodamos mais alguns sinuosos “kaemes” pra então abandoná-la por uma precária via a esquerda, a Estrada do Ouro Fino. Uma vez nela bastou acompanhá-la sempre rumo oeste, sinuosa via asfaltada q serpenteia a horizontalidade norte de Sta Isabel em meio a chácaras, sítios, pesqueiros, etc.. mas q já nos brinda com o primeiro vislumbre da Serra do Itaberaba, com suas escarpas elevando-se a noroeste mas sua cumieira totalmente encoberta por nuvens escuras.
 
Estacionamos a beira da estrada por volta das 9hrs, mais precisamente no estacionamento do Mercado Nigiba´s, tradicional pto de partida de aventuras pelo Itaberaba. E após últimos preparativos da empreita, começamos a andar tocando pela precária via de chão q nasce perpendicularmente em frente ao mercado, a Estrada do Jaguari/Pedra Branca. Diante da gente, abre-se uma generosa panorâmica de td Serra do Itaberaba espichando-se sentido leste-oeste, repleta de nuvens espessas e escuras cobrindo seus cumes e topos principais.
A caminhada começa tranqüila e desimpedida rumo norte, onde felizmente a empolgação e boa disposição inicial nos dá um ritmo ágil e veloz neste primeiro trecho, q basicamente acompanha estradas rurais. Deixamos pra trás um eucaliptal e bordejamos a reserva particular de Ibirapitanga até chegar numa famosa bifurcação marcada por uma velha capelinha, as 9:30hrs. Tocando pela esquerda agora pra oeste, passamos um haras e outras chácaras até nos ver cercados de voçorocas de damas-da-noite, q inundam nossas narinas com seu odor inconfundível.
  
Após andar pela estrada não demora mto pra abandoná-la em favor duma trilha obvia e bem batida q nasce pela direita e acompanha uma linha de alta tensão, por volta das 10hr. Daqui em diante é q começa mesmo a subida, sem erro. Inicialmente a ascensão é suave, mas após passar por uma bica (q figura como último pto confiável de água) e deixar o frescor do vale é q a subida aperta mesmo, envoltos num trilhão erodido e avermelhado, cercado por voçorocas de samambaias secas! E tome piramba serra acima! É aqui q nos distanciamos uns dos outros, cada um avança obedecendo seu próprio ritmo. Como consolo, vistas generosas se abrem ao redor, assim como uma bem-vinda brisa sopra o rosto suado, abrandando assim esta penúria inicial. Por sorte, o sol está escondido atrás dum brumado espesso, do contrário o calor nos castigaria de forma inclemente nesta subida totalmente exposta.
 
Assim, após modestos 300m de desnível atingimos um largo picadão q percorre a crista principal do maciço por volta das 11hrs. Neste topo, recoberto principalmente por reflorestamentos e focos de mata nativa, temos um breve vislumbre da Preta Preta diante da gente, a noroeste, exibindo a pequena “orelhinha” a coroa seu cume, assim como as placas do Ciririca (PR). Uma vez aqui, basta tocar sentido nosso objetivo (ainda oculto pelo arvoredo) atraves do precário picadão q desce pro vale sgte, q nada mais é uma antiga estrada de extração madeireira desativada. Enqto consulto a carta e tals, qual minha surpresa ao ver, entre a freta dos eucaliptos, o primeiro vislumbre do nosso objetivo. Pedra Branca reluzia magnífica naquela manhã de nebulosidade clara, enqto seu topo exibia suas torres apontando pro céu, majestuosas.
 
Na sequência vamos desembocando em veredas maiores, sempre tocando pra esquerda, conforme percorremos selados ou encostas do maciço principal, sem gde variação de altitude. Sim, o Itaberaba é uma serra bem acidentada e não homogênea, cortada por profundas ravinas e coberta por muita mata neste trecho. Mas ao chegar numa terceiro cruzamento, abandonamos a via principal (q toca pro sul, a esquerda) em favor da larga vereda q toca pro norte, a direita. Dali a vereda desce forte um tanto, forrada de enormes folhas de embaúba no chão, acompanhando pela direita a encosta da Pedra Preta, q temos q bordejar pro norte. Uma pequena fazendinha surge a direita – ao lado dum laguinho e alguns bovinos ruminando – como único resquício de civilidade nestes cafundós do Itaberaba, em tese, parque estadual intocado.
 
Com a pernada sempre pro norte e descendo suavemente em meio a uma precária vereda – alternando trechos de cascalho arredondado, chão duro e liso feito sabão e lama seca – por volta das 11:30hrs passamos do lado da trilha, óbvia e bem batida, q leva ao alto da Pedra Preta. “Olha, a próxima vez vcs refazem td trajeto e sobe por esta trilha q vcs chegam no pto mais alto de Sta Isabel!”, falei pro Alexandre, q demonstrou interesse na sugestão. De fato, na verdade até ali estava refazendo a jornada q fizera com a Carol, Débora e Chiara cerca de mês atrás. Mas agora, dando continuidade a pernada pelo estradão ao norte, o q viria pela frente era novidade até pra mim, e td consulta na carta e bússola seria importante.
 
Mas não demorou pra dar numa precária via q, no aberto, ladeia a Pedra Preta pelo seu flanco sul, na maior parte do tempo em nível. Acompanhando uma linha de torres de alta tensão na direção oeste, o caminho lembra qq estrada rural de São Bento do Sapucaí, com enormes araucárias ornando a margem da precária via. Até q, após uma curva fechada, o horizonte se abre a sudeste permitindo visu total e desimpedido de boa parte da extensão da silhueta da verdejante Serra da Pedra Branca, e de quebra do nosso objetivo, a tal Pedra Branca. De onde estávamos podíamos avista-la na integra, sem interferência alguma, como um enorme domo rochoso recoberto de vegetação até a metade, tendo a face pedregosa restante apontada pro céu, coroada por uma torre metálica. Foi dali q tracejei mentalmente a rota pra chegar ao alto da pedra: haveria q alcançar o selado de ligação da Pedra Branca e da Pedra Preta, e dali subir o restante pela crista da mesma.
 
A pernada prosseguiu sem intercedências, cruzando apenas uma pequena chácara (onde estridentes cães fizeram a gentileza de nos anunciar), topando com um trio de senhores capinando a via q palmilhávamos, alguns boizinhos ruminando no trajeto e até um cachorrinho em decomposição a beira do caminho. “Foi uma cobra q mordeu o coitado..”, alertou um dos senhores enqto removia vegetação da estrada na base da enxada. E dessa forma terminamos chegando no tal selado avistado, pouco depois do meio dia, onde na verdade havia uma encruzilhada de vias de relativa importância. Um enorme aceiro de dutos da Petrobrás cortava a serra no sentido noroeste, da mesma forma q a precária via chamada “Estrada da Pedra Branca”, q interliga Guarulhos a Nazaré Paulista.
 
Pois bem, nesta encruzilhada reparamos q não havia q rasgar mato algum pra subir a crista ascendente de Pedra Branca, agora situada a leste. Bastava apenas passar uma porteira e tocar por um caminho q ia naquela direção. Ignorando o aviso “Segurança – Proibida Entrada” e passando por baixo da mesma, tocamos então montanha acima, ganhando altitude lentamente. Mas não andamos nem coisa de 10min q desembocamos numa clareira onde um bando de urubus planava sobe ela. E não era pra menos, uma vez carcaças, ossadas e pedaços de bois em decomposição forravam o chão aos montes naquele fétido lugar. Deduzimos q ali provavelmente fosse um abatedouro clandestino, razão pela qual nos pirulitamos dali rapidinho.
 
Sem trilha e tendo q ganhar a crista da serra, retrocedemos um pouco e dali azimutamos na direção da mesma. E foi o q fizemos, e assim começamos a rasgar mato na encosta facilmente, uma vez q bastava cruzar um reflorestamento de eucaliptos de pequeno porte. Num piscar de olhos caímos na crista, onde começamos a subir em meio a um espesso mato arbustivo, acompanhando uma linha de postes q ia no sentido desejado, morro acima. Foi ai q ouvimos barulho de gente logo abaixo, mais precisamente na clareira fétida. O pessoal já logo ficou com receio q fosse o dono da propriedade atrás da gente, motivo pelo qual ordenei pra ninguém sequer respirar e ficar na moita, abaixado no mato. Momento adrenante, claro! Esperamos o barulho sumir e assim prosseguimos nosso curto trecho de rasga-mato.
Em pouco tempo caímos num cocoruto nivelado, um nível acima, e após saltar uma cerca abandonamos o mato fechado pra cair no descampado dum pasto onde a caminhada suavizou, sob o olhar curioso dos boizinhos q ali pastavam tranquilamente. Uma elétrica seriema nos recebe assustada, pra depois se pirulitar morro acima, indicando o caminho a seguir até alcançar o restante q nos faltava da montanha. De onde estávamos já víamos a antena quase ao alcance das mãos, e dali o caminho ao alto era mais q óbvio. Era o nosso ataque final ao cume!
 
Da crista abaulada da serra caímos numa veredinha maior q desembocou na porta duma pequena casinha cercada, de onde saiu um surpreso segurança q, medindo a gente da cabeça as pés, já foi avisando q ali era proibido pq era propriedade da Petrobrás. Aliás, aquela torre é uma antena repetidora e ali, uma estação de comunicações da famosa estatal. Perguntamos se poderíamos ir ao alto da pedra e deixou subentendido q por ali não haveria essa possibilidade. Mas após perceber q iríamos ao cume de qq jeito (eu já estudava, ali mesmo, meios de varar um curto trecho de mato q dava na base dos lajedos da torre) finalmente permitiu o acesso e nos acompanharia ao cume. Uhúúú! Afinal, andar quase 10km e 4hrs pra chegar ali e não ter visu do alto era algo inconcebível pra mim! É aquela coisa: “Água mole em pedra dura…”
 
E assim, após galgar o último trecho de largas lajes aderentes de rocha, chegamos ao alto da Pedra Branca a exatas 13hrs. Felizmente a previsão havia sido generosa conosco e no decorrer da manhã ventos do leste havia dispensado td aquela nebulosidade q encobria os picos. A vista ao redor era fenomenal, mesmo ainda persistindo uma nebulosidade clara no alto do firmamento, com algumas frestas de céu azul e até sol aqui e ali. O mar de morros infindável de Nazaré Paulista, Atibaia e Piracaia domina quase td o quadrante norte, de onde se destaca o espelho d’água da Represa de Atibainha; ao fundo e com algum esforço, avista-se serras maiores em Extrema, Bragança Paulista e até Camanducaia. O quadrante sul, por sua vez, se beneficia do cenário rural de Sta Isabel e Igaratá, e da horizontalidade geométrica de Guarulhos e Itaquaquecetuba, ao fundo. A leste temos os gdes picos da continuidade da Serra da Pedra Branca, sugerindo interessantes pernadas futuras, e a oeste o quadrante é preenchido pelo maciço verdejante da Pedra Preta.
 
E ali, na cia do simpático e prestativo Josué, o segurança de plantão, ficamos ali apreciando a bela vista enqto mandávamos nacos de lanche goela abaixo. Não pude deixar de reparar a segurança extrema q a torre tinha ali no alto. Não bastasse ser cercada com material perfurante, havia cerca elétrica, sensores de movimento e até câmeras de vigilância ali! “Só falta um fosso com jacarés!”, brinquei. Mas dali o Josué explicou q a segurança se deve ao fato dalguns vândalos terem ido barbabarizar a antena, a um tempo atrás. É, por causa de meia dúzia tds ficam impedidos de ter acesso aquele belo mirante natureba. Perguntei se ali fazia parte do parque e ele respondeu q não, q ali já era Nazaré Paulista e, consequentemente, propriedade exclusiva da Petrobrás. E assim, ficamos ali proseando um bom tempo com o simpático segurança, ao mesmo tempo q tínhamos uma bela panorâmica de td aquela regiao. Na verdade, nos falou q éramos privilegiados pq os demais segurança dos demais turnos não eram assim tão amigáveis e generosos qto ele, e q não é qq um q vai la no alto da Pedra Branca.
 
As 14hrs nos despedimos do Josué e começamos o longo caminho de volta. Afinal, teríamos q refazer td trajeto de volta e eu esperava q não fosse a noite, como ocorrera durante nossa empreitada na Pedra Preta. Na volta, ao invés de descer pela crista, tomamos uma precária via q descia da torre e nos deixou, num piscar de olhos, na Estrada da Pedra Branca. Retornando pela mesma logo caímos na vereda ao sopé da Pedra Preta e imediatamente nos vimos serpenteando os altos e baixos daquele miolo da Serra do Itaberaba.
 
A volta foi penosa pro Alexandre Cintra, principalmente as subidas, q o deixavam na rabeira do quarteto. Não bastasse, começou a sentir dores no joelho na longa descida de crista q se sucedeu após o “Mirante”, onde chegamos as 15:45hrs. Ali improvisamos dois cajados com paus no caminho q aliviassem o tranco dele,n os trechos de descidas. A Lore até deu comprimidos de Dorflex q ao menos auxiliaram pra q ele não empacasse de vez, afinal, levar um homem daquele tamanho no ombro não seria na dicas fácil. Mas assim q entramos na “Trilha do Fundão”, coisa das 16:30hrs, o terreno suavizou pra ele e o avanço progrediu de forma até mais eficiente.
 
Isso não impediu q o outro Alexandre tomasse a dianteira e fosse na nossa frente. Expliquei-lhe o caminho e ele zarpou na dianteira atrás do veículo, mas não deu nem 17:40hrs q abandonamos a mata fechada pra cair na Estrada Jaguary/Pedra Branca, nos fundos da capelinha. Em coisa de 5min o Alexandre surgia na nossa frente com o bem-vindo resgate, pra felicidade do outro Alexandre, q até àquela altura arrastava a língua no chão depois de quase 20km bem acidentados e bem andados. Em Sta Isabel fizemos uma merecida parada numa padoca local e encher o bucho com deliciosos salgados isabelenses, pra então depois tocar pra Sampa, iluminados por uma lua cheia q brilhava por td firmamento.
 
Que fique bem claro q o acesso a Pedra Branca é, em geral, proibido e q alcançar o cume depende muito do humor do segurança de plantão. E q a subida através da dobradinha selado/crista apresentada aqui é a mais óbvia, fácil e intuitiva, mas tb é possível chegar ao alto por uma sucessão de cocorutos de reflorestamentos situados na encosta norte da montanha, q foi o q pude constatar lá de cima (e o próprio Josué depois confirmou). Q tb fique claro q a subida ao alto da tb chamada Torre da Petrobrás é um programa breve, de menos de 2hrs, onde basta estacionar o veículo na “Estrada da Pedra Branca” e tocar pra cima. O roteiro aqui apresentado apenas foi vitaminado de modo a durar um dia inteiro e passar por outros ptos de interesse desta gde e maravilhosa q é a Serra do Itaberaba. Portanto fica a seu critério arriscar a sorte por apenas duas horas ou fazer quinem a gente: viver um dia intenso e chegar até o cume, custe o q custar. Sem necessariamente ter de “morrer na praia”.
 
Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário