A serrinha de Francisco Morato

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Homônima às elevações existentes a oeste de Cajamar, a “Serrinha” corresponde a um trecho desgarrado da tal Serra dos Cristais. Situada na divisa de Franco da Rocha e Francisco Morato e de altitude pouco significativa, o lugar não deve nada no quesito caminhadas no mato. Num terreno pertencente a enorme Faz. São Roque e coberto não só de mata secundária mas tb de reflorestamentos, este conjunto de morros, colinas e vales de várzea lembram uma versão reduzida da Serra do Itaberaba ou até de Itapetinga.

Mas a boa noticia é q o lugar tem largos horizontes, trilhas em todas as direções e, melhor ainda, visitação zero. Dica soprada por um conhecido da região, aproveitei meio período dum domingo sem programação pra conhecer este pouco divulgado rincão natureba pertinho da urbe.
“Vai por Franco da Rocha, mas por Francisco Morato tb dá!”, avisou o Carlos, amigo triatleta de Jundiai q sussurrou a dica de conhecer a tal “Serrinha”, local q inclusive utiliza pra treinar com tranquilidade. Como gosto de conhecer locais novos, decidi ir por Francisco Morato e assim matar dois coelhos numa cajadada só. E assim, sem pressa alguma numa viagem tranquila pela linha Rubi da CPTM, pisava pela primeira vez em Francisco Morato as 10hrs. Local q a gente costuma ouvir falar somente nos noticiários do Datena, a primeira impressão q tive foi de estar no centro de La Paz. Enfiada quase no meio do vale do Rio Tapera Gde, a urbe de Fco Morato se distribui ao largo desta suave cratera espichada e pelas encostas dos morros a sua volta, uma vez q geografia recorrente da região é predominantemente ondulada. Pra aumentar a sensação de se estar na capital boliviana, o comércio fervilha em alto tom assim como seu transito caótico e barulhento.
Historicamente o municipio surgiu como Vila Belém, sede da fazenda homônima, durante a construção da E.F. Santos-Jundiaí. Com a ferrovia a cidade expandiu-se e ganhou o nome do advogado paulista q organizou e presidiu o Partido Democrático, durante a Revolução de 32.
Pois bem, da estação tinha apenas q tocar na direção sudoeste em direção a Rod. Tancredo Neves (SP-332). Acompanhei a via principal (R. Demerson G. Romano) rente aos trilhos passando pela prefeitura, uma enorme Igreja Universal e um Cto de Integração da Cidadania. Mas ao chegar no supermercado Saito abandonei a via e me pirulitei por td Rua Peri no sentido desejado. Deixando o borburinho comercial pra trás e subindo um morro já numa área mais residencial, logo caí na base dumas torres de telefonia pra dali tocar pro outro lado. Antes disso, uma bizoiada ao meu redor contempla a onipresente horizontalidade da região salpicada de elevações ao longe q imediatamente reconheço, desde o Pico do Jaraguá, a Pedreira de Taipas, a Serra da Cantareira e o triângulo agudo do Pico Olho Dágua, em Mairiporã.
Pois bem, descendo as ruas e tomando as bifurcações devidas, terminei caindo na via q dá acesso ao município, a 21 de Março. Segui nela pra direção sul até entrar na via de acesso ao Jd Bandeirantes, q me pareceu ser Rua dos Ipês. De cara um pontilhão é cruzado, onde um fétido Córrego Água Vermelha marulha. Apesar disso, o bairro já transpira algo de interior, com muito mais verde, poucas casas, comercio simples e obras recentes dum conjunto popular sendo construído. Interior em termos, pois a trilha sonora q paira na atmosfera é puro forró universitário. Bem, daqui basta tocar sentido oeste, acompanhando as torres de alta tensão, mas eu dou uma esticada pro norte pela via de chão q atende pelo nome de Estrada Municipal dos Porretes, q basicamente adentra o Vale das Sete Voltas. Mas não dá nem 5min q tomo uma picada q me leva na direção desejada, rasgando a campina numa boa.
Uma vez no asfalto da Rodovia Tancredo Neves (SP-332) é só cruzar pro outro lado q se encontra uma vereda indo de encontro numa pequena colina, onde continua a linha de alta tensão acima mencionada. Aliás, as torres de alta tensão serão a partir de agora meu pto de referência, meu “farol” q vai me “guiar” daqui em diante. O dia comecara incerto mas naquela altura o céu brilhava maravilhosamente e, límpido como ele só, a navegação visual dispensou até de bússola, q sequer saiu da mochila. Dali onde me encontrava tive o primeiro vislumbre da vastidão da tal “Serrinha”, dominando td o quadrante oeste.tb já tenho um vislumbre do quadrante  oeste: uma sucessão de morros e vales cobertos de reflorestamentos, alto capim e mata secundária preenchendo o sopé dos contrafortes desnudos.Uma vista q me lembrou bastante o Pq do Juquery, porém sem sua característica vegetação de cerrado. Ao longe, ainda, identifico o “Cruzeiro de Caieiras” coroando um morrão ao sul.
Pois bem, tomei uma das varias veredas q existem e comecei a descer suavemente  da beirada de morro no qual me encontrava. Algum capim mais alto toma conta do caminho mas nada tão medonho q possa ser chamado de vara-mato, pois a trilha ta sempre visível no chão. Cupinzeiros enormes ornam as margens da via, assim como alguma vegetação mais florida e de tons mais intensos q destoam da paisagem dourada pelo capinzal. A via prossegue perdendo altitude sempre margeando a encosta, e nas bifurcações tomo sempre a q continua morro abaixo. Logo, num largo ziguezague, me vejo palmilhando um setor bastante surrado por queimadas e logo percebo o motivo. Armações de balões são avistadas a td momento, lembrando dos estragos q estes artefatos causam a natureza. Aliás, balões e muitos pipas.
A pernada se mantem no mesmo compasso e o rumo acompanha a beira do morro, passando a mudar no sentido das dobras da serra e, posteriormente, pro fundo efetivo do vale. Conforme se perde altitude a picada fica mais úmida, erodida e escorregadia. É preciso ter cuidado pra não derrapar no ardiloso chão liso, onde os poucos vestígios arenosos revelam pegadas de pequenos mamíferos. No fundo do amplo vale o brejo e várzea predominam, onde capim adaptado a condições aquáticas emerge em profusão. Vários pequenos laguinhos surgem de ambos lados, provavelmente motivo do lugar tb receber a alcunha de “Jardim dos Lagos”. A impressão é a de se estar no fundo duma pedreira, com a diferença das encostas a nossa volta estarem forradas de arbustos, capim e eucaliptos.
Aqui a trilha se ramifica mas me mantenho na vereda que toque pro alto dos demais morros, o q é facilmente percebido conforme se anda. Uma vez na dita cuja começo a subir suavemente outra lombada serrano ascendente e, olhando por sobre ombro, avisto td trecho percorrido de outro ângulo. Uma cobrinha tomando sol na trilha me prega um susto, mas creio q a danada ficou mais apavorada q eu pois se pirulitou eletricamente em meio ao capinzal.  Não perdendo de vista as torres, uma vez no alto começo a percorrer a cumieira do paralela áquela do inicio da pernada, ou seja no sentido norte. Bifurcações aparecem a td hora mas basta me manter no alto. A vista é plena, sendo possível uma panorâmica de 360 graus q privilegia tudo em volta, inclusive as poucas residências mais próximas coladas nos morros mais próximos, provavelmente invadindo terreno.
Após descansar coisa de 10nmin a sombra dum arbusto, a sede começa a pegar e lamento não ter trazido cantil algum comigo. Sim, apesar dos vales ser abundante em lagoas e várzeas, não aconselho bebericar o precioso liquido pela proximidade de alguns bairros rurais. Logo, é preciso trazer o cantil cheio. Dane-se, prossigo minha pernada agora descendo pro vale sgte, ao qual chego num psicar de olhos. Nas mesmas condições q o anterior, ignoro cruzamentos q evidentemente me levariam pra fora dali e retomo outra nova ascensão pra crista espichada sgte. Subida esta mais simpática e menos íngreme q a anterior. As campinas douradas desta suave encosta dançam ao vento, contrastando agradavelmente ao olhar com os tons mais escuros de verde q ocupam as dobras e vales inferiores. O silêncio é absoluto, cortado apenas pelo vento remexendo arvoredo. Sem nenhuma vivalma no lugar, não me estranha q este lugar seja o escolhido pelo meu amigo pra vir treinar com paz, altos visus e tranquilidade.
Daqui percebo q lentamente a vereda faz um circulo, como q tocando pra noroeste e finalmente e seguir pro norte, sempre pela cumieira da serra. Ignoro bifurcações q me levem noutras direções pois sei q elas me levariam pra fora dos morros e, consequentemente, na beirada dalgum bairro periférico. Mas principalmente evitando tocar demasiado pra oeste, pois já sabia q lá da existência de mais uma unidade prisional (sócio-educativa) nas bandas do Bairro dos Cristais. É, parece q onde se anda por Franco da Rocha sempre se depara com algum centro de detenção ou de progressão penitenciária, seja onde for!
Porém, já relativamente satisfeito do passeio e com rosto levemente tostado pelo sol, tomo direção da “saída” indo em direção da linha de torres de alta tensão, q a esta altura esta relatiovametne distante. Mas com a vereda se tornando uma quase estrada suavemente ondulada a caminhada progride abstante e num piscar de olhos me vejo pisando outra vez no asfalto da  Rod. Tancredo Neves (SP-332), q bastou simplesmente acompanhar por cerca de meia hora. Do Jd Bandeirantes me pirulitei sem pestanejar pela Rua 21 de Março direto, e mal percebi q esta adentrava no centrão de Fco Morato. Olhei pro relógio e era antes das 16hr, e me dei o luxo de encostar num boteco local antes de embarcar de volta pra “Paulicéia desvairada” outra vez.
A “Serrinha” deste relato é também conhecida localmente como Jardim dos Cristais ou dos Lagos, e é um programinha bem tranquilo prum dia sem opção alguma. É alternativa mais rústica, por assim dizer, a um Parque do Ibirapuera. Melhor, com a ajuda de duas rodas é possível percorrer td extensão desta área completamente deserta, repleta de mato, morros, encostas e verdejantes vales. Se bem q haverá trechos bem íngremes e acidentados onde a magrela fatalmente será carregada no lombo. Mas independente de nomenclatura ou de maneira da visitação, fica aqui dada mais esta dica deste breve e simples programinha pertim da urbe, acessível por transporte público e cujo custo total não foi além de dez reais. Descontada a breja final, claro!
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

1 comentário

  1. Nossa essa é a primeira vez que vejo alguém descrever minha cidade tão romanticamente! Kkkk… parecia que estava viajando em outro lugar pelas suas palavras. Moro em Francisco Morato há 18 anos e conheço esse local que descreveu, descia aquela serra para tomar banho em um lago bem lá embaixo. Mas isso, há muito tempo atras. Foi muito bom recordar esses momentos, em suas palavras.

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