A trilha da Usina Vaticano

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A Serra do Quebra-Cangalha é a extensa sucessão de respeitáveis montanhas situada entre o Vale do Paraiba e a Serra do Mar, em SP. Resultado dos enrugamentos geológicos q deram origem as gdes colinas da região, é uma serra extensa q corre além dos 80kms rumo RJ, e seu nome deriva do esforço q os animais de carga tinham q fazer para transpô-la. Grande assim, é natural q suas dobras escondam pequenas surpresas, como a Cachu da Usina Vaticano, relíquia datada da segunda metade do século passado q abastecia de energia uma indústria local de celulose, na pacata Roseira. Hj desativada, seu acesso se dá mediante íngreme picada q, num desnível de quase 800m, ganha o alto dos 1400m da Cangalha e descortina altos visus desta serra pouco conhecida e tão próxima dos paulistanos.

Aparecida não é somente a cidade tida como o maior centro de peregrinação do Brasil, q inclusive recebeu a honrosa visita do Papa meses atrás. De uns tempos pra cá e por ser residência dum gde montanhista amigo nosso, o Fernando Barros (q inclusive conquistou recentemente o Marins pela face sul!), Aparecida tb tornou-se nosso pto de apoio e “campo base” obrigatório pra incursões montanheiras tanto na Mantiqueira como pelo Vale do Paraiba. E foi justamente pra lá q eu e o Nando nos pirulitamos num final de tarde qq, pra sermos recebidos pelo nosso amigo e sua simpática esposa, a Marilda, q nos hospedaram calorosamente em sua residência, situada no centrão da cidade. A bebedeira q precedeu a deliciosa janta foi motivo pra colocar muita conversa em dia, assim como pra alguns desabafos. “O melhor prefeito q Aparecida teve foi o Papa!”, queixava-se Fernando diante do descaso do governo municipal em maquiar os problemas apenas pra receber o sumo pontífice. Conhecedor da região como ninguém, coletamos as infos básicas necessárias pro nosso rolezinho no dia sgte e na sequencia, após mais uma “saideira etílica”, capotamos de vez em nossos respectivos aposentos.
 
Na manhâ sgte tomamos aquele farto desjejum típico de cidade interiorana, regado a leite fresco e pãozinho quente crocante, e nos pirulitamos pro rolê. Infelizmente Fernando tinha q resolver alguns problemas na sua loja, assim como a Marilda q tinha plantão no PS onde trabalha, e não puderam nos acompanhar. E dessa forma, as 8:30hrs, eu e o Nando deixamos a pequena cidade, tocamos pela Dutra e nos dirigimos pra cidade vizinha, Roseira, menos de 10kms dali. Ao passar pela Faro (Faculdade de Roseira), é preciso atentar prum discreta saída (pela direita) sem nenhuma sinalização q atravessa a rodovia por baixo, num minúsculo e medonho túnel, e nos deixa quase na entrada da pacata Roseira, a exatos 520m de altitude, povoado q nasceu a margem da Estrada Real e cujo nome se originou das rosas silvestres existentes, q cobriam fartamente cercas e divisas de propriedades ao longo do caminho.
 
Após uma breve parada na padoca local, ao lado da bonita Capela de Nossa Senhora do Rosário (hoje Nossa Senhora da Piedade) pegamos o veiculo e tocamos pela Estrada Vicinal Antonio Venezzi, deixando o Vale do Paraíba pra adentrar na morraria sentido sul. Após passar um cemitério e uma gde pedreira, serpenteamos a sucessão de mar de morros e colinas desnudas q dá inicio á Serra da Cangalha, numa paisagem q se assemelha (guardadas as devidas proporções) a Estrada de Coroico, na Bolivia. Precaria e não raramente estreita, a via bordeja altos penhascos de onde se pode avistar algum riacho correndo bem abaixo.
 
Mas ao cair numa bifurcação assinalada por um enorme bambuzal abandonamos a via principal e tocamos pela vertente da esquerda, subindo suavemente. Mas logo nossos horizontes se abrem e descortinam o perfil elevado das maiores montanhas da Serra da Quebra-Cangalha, espichando-se de leste a oeste, mais precisamente o trecho chamado de Serra dos Forros. E olhando bem, é possível avistar um filete alvo despencando do alto dessa silhueta esmeralda elevando-se pro céu, q é a cachoeira visada da nossa incursão. Contudo, a medida q avançamos a estrada torna-se cada vez mais e mais precária. Buracos e lamaçais são uma constante, e dessa forma vamos até onde julgamos prudente o carro não empacar de vez, até q finalmente encostamos o veículo na sombra dum arvoredo rente a estrada, na cota dos 600m.
 
Mochila nas costas eis q finalmente começamos nossa pernada, prosseguindo a subida da estrada serra acima, as 9:30hrs. A atmosfera limpa e translúcida envolta num sol a pino martelando nossas cacholas não tardam a encharcar nossos rostos de suor, e lamentamos não trazer um boné. Dividindo a precária estrada com algumas vaquinhas, é preciso desviar de lamaçais medonhos (q provavelmente só são vencidos por veículos tracionados 4×4) cunhando com razão nossa decisão de ter deixado prudentemente o veículo lá a trás. Sempre subindo pela principal, e ignorando as bifurcações pra ambos lados, nossa ascensão se mantem compassada e ininterrupta no aberto, sem nenhum problema.
 
Por volta das 10hrs e na cota dos 850m atravessamos uma porteira q nos dá acesso a uma área sombreada por reflorestamentos de eucaliptos, onde o caminhar nivela e basicamente bordeja espigões q derivam da cadeia principal. Uma placa pertencente a Faz. Sta Efigenia alerta tanto da proibição de entrada de pessoas estranhas, caça e pesca, mas principalmente do tráfego de motos em suas dependências. No caminho, surpreende a qtidade de toras de madeira empilhadas, prontas pra serem levadas.
 
Meia hora depois, na cota dos 950m, tropeçamos com nova placa desta vez pertencente á Faz. Vaticano, q basicamente se notabilizou pela produção de celulose na região. Um oficio anexo informa do fechamento da fazenda em virtude de sua falência como empresa, situação pra lá de datada de mal-administrada desde tempo de criação da fazenda. Aqui tb nos deparamos com uma trifurcação mas o bom senso nos guia pela via da direita, q acompanha a encosta direita da montanha e vai de encontro ao vale do Córrego do Vaticano, cujo som de agua correndo furiosamente logo inunda nossos ouvidos.
 
A pernada se mantem tranqüila até q cruzamos o referido rio, q passa por baixo duma oportuna ponte, as 10:40hrs. Uma bica oriunda de captação nos fornece deliciosa agua, q bebericamos de bom grado uma vez q não levávamos cantil. “É sussa e rápido!”, disse o Fernando pra gente, cunhando de q não havia necessidade de levar água. Só não levamos em consideração q ele havia feito esse roteiro de bike e não a pé, como a gente. Aqui paramos um pouco pra descanso e pra conferir a rota. Duvidas surgem diante das dicas do Fernando mas optamos por obedecer nossos instintos e nos meter sempre na via principal. Durante o descanso, aproveito pra fuxicar os arredores e me deparo com um grandioso cânion afunilando o rio e despencando numa bonita mini cachu, logo abaixo.
 
Prosseguimos a pernada sempre nos mantendo na via principal, q basicamente acompanha o Córrego do Vaticano por uma crista paralela ao vale. As ruínas de uma casa a nossa esquerda marcam vestígios prováveis da época da usina, e logo adiante a estrada embica de vez pra subir forte a encosta sgte. A alta declividade obriga inúmeras paradas pra recuperada de folego e o suor corre pela nossa testa, uma vez q o sol forte não perdoa ninguém naquela altura do campeonato. O calor causticante parece emanar do chão daquele terreno árido e descampado. Surgem bifurcações mas nos mantemos sempre na principal, sempre serpenteando a encosta desnuda, repleta de mudas de eucaliptos ainda em crescimento. O consolo deste trecho é q a cada breve pit-stop de descanso o olhar se volta por cima do ombro e se regozija com uma fantástica panorâmica do Vale do Paraíba, aos pés do imponente paredão da Mantiqueira.
Após este trecho bem desgastante eis q finalmente mergulhamos na mata fechada, as 11:20hrs, agora na cota dos 1100m de altitude. O reflorestamento ficou pra trás, dando lugar a muita mata secundaria com alguns focos evidentes de Mata Atlântica de altitude. 
A estrada a muito se estreitou e deu lugar a uma óbvia picada q sobe em ziguezagues o restante da montanha. Algum matinho agreste ou espinhento vez ou outra surge obstruindo caminho, mas nada do outro mundo pois a vereda é mais do q obvia e evidente.  Subindo suavemente nesse compasso, finalmente damos nos 1450m do topo da Serra da Cangalha, onde a trilha então passa a percorrer a crista florestada por td sua extensão, sentido nordeste. Com a caminhada nivelada a velocidade aumenta e assim progredimos mais e mais na trip.
 
Nesse mesmo compasso e após começar a descer suavemente, tropeçamos com uma bifurcação em “T” onde ignoramos a ramificação da direita (q provavelmente leva ao outro lado da serra, na região de Goiabal ou Lagoinha) em prol de sua vertente esquerda. A medida q se avança, sempre descendo suavemente, o som inconfundível de agua logo adiante soa como música a nossos ouvidos. Nesta altura eu e Nando estamos, além de cansados, morrendo de sede e não vemos a hora do precioso liquido molhar nossa goela. “Sussa e perto.. sei!”, pensei, lembrando do aviso do Fernando. Mas é somente na bifurcação sgte em “T” q , obviamente tomando a esquerda, enfim nos deparamos com o Córrego do Vaticano, q corre bem mais abaixo na encosta. A vereda o acompanha a distância durante um bom tempo, até q finalmente o intercepta aos pés pedregosos duma barragem q pelas frestas da mata já havia chamado minha atenção.
 
E assim, as 12:30hrs e na cota dos 1270m, pisamos finalmente nos altos paredões da Barragem Vaticano, q represa as águas do córrego do mesmo nome num enorme e bucólico lago encavado no alto d Quebra- Cangalha – cercado de muita mata secundaria – pra depois despejar suas águas por uma enorme lajota inclinada e deslizar pela enorme rocha, quase por mais 50m abaixo, formando o grandioso filete alvo avistado lá de baixo. Uma oportuna e precária ponte feita de madeira cruza o córrego pro outro lado, mas enqto o Nando descansa no alto da barragem eu tento me aproximar do topo da cachu, sem sucesso. O limo visguento não recomenda seguir além dos limites de segurança e prefiro ficar na minha. No entanto, a vista daqui do alto é tão gratificante qto aquela outra, na trilha, e complementa a generosa panorâmica com vislumbres de Cpos do Jordao, Gomeral, Taubaté, Moreira Cesar e Pindamonhangaba.
 
Após descansar, beliscar algo e me presentear com um refrescante tchibum na represa, empreendemos a volta lá pelas 13:10hrs. Ao invés de voltar pelo mesmo caminho decidimos prosseguir a continuidade da picada, do outro lado do córrego, pois visivelmente o caminho seria bem menor do q a ida. Cruzamos a rústica ponte e do outro lado bastou acompanhar a adutora q nascia da barragem, sem nenhum problema. Algum resquício enferrujado do maquinário da época de funcionamento da usina é percebido no trajeto, engolido pelo mato, servindo de testemunha da nossa passagem.
E dessa forma, após andar em nível não menos de 10min a adutora, nossa rota desemboca numa gde estrada de reflorestamento, q simplesmente basta desce-la por completo. E tome descida íngreme, quase vertical! Num ângulo beirando acima de 45 graus, a declividade aqui é vencida cautelosamente pois o chão arenoso/pedregoso esconde várias armadilhas traiçoeiras. Impossível mesmo um veículo não tracionado subir aquilo ali. Bike? Só se for carregada no ombro. Mas 100m abaixo a pernada arrefece e assim finalmente desembocamos na trifurcação mencionada no comecinho, mais especificamente na via/estrada do meio, completando assim um árduo circuito pela Barragem Vaticano.
 
O resto do trajeto foi feito na maior tranqüilidade, embora o Nando estivesse com receio de q bovinos amassassem o veículo durante a passagem. Mas o veículo estava inteiro e intacto qdo retornamos nele, coisa de 14:40hrs. Imediatamente nos trocamos e nos mandamos desesperados pra fazenda mais próxima, no caso, a Sta Maria, na verdade um casarão bonito oriundo dos tempos do café. Desta vez não estávamos ansioso por agua ou sedentos pelo precioso líquido, e sim com uma vontade irresistível de mandar ver deliciosa cerveja gelada goela abaixo afim de bebemorar a breve, porem desgastante, empreitada deste belo e pouco conhecido rincão do Vale do Paraíba.
 
A Serra do Quebra-Cangalha é pouco conhecida embora se situe numa região de fácil acesso, provavelmente por conta das rodovias q a cortam transversalmente, sentido litoral; ou devido ao fato de suas cidades pararem no tempo depois do Ciclo do Café. Lembrar q Paraibuna, S Luis do Paraitinga e Cunha foram esquecidas pela industrialização do Vale do Paraíba e pela urbanização do Litoral Norte. Por ser uma serra extensa, o Quebra-Cangalha não é percebida tb como um conjunto pelo fato de sua sinuosidade e “baixa” altitude. Ainda assim, é uma serra q promete vindouras investidas futuras pois é uma cadeia montanhosa q se estende por mais de 100km ate Cruzeiro (quase RJ), onde é barrada pela Bocaina. Já temos noticia de inúmeras trilhas e até travessias pela região, q oportunamente serão exploradas em seu devido tempo. E quem sabe, descortinar mais surpresas agradávelmente interessantes como a Usina do Vaticano.
 
Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
 
 
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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