A Trilha do Caçador, a Toca da Onça e a Torre de Itapety

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Foi na vontade de realizar uma nova caminhada pela Serra do Itapety que tropeçamos com uma rota, até então inexistente, que foi de encontro direto ao alto da serra, sem necessidade de ter de alcançar a “Pedra do Lagarto”. Desconhecida, porém oportuna, apelidamos a vereda de “Trilha do Caçador” por razões óbvias. Bem roçada pelo extrativista ilegal, ela leva não só até um “poleiro de tocaia” como tb ao seu “acampamento” improvisado. Pra finalizar este rolê exploratório de puxados 20kms (e desnível de quase 400m), esticamos até a nova linha de torres de Furnas, recém-instalada na crista do “Guardião de Mogi das Cruzes”, passando pelo pitoresco rochedo chamado de “Toca da Onça”, situado no pto mais alto da serra.

O sol brilhava forte qdo encontrei o Ricardo na frente a Est. Estudantes da CPTM, na cota dos 700m de altitude. Logo de cara surpreendeu-me a movimentação atípica na cidade. Os preparativos duma tal “Festa do Divino Espírito Santo” e o vestibular da UMC (Univ. Mogi das Cruzes) haviam triplicado o número de pessoas e, consequentemente, a muvuca. Em meio aquela balburdia, após breve desjejum num dos tantos trailers prostrados na frente do terminal, nos pirulitamos então rumo a serra por volta das 9:40hrs. O Itapey, por sua vez, delineava-se elegantemente ao norte, espichando suas escarpas verdejantes por td aquele quadrante, recortando o firmamento azul. 

Da estação cruzamos a linha férrea e nos embrenhamos pelas ruas situadas entre o Shopping Mogi e o terminal rodoviário, indo em direção ao extremo leste da almejada serra. Em caso de dúvida, basta seguir a sinalização sentido Bairro do Rodeio. Ao tomar uma larga avenida nessa direção, cruzamos com um límpido Rio Tietê, onde tropeçamos com um amigo do Ricardo indo pro trabalho, o Marcos. Ao saber q íamos pra serra, o impecável e engravato rapaz não pensou duas vezes em largar seu trampo de corretor pra se tornar o terceiro integrante do grupo. No caminho, pudemos avistar a nova linha de torres recém-instalada na serra, cortando-a de norte a sul. “É pra lá q vamos!”, pensei.

Após um tempo no asfalto com sol martelando a cachola, as 10hrs pisamos enfim no chão de terra da “Estrada Velha do Lambari”, antiga via de conexão com o outro lado da serra. Na suave subida q se seguiu mergulhamos felizmente no frescor da mata mais fechada, inicialmente com suave aclive. Ainda não me habituei á generosa largura da via e seu chão compacto de terra, até pq ano atrás ali era uma picada estreita e bem erodida. “Caminhões agora sobem por aqui pra adentrar nos condomínios q estão sendo construindo nos limites do Pq Municipal..”, diz o Ricardo. De fato, a medida q subo recordo q a margem direita da “trilha” era forrada de árvores, mas agora havia um enorme e interminável muro uma boa parte do trajeto. Sinais do “progresso e urbanização” chegando a Mogi.

Mas foi palmilhando este comecinho de jornada em meio a mata q outra coisa nos chamou a atenção. Logo após o tradicional portão de madeira q denota propriedade particular, situado a esquerda – e um pouco antes de iniciar a árdua subida pela piramba conhecida como “Paredón Boliviano” – uma discreta picada nascia da via principal, mergulhando fundo na vegetação. Aquela via era nova tanto pra mim qto pros demais, e assim em comum acordo decidimos acompanhá-la pra ver onde diabos daria. Claro, desde q não fugisse demasiado da rota original pretendida, ou seja, o alto da serra, q no nosso caso seria ter necessariamente de alcançar a tal “Pedra do Lagarto”.

Mergulhamos então na mata e logo de cara topamos com uma espécie de “capelinha” improvisada a margem da vereda. Construída precariamente com galhos e coberta com lona preta, a santinha inclinava-se levemente pra fora. A existência deste “altar” já era sinal q aquela via era de caçador, uma vez q sempre pedem proteção (cobras?) ao exercer seu “oficio”. Na sequência, reparamos q inicialmente a vereda acompanhava a via principal, pra depois rasgar diagonalmente a serra, felizmente no sentido desejado. Bem roçada, o caminho palmilhou em nível, bordejou a encosta inclinada, desceu um pouco ate uma dobra serrana, onde corria uma cristalina nascente, pra depois retomar a rota pela encosta subindo forte e forte uma íngreme piramba.

No alto, ela novamente suavizou e se manteve assim um tempo, em nível pra noroeste, sempre cercados por exuberante mata a nossa volta. Mas não tardou pra descer pra outra dobra serrana, desta vez em meio a espesso bambuzal, felizmente bem roçado pois marcas de facão recente denunciavam isso. No fundo do úmido vale, atravessamos por voçorocas de lírios-do-brejo, pra então galgar novamente a encosta sgte, subindo cada vez mais. Foi aqui q escorreguei num trecho de chão liso e cai de costas. Dureza foi q tombei sobre um fino toco de madeira cortado, q por pouco não penetrou na regiao do meu rim, mas a maledita dor perdurou pelo resto do dia. Enqto isso, o Ricardo conferia no GPS qq desvio de rota, mas por sorte ela ia pro alto da serra, so q no sentido diagonal.

Ao subir mais um trecho de encosta, desviar de arvores tombadas e bordejar um enorme matacão forrado de bromélias, na cota dos 900m e as 10:50hrs chegamos finalmente no “acampamento” do caçador em questão.  Na verdade era um bivaque improvisado q consistia num precário leito acomodado sob o enorme vão dum gde rochedo. Lonas, roupa, mantimentos, etc… estava td ali! Perto, havia um tradicional “poleiro de espera”, a tal tocaia onde ele aguardava e surpreendia a bicharada, meticulosamente construído entre duas arvores próximas. E um pouco mais acima encontramos um enorme tubo de pvc repleto de milho, cercado de mexericas fresquinhas e bem bonitas, q provavelmente devia ser a isca. Decidimos assim chamar aquela via de “Trilha do Caçador”, embora o Ricardo batesse pé pra apelidá-la de “Picada do Poleiro”, mas foi voto vencido. Cogitamos até procurar a arma dele, uma vez q devia escondê-la nalgum canto pra não circular com ela fora da serra. Mas o pensamento de q talvez o fulano estivesse escondido no mato, apontando uma garruncha pra gente, diluiu tal intento e em razão disso nos pirulitamos rapidinho dali.

Pois bem, como a picada terminava no “mocó do caçador” e vendo q não faltava muito pro topo, decidimos simplesmente rasgar mato serra acima. E foi o q fizemos, começamos a subir aquele ombro serrano sempre tocando pro norte, desviando das pedras e mato mais agreste q se interpunha no caminho. Na dianteira fomos nos alternando, claro, uma vez q os trechos de mato mais espesso – geralmente voçorocas de bambuzinhos e finas taquarinhas espinhentas – requeriam mais esforço pra serem vencidos. Apesar disso, a subida foi tranqüila e tivemos um ritmo razoável no ganho de altitude, q foi num piscar de olhos.

Ganhamos os 1131m do alto da serra por volta do meio dia. Sujos, repletos de mato e com alguns cortes, emergimos na discreta picada q percorre a crista do Itapety. Ali, do lado dum enorme rochedo, nos brindamos com um breve descanso, com direito a bebericar goles d’água e beliscar um lanche. Pela posição escancarada no GPS, estávamos quase na metade da serra e o ganho de distancia no trajeto por conta da “Trilha do Caçador” era bem significativa. Pois bem, agora tínhamos q simplesmente tocar pelo alto rumo oeste, indefinidamente, até interceptar a nova linha de torres. Já percorrera o alto da serra coisa de ano atrás, e sabia q até certo trecho o caminho seria sussa e desimpedido. Depois dele é rasgação nervosa de mato no peito, e estávamos preparados psicologicamente pra isso.

Dando continuidade a pernada prosseguimos pelo alto da serra, subindo e descendo suavemente a crista ondulada sem maiores problemas, sempre acompanhando os marcos de concreto dispostos no alto. Eventualmente um mato mais fechado se interpunha na frente, mas não era nada do outro mundo, pois bastava contorná-lo ou enfrentá-lo de frente. “E pensar q antes passava carro aqui..”, filosofava o Ricardo. No caminho, pontilhado de matacões ao longo de td trajeto, o mato em volta impede qq vislumbre da paisagem, a exceção de pequenas frestas e janelas. Mas as 13hrs passamos pelo pto mais alto do Itapety, situado na cota dos 1140m, e o lugar é marcado por duas enormes pedras q, sobrepostas, formam uma gruta. O lugar é chamado de “Toca da Onça” e pode servir perfeitamente de eventual bivake. Bem, desde q a “dona” da gruta não esteja por perto.

Pois bem, após a “Toca da Onça” a picada, até então obvia e discernível, fica cada vez mais imperceptível e confusa. Ate q finalmente desaparece por completo. Recordo q da ultima vez q aqui cheguei, daqui abandonamos a crista e tocamos pra noroeste, onde descemos rasgando mato ate cair numa fazenda, onde uma mal-encarada pitbull chamada “Lacraia” quase nos causa problemas. No entanto, desta vez decidimos prosseguir pela crista, tocando em frente na raça sentido oeste, uma vez q pela vegetação pudemos avistar as torres de alta tensão almejadas, não mto distantes.

Mas não tardou pro caminho ficar mais duro. Íamos e voltávamos em busca da rota menos difícil mas tds as opções mostravam mesmo grau de perrengue e dificuldade. Era hora q tínhamos q descer, pois a crista tb começava a perder altitude. E descia forte. A torres estava tão perto e tão longe ao mesmo tempo, mas as taquarinhas espinhentas , voçorocas de capim-navalha e td sorte de mato agreste a nossa frente desanimava até o mais ávido trilheiro. Mas bastou um dos colegas sugerir, mesmo sutilmente e com ar derrotista, de q “não dava pra prosseguir” q perdi as estribeiras! “Não dá pra prosseguir o caralho!”, falei tomando a dianteira do trio. “Cheguei até aqui e não pretendo voltar..”, emendei. E lá fui eu, baixando mato com corpo inteiro, no peito, as vezes “mergulhando” na vegetação de modo a conseguir passagem. E assim fomos avançando, lentamente, descendo aquela encosta íngreme em meio a mato espesso. Eu na frente, abrindo caminho e o resto, logo atrás.

As 14:40hrs enfim desemboquei numa trilha, o q deixou td mundo contente. Dali bastou tocar coisa de 20m encosta acima q caímos no pé das torres almejadas. Uhúúú! As torres eram novinhas em folha pois não tinham nem fiação nelas ainda. Lembro q uma vez cruzamos com um grupo de biólogos, funcionários a hidrelétrica de Furnas, q na ocasião fazia monitoramento ambiental naquele setor do Itapety. Colocando armadilhas pra fotografar a fauna local coletavam dados pra medir o impacto ambiental q resultaria da instalação daquela nova rede de energia q rasgaria a serra. Esta nova rede foi necessária pra atender a demanda por energia, q aumentara. Pois bem, a rede foi enfim colocada e, francamente, o impacto ambiental deve ter sido bem grande. Basta olhar ao redor pra isso. Td desmatado…

Após descansar e comer alguma coisa ao sopé da torre, com vista privilegiada duma reluzente Mogi, tocamos pela precária estrada de terra q partia delas. Tocamos equivocadamente pra esquerda, sentido Mogi, pra apenas descer um tanto ate a outra torre, logo abaixo. Como não havia continuidade da estrada fomos obrigados a retornar penosamente td outra vez, e tocar pra direita da torre anterior, ou seja, pro outro lado da serra. E assim foi, após andar um pouco pela crista, atravessar um reflorestamento de eucaliptos, tomar algumas bifurcações e ladear o enorme monólito q serve de base pra Torre da Embratel, as 15:40hrs pisamos na “Estrada Municipal”, oficialmente conhecida como “Estrada Cruz do Século”, q bastou tocar sentido a cidade.

Ignorando o Pico do Urubu e perdendo altitude pela bucólica via, nos despedimos do Marcos ao abandonar a “Estrada Municipal” em prol da q vei de encontro ao Tênis Clube, pra finalmente desembocar no centro de Mogi por volta das 17hrs, onde encostei num boteco antes de retornar pra Sampa. Exaustos e ralados, repletos de espinhos e furos nas mãos, sujos de mato e entupidos de cortes, mas contentes por concluir mais um rolezinho selvagem de responsa, bem do lado da urbe. É de se esperar que esta nova via, a “Picada do Caçador”, comece a ser mais pisada e freqüentada a partir de agora. Pra infelicidade do seu legitimo “dono”, q foi mais extrativista q pioneiro.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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