Após rodar quase toda Linha Rubi da CPTM desembarquei na simplória estação de Várzea Paulista. Dali em diante basta tocar pro bairro do Mursa, tudo bem sinalizado. Era cedo, coisa das 10hr, e dali me mandei pela Av. do Pinheirinho até o fim, sempre sentido sul. Aquela manhã começara fria mas lindamente despida de toda e qualquer interferência atmosférica, envernizando de vez minha decisão de ir no alto dalgum morro ao invés dos refrescantes banhos da Serra do Mar. Foi ai que recordei a sugestão do tiozinho do parágrafo anterior, na última ocasião em que pisara na Serra do Mursa, cerca de dois anos atrás. Seria a ocasião apropriada pra confirmar ou não minhas suspeitas após rápida estudada da carta e de imagens aéreas do lugar.
Pois bem, não tarda pro asfalto dar lugar a uma empoeirada via de chão que atende pelo nome de “Estrada do Mursa”, embora seu nome oficial seja Odail Eduardo Gut. Os edifícios e residências a muito ficaram pra trás, dando lugar a sítios, chácaras e pesqueiros numa paisagem tipicamente rural. Numa curva, eis que surge a serra pretendida praquele dia, a minha frente. Bonita, elegante e de tons de verde vividos contrastando com o azul claro do céu, destoando de toda paisagem ao norte.
Da última vez que acessei a serra abandonei a estrada principal e toquei por uma ramificação da esquerda, que termina dando na SP-354 mas antes disso está a entrada pra serra pelo norte. Ao invés disso me mantenho na via principal, indo de encontro á trilha de acesso sul do Mursa, indo cada vez mais de encontro o sopé da serra. Aqui basta se manter na supracitada estrada e acompanhar a sinalização indicando “Orquidiário”, subindo suavemente sempre pro sul e evitando a entrada pra Estrada do Rocha, que toca pra oeste.
No final da rua é que basicamente começa a vereda que sobe o Mursa pelo sul. Pelo menos havia uma placa na entrada que agora estava depredada, em meio aos arbustos, no chão. Retrocedo então até a última viela que sai pela direita, cuja sinalização diz ser uma “rua projetada”. Pois então tomo ela e subo forte no que parece mais uma passarela que rua, passando por umas poucas residências. No final dela nasce uma trilha bem obvia que, do lado dum minúsculo pé-de-manga, sobe suavemente o primeiro ombro serrano em direção ao Mursinha! Sim, avaliando a carta topográfica a forma mais lógica de ganhar o morro seria pela suave crista norte e não por meio do íngreme vale. Dito e feito.
Uma vez na trilha basta se manter nela, pois ela sobe perfeitamente na direção desejada, ou seja, pro sul. Caminho bem batido e com sinal da passagem de magrelas em meio a vegetação arbustiva e alguns eucaliptos perfilados. Mas ao tropeçar com uma linha de torres de alta tensão que corre transversalmente, a vereda desvia abruptamente pra direita, sentido oeste, acompanhando a supracitada linha e desviando totalmente da rota desejada. Aqui é preciso entrar no mato atrás da torre, tocando pro sul, e procurar vestígios de trilha ou coisa que o valha em meio ao alto samambaial. E pimba, este rastro é logo encontrado.
Uma vez neste rastro basta só acompanhá-lo sem erro, sempre tocando pro sul. O caminho ta bem pouco evidente pois tem algum mato baixo sobre ele, mas a rota é perceptível pra quem tiver farejo de trilha. E assim vou ganhando altitude lentamente por aquela crista ascendente descampada, coberta de capim, cupinzeiros, flores e algum mato espinhento. No geral a navegação é visual, mas pela crista se mostrar larga vou me fiando também do auxilio da bússola pra não quebrar demasiado pros vales laterais. E assim, conforme ganho altitude o maciço principal do Mursa fica cada vez mais evidente, a sudeste. No entanto, o topo do Mursinha não é visível devido a primeira corcova serrana ocultá-lo neste primeiro trecho da ascensão.
A subida prossegue compassada e relativamente desimpedida. Trechos abertos se alternam repetidamente com outros mais fechados e com mato tombado no caminho, onde basta desviar ou avançar na raça, afastando voçorocas de arbustos ou samambaias com ambas mãos. E após o primeiro cocoruto consigo avistar o cume do Mursinha, cada vez mais próximo. Começo a ladear um foco de mata mais alta, uma floresta que me refresca provisoriamente com sombra do sol matinal, onde perco a trilha temporariamente. Mas rasgando mato logo á frente reencontro outra vez o rastro e procuro me manter nele, processo que se repete mais de uma vez.
O último trecho é o mais confuso e a picada some de vez, mas pela proximidade do cume não tem demasiado erro pois basta só tocar pra cima. Desviando das touceiras de arbustos baixos ressequidos e dos enormes cupinzeiros até ganhar os campos desimpedidos que precedem o topo. E assim, numa ascensão que me tomou menos de hora, alcanço o topo do Mursinha pouco depois do meio-dia. Sim, arranhado e sujo pelo mato queimado, finalmente pisava no topo do morro que me despertara atenção anos atrás.
Arbustos baixos, lajes e algumas rochas dividem espaço no amplo cume. Lixo? Nenhum. O melhor de tudo é a panorâmica privilegiada que abrange não apenas Jundiaí e as escarpas da Serra do Japi, ao norte; Cajamar e a Serra dos Cristais, a oeste; e a morraria de Campo Limpo Paulista e Francisco Morato, ao sul. O melhor era a vista de todo conjunto do Mursa, a leste, desde a torre de telefonia no extremo sul, o maciço central e o morro ao norte, onde costumam saltar os praticantes de parapente. Dali foi possível ter uma noção que o Mursinha é 20m mais baixo que o ponto máximo do Mursa, que tem 1070m, e que naquele momento estava fervilhando de gente.
Após cerca de 15 minutos descansando ao sol, onde a brisa vinda do sul refrescou o suor que escorria pelo rosto, belisquei o lanche que trazia a tiracolo na
mochila e beberiquei a água do cantil todinha. O dia que iniciara frio agora fritava meus miolos e o que mais desejava era um tchibum refrescante, coisa que ali no alto infelizmente não teria. Ao invés disso tinha apenas aquele regozijo e paz interior que preenche o espirito de todo e qualquer andarilho. O silêncio sagrado daquele momento só era quebrado pela eventual algazarra de bugios nalgum dos fundos vales a minha volta, embora também me parecesse que a molecada no alto do Mursa gritasse na minha direção, provavelmente morta de curiosidade em saber como havia chegado ali.
Descansado, retornei exatamente pelo mesmo caminho pelo qual viera, pois uma rápida vasculhada pela encosta sul revelou-se demasiado íngreme e sem chance de ter algum acesso por aquele quadrante. A volta, mesmo com um ou outro perdido facilmente sanado, mostrou-se mais rápida que a subida. Ao chegar nas torres de alta tensão resolvi bisbilhotar a continuidade da trilha que abandonara pra subir o Mursinha. Ela desce forte e cai num vale paralelo, pra depois se ramificar em várias direções e provavelmente cair na Rod. Tancredo Neves (SP-332), a oeste.
Ali optei por me manter sempre na que tocasse pro norte que, conforme havia presumido, desembocou na “Estrada do Rocha”. Dali até a estação foi um chão interminável, a diferença das vezes anteriores, onde fui afortunado com oportunas caronas. O fato é que voltar a pé me possibilitou passar no mercado antes de fechar e garantir meu “liquido sagrado”, pra tomar depois condução de volta pra Sampa lá pelas 16hr, a tempo de saldar alguns compromissos pendentes início de noite.
Esta terceira visita ao Mursa mostrou-se bastante proveitosa pois descortinou possibilidades em seu setor sul, com vários caminhos que palmilham o sopé serrano naquele quadrante. Mas nem tudo são boas notícias. Infelizmente e mesmo passados dois anos da minha última visita, a região ainda continua a eterna briga pela aprovação em tornar toda Serra do Mursa uma legitima Reserva Biológica afim de garantir sua preservação permanente. Bem, até que a situação ganhe um rumo favorável á serra, ao menos o Morro do Mursinha agora pode figurar como uma alternativa de roteiro mais rústico e perrengoso ás trilhas tradicionais que percorrem esta simpática serra que ainda busca seu devido reconhecimento como paraíso ecológico.