Sim, eles me pegaram de jeito, pois o culpado dessa aventurinha não foi só o Sergio e sim o parceiro de escalada e alguns perrengues na montanha: Diego Preve Zanim que no nosso grupo lá do face começou a falar em bate e volta PP, Ciririca e tal. Em meio a brincadeiras a conversa tomou ares sérios e quando vi até tópico marcando a indiada já estava feito! Nosso grupo é a reunião de espécimes raros , que sente uma atração mórbida por desafios, e se nos falta o físico de atleta, sobra o espirito aventureiro e vontade de testar as forças….Logo já estávamos acertando ponto de encontro e confirmando os que aceitavam o perrengue (que coincidentemente são sempre os mesmos) hehehe e entre eles, eu lógico , que tinha jurado não voltar mais ao Ciririca nem pra assinar o livro do cume, coisa que tinha esquecido da ultima vez. Lá estava eu movida novamente por aquele desejo insano de aventura nova, mas não só isso, era a confiança advinda dos últimos perrengues fortes e a vontade de se testar numa investida diferente.
Ciririca é trilha temida e evitada por muitos, alguns veementemente e assumidamente dizem que não tem condições outros veladamente se esquivam usando desculpas politicamente corretas como : o tempo não está ideal, a trilha está molhada, não estou fisicamente muito bem, minha mulher não deixa etc…(entre outras desculpinhas…hehehe) então o fato de fazê-lo num modo mais complicado acabou instigando um bocado.
Sei que alguns vão dizer, que fazer de ataque é mais fácil afinal vai sem peso, sem cargueira enganchando no mato fechado etc…não é bem por aí , pois o que parece vantagem na ida, na volta vai tomando forma de bicho sinistro, e aí é que seu psicológico vai fazer toda a diferença , muito mais que seu físico acostumado as exigências da serra. Mas isso é uma opinião pessoal, na verdade deixarei aqui minhas impressões e cada um tome pra si o que achar válido, e decida o que vale mais apena : levar peso mas toda a segurança dos equipamentos à mão em caso de perrengue , ou a leveza do modo de ataque, sem peso porém com todos os riscos batendo na sua cabeça a cada instante e vc pensando: se eu precisar parar não posso, tenho que continuar até o fim….
Mas vamos ao resumo dos fatos:
A ida foi quase que uma curtição , saimos às 4 :30 da fazenda do Bolinha, sem peso, só mochilinha de ataque e animação, os aventureiros ; Sergio Sampaio, Diana Rosa (eu), Diego Zanim, Édio Fachini e Teresinha Tessaro. Não pôde vir a Juliana Mik por questões de trabalho , convidamos o Gera, mas ele já tinha compromisso e, como manda a tradição, o “homem do tempo” sempre faz previsões catastróficas do tempo e terríveis perigos que se aproximam da serra e como bom amigo que é nos adverte da loucura prestes a ser cometida…rsrsrs santa loucura!
Mas vamos ao resumo dos fatos:
O ritmo foi satisfatorio desde o inicio e só começou a clarear após o poço das fadas , quase na cachoeira do professor, e antes disso no cruzo quase que os dois da frente iam parar no Camapuan pois inexplicavelmente viraram à esquerda e não fosse escutarmos as vozes na direção errada sabe Deus até onde iriam sem perceber rsrsrs
Quando chegamos na pedra da Corda já tinha clareado, Serginho sempre leva uma corda de segurança pra não ficar viúvo , mas não foi necessário, todos descemos tranquilamente sem dificuldade com ajuda e incentivo dos que desciam primeiro. Chegamos na Cachoeira do professor às 08:00 , alguns fizeram um lanchinho, Sergio só no Carb up e suco energético, eu na bolachinha e Teresinha num salame e bolachinha de chocolate..
Tocamos adiante rumo ao Ultima Chance e dali pra frente , Diego e Edio aceleraram na frente com a Teresinha , eu e Sergio enrolamos um pouco mais, não muito …Foi mais ou menos nesse trajeto que ele percebeu que perdeu a lanterna e mesmo contrariado foi otimista de pensar que talvez a encontrasse na volta….e pra que pensar nisso agora né…um problema de cada vez e a lanterna ainda não era um problema…ainda…
Na Cachoeira do Professor
Chegamos no Ultima Chance às 10:40, foi ali que comecei a sentir os primeiros sinais de cansaço nas pernas, pedi um gel coisa que odeio o gosto e apenas dei uma provadinha, tomei um suquinho e vi que meu companheiro estava meio pálido, foi aí que me dei conta da loucura, ele tinha simplesmente dirigido 1.800 Km pra buscar a Van no extremo oeste baiano e eu a 4 dias levantava as 4 da manhã e dormia as 23 hs, não era pra estarmos ali e sim descansando , estar ali era o resultado da combinação nada confiável da intrepidez ariana com a teimosia taurina…tsc tsc..
Tome suquinho, bolachinha mais uma chupadinha no gel e adeus última chance, nosso destino é o cume do Ciririca! Saimos no aberto e pudemos avistar os 3 que iam na frente já subindo as temidas rampas de rocha exposta isso nos deu mais ânimo e tocamos adiante, eram 11:30 quando chegamos nas rampas totalmente molhadas e encharcadas pra dizer a verdade , escorrendo muita água, nada confiável, Sergio foi na frente e fez minha segurança pra evitar stress desnecessário e logo vencemos esse ” crux ” seguindo em direção ao cume naquela subidinha interminável e eu só repetindo internamente que não era hora de pensar em cansaço, pois tinha a volta…
Diego , Édio e Terê chegaram às 11:30 no cume do Ciri e nós passado já de meio dia, assinamos, fizemos o tal lanchinho mais reforçado (sanduba, bolachinha de chocolate e suco) e assim por volta de 13 hs começamos a volta. O cansaço era evidente, mas a trilha trash que tínhamos pela frente, e estarmos sem barraca só por nossa conta pra fazer uma trilha que poucos arriscam , mesmo com todo equipamento era o maior motivador a seguir sem nem falar a palavra cansaço. E assim, começamos a descida olhando um tempo já meio encoberto de nuvens. No Ultima Chance paramos pra pegar água e foi onde apareceram os primeiros sinais de cansaço mental e stress psicológico: comecei a me irritar com coisas sem importância e meu parceiro também, mas sabíamos que isso era causado pela tensão da volta e cansaço acumulado, por isso como em outras vezes , tentamos silenciar e buscar o equilíbrio necessário pra o espirito de parceria e harmonia voltar .
Mas como perrengue pouco é bobagem , nada como a escuridão ir tomando conta pra gente lembrar que o Sergio tinha perdido a lanterna dele e estávamos só por conta da minha lanterna fraquinha e querendo dar pau…. Senti um frio na espinha pois estávamos na cachoeira do professor num fundo de vale e a pouca luz do fim de tarde tornava aquele lugar bem fantasmagórico, logo comecei a escutar grunhidos também…ok podem rir e duvidar..mas eu sempre escuto esses grunhidos ali naquela trilha….Quando chegamos na pedra da corda, bem cansados , só uma lanterna, estava tudo escuro, absolutamente noite e ao me encostar na rocha que teria que subir avistei no céu uma imensa bola branca, que primeiro pensei ser uma nave e depois percebi que era a maior lua que jamais avistei, absurdamente gigante subindo lentamente por entre os galhos das árvores , majestosa , misteriosa e parecia nos abençoar com seus raios prateados, agradeci pelo conforto recebido e reanimada por esse momento de carinho vindo do firmamento, olhei pro parceiro e pedi pra continuar.
Como sempre subir a pedra da corda complica pra mim, fosse em qualquer outro lugar é o tipo de rocha que eu subiria sem pestanejar, mas ali nesse lugar ela toma forma ameaçadora , o cansaço das pernas faz vc vacilar e ta feito o perrengue. Sergio subiu primeiro e após uma primeira investida minha, bem corajosa por sinal ter resultado numa batida fenomenal do joelho na rocha que me cortou a respiração , subi na base do grito , eu só queria chorar de dor pela batida no joelho e o Sergio só queria era que eu subisse pra ele poder me abraçar em segurança ! Foi cinematográfica a cena, lua cheia, naquele lugar sinistro, eu berrando de dor mas vencendo a rocha pra cair nos braços do meu herói rsrsrs .
Foi bom, pois dali pra frente embora com uma lanterna pra dois, nos harmonizamos e seguimos mais parceiros e confiantes, embora o cansaço nas pernas já se transformava em dor e o corpo todo pedia descanço. O que na vinda tinha sido rápido se tornou uma trilha interminável, escura e lenta muito lenta, não havia como apressar o passo com uma lanterna fraca pra dois naquelas pirambas intermináveis , eu subia um trecho parava e iluminava pra ele subir e assim fomos na lentidão apenas cuidando pra não perder de vista as benditas e amadas fitas . Cada tronco no meio do caminho era uma tentação quase irresistível de sentar e se abraçar no tronco pro corpo descansar e numa dessas os dois sentamos e escutamos um “CRECK” e o Sergio desceu uns 30 cm, mais um “CRECK” e o Sergio se foi greta abaixo e de ponta cabeça ainda, eu só fiquei olhando ele sumir e após alguns segundos petrificada resolvi estender a mão pra ajudar ele a sair do buraco, o que não foi preciso rsrsrs
Já exauridas todas as forças possíveis chegamos no cruzo o que nos alegrou, mas não serviu em nada pra amenizar o cansaço, e assim aceitamos o fato que ainda tinha um bom trecho e nos contentamos em contar as cruzadas nos rios, que eram 5 mais que no fim eu já teimava que tinha um sexto …e assim finalmente falamos aquela frase do comentarista falastrão da rede bobo : ” Acabou…acabouu! ” só faltou a música do Senna !
“Não faço mais isso” era uma das minhas frases no final ….. “bate e volta no Ciririca valeu pelo desafio, vencemos, mas sinceramente é muito esforço fazer de ataque” prometi que não voltaria mais, afinal já tinha assinado o livro do cume pelas duas vezes que fui… Bem hj passado 10 dias , já não tenho essa certeza…e fico me perguntando: porque montanhista esquece tão rápido os perrengues na montanha? E porque a cada perrengue passado ele vai em busca de um outro pior? Se tudo que eu quero é curtir o ar da montanha , perder tempo lagarteando nos cumes, beber água geladinha de cachoeira , parar no meio da trilha pra escutar os barulhos da floresta..porque volta e meia o desejo de uma nova ideia, um novo desafio ? E é em direção a eles que todos acabamos indo de novo.
Trilha – 16,26 Km ( ida e volta )
Cume – 1.720 mts