Você sabe o que é um atol? É uma ilha oceânica com desenho belamente circular, formada a partir de um vulcão que foi soerguido de seu assoalho profundo. Por isso, os atóis são sempre vulcânicos e basálticos, pois essa é a rocha do fundo do mar. Os cumes vulcânicos costumam ser erodidos pelo oceano e depois recobertos por recifes compostos por algas ou moluscos.
Estes recifes abraçam a ilha vulcânica, normalmente de forma circular, oval ou alongada. À medida que ela vai afundando pela ação do mar, vão se acumulando e crescendo para fora, à busca de alimento. A região central, onde antes havia a ilha, normalmente é preservada como uma lagoa interior. As areias dos atóis têm origem biológica e não mineral, pois resultaram da deposição de algas coralíneas.
Os corais são organismos bizarros, parcialmente animais, vegetais e minerais – plenos de uma vida que se desenvolve a partir de esqueletos mortos. Capazes entretanto de se alimentar e reproduzir, são construtores que agem em comunidade ao longo de muitas gerações.
Cada um deles lentamente calcifica uma extensa estrutura comum – na qual se hospedam plantas, conchas e ouriços, moluscos e crustáceos, tartarugas e peixes – que alimenta a vida ao redor e dela se alimenta. Assim, os corais são maravilhosas estruturas vivas, que oferecem alimento e refúgio para uma enorme variedade de espécies marinhas.
O Brasil, como qualquer país com uma orla oceânica, detém direitos sobre seu mar, até 200 milhas da costa. De acordo com convenção internacional, o país deve definir os volumes adequados de pesca de animais marinhos, evitando o excesso que possa prejudicá-los. Quando o país não puder realizar toda a captura disponível, deve ceder a outros países o acesso a este excedente.
Este é considerado um desafio para o Brasil, pois nos impõe fazer um inventário por cada espécie marinha, dentro da nossa área de influência. Caso negativo, poderemos não vir a exercer soberania econômica sobre ela. Inclusive, são previstas pela convenção cessões de cotas de pesca, de forma que outra nação poderia pretender acesso à nossa zona de influência econômica, para usufruir dela.
Isto significa que os países costeiros têm tanto direitos como responsabilidades quanto à exploração e à conservação dos seus recursos. Para conhecer o seu mar, o Brasil realizou durante dez anos um programa milionário de avaliação, nos quatro setores em que nosso litoral é dividido: Norte, Nordeste, Central e Sul.
O Atol das Rocas foi um dos três locais mais remotos alcançados por este programa – os outros tendo sido os arquipélagos de São Pedro e São Paulo, bem como de Trindade e Martim Vaz.
Há mais de quatro centenas de atóis no mundo, dos quais algo como 5% apenas no Caribe e o restante no Pacífico. Existe um único atol no Atlântico Sul: o Atol das Rocas. Ele pertence à cadeia de Fernando de Noronha, do qual dista 180 km. É muito afastado de nosso litoral, quase 300 km, que exigem cerca de um dia inteiro num veleiro pequeno.
O Atol das Rocas representa nossa primeira reserva biológica marinha, criada 40 anos atrás. O Brasil possui algo como 1,5 milhões de hectares de unidades marinhas de conservação. Porém, dispomos de apenas quatro reservas biológicas – estas têm um uso muito restrito, pois são destinadas apenas à pesquisa e à preservação, ou seja, não permitem visitação pública.
A Rebio do Atol das Rocas é definida por uma curva de nível na profundidade de mil metros à volta de um monte marinho, delimitando uma área de 35 mil hectares. Entretanto, sua superfície terrestre é de apenas 750 hectares. Apesar de ser um dos menores atóis do mundo, é nossa maior reserva biológica.
Suas areias acumulam-se em duas faixas com forma de anel aberto no interior do atol, originando duas pequenas ilhas. Durante a maré baixa, o anel de recifes do atol fica exposto e, no seu interior, surgem profundas e límpidas piscinas naturais. Na maré alta, apenas as duas ilhas interiores e o perímetro do atol, com sua margem formada por recifes, ficam emersas.
Apesar de conhecido desde os primeiros anos de nossa colonização no século XVI, o Atol só foi mapeado 250 anos depois. Mesmo com os mares profundos à volta, era um local perigoso para a navegação, tendo lá sido construído um primeiro farol em meados do século XIX. O atual é o quinto, edificado um século depois.
A ilha onde ele fica é obviamente chamada de Ilha do Farol. Os muitos náufragos e faroleiros mortos e enterrados na outra ilha fizeram com que ela se chamasse Ilha do Cemitério. São muito pequenas, com um pouco além de 3 hectares cada.
O Atol das Rocas tem em si uma limitada biodiversidade, devido ao solo naturalmente pobre, à pequena variedade vegetal, ao mar relativamente estéril (como são aliás os mares tropicais) e ao ambiente por demais luminoso e salino.
Entretanto, constitui um oásis de vida marinha, fundamental na sua reprodução, dispersão e colonização. Existem lá cerca de 150 espécies de peixes (sendo duas endêmicas), além de esponjas, crustáceos, quelônios, golfinhos e baleias.
Junto com Fernando de Noronha, é a área mais importante do Brasil para a reprodução de aves marinhas. Há pássaros que lá se acasalam, que lá se alimentam ou simplesmente pousam. São respectivamente os casos dos atobás e viuvinhas, das fragatas, e das garças e maçaricos. Estes últimos costumam migrar de grandes distâncias (de até 5 mil km), fugindo dos rigores do norte.
É esta reserva que concentra a maior colônia de aves marinhas tropicais do país, habitada ou visitada por pelo menos 150 mil pássaros de dezenas de diferentes espécies.
Mais de dez anos após sua criação, a reserva começou a ser implementada, com a presença permanente da primeira equipe de fiscalização. Uma moça então com 25 anos tornou-se quatro anos depois a chefe local e está lá até hoje, quase trinta anos passados. Seu nome é Maurizélia de Brito, mas ele prefere ser chamada de Zélia.
Ela conta sua história (que editei levemente): Assumi a chefia em 1995 e nunca mais saí. Nossa primeira base era um acampamento. Vivemos por três anos em barracas, sem contato com o continente. Debaixo de muito sol, muito sal, tomando bicadas das aves. Era um isolamento total. Era pesado, porque era desconhecido. A gente comia ao pôr do sol e depois era um breu. Com um monte de rato, barata, escorpião. Passei frio, fome. Mas para mim o isolamento era tudo. Viver com bicho, conversar com bicho, vendo aquele tanto de tubarão… Quando cheguei lá, soube que nunca mais seria uma pessoa comum. Quando a maré baixava, eu escolhia um local e ficava parada, sozinha, por horas. Aos poucos, fui entendendo o atol.
O Atol sempre foi local de pesca e visitação, com a presença de até uma dezena de barcos pesqueiros. Zélia subia no farol para vê-los, até que decidiu se transformar na xerife do mar. Passou a desarmar as redes de pesca no mar, a simular pelo rádio a aproximação da Marinha para afugentar os barcos intrusos, a subir nas embarcações para enfrentar os pescadores armados. E até mesmo a ameaçá-los, pois tinha a Lei a seu favor.
Ela sabia que o Atol era um berçário de vida marinha, onde a maior parte da população era de fêmeas, que lá iam para se reproduzir. Os ventos e as correntes dispersavam aves e peixes, semeando de vida os ambientes próximos do Ceará, Rio Grande do Norte e Maranhão. O pescador não pode pescar no Atol, mas o Atol vai fornecer pescado para as áreas em que ele pode pescar, diz Maurizélia.
E, aos poucos, pelo seu esforço paciente e continuado e com a ajuda de ferramentas de rastreamento, a preciosa vida – que tantos anos de degradação tinham tornado escassa – voltou a se mostrar e multiplicar. A natureza do Atol recuperou sua abundância original. Hoje não sou mais xerife do mar. Agora sou só a Zélia. Fui xerife na hora que tinha de ser, ela conclui.
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1 comentário
Alberto sempre nos enriquecendo com seus brilhantes artigos.