É verdade que já havíamos saído cientes da possibilidade de mau tempo, mas ainda assim perseveramos no otimismo q besunta o trilheiro decidido. "Sol com muitas nuvens, pancadas de chuva à tarde e à noite." e "..nublado com possibilidade de chuva, e muitas nuvens com curtos períodos de sol com pequena chance de chuva a qualquer hora do dia.." anunciavam as nefastas previsões o dia anterior, desestimulando boa parte da galera q tava arrolada no balaio. Contudo, eu e a Priscila insistimos mesmo assim dar continuidade ao rolê. “Bem, se vai chover então saímos mais cedo, vamos até onde der e retornamos..”, pensei comigo mesmo. Não vai ser uma chuvinha q vai me mantêr em casa.
Após rodar um tiquim num busão quase q vazio, as 8:10hrs eu e a Pri saltamos no úmido asfalto da SP-122. A paisagem do entorno apresentava-se recoberta por um opaco brumado q impedia vistas mais largas, porém não chovia. Evitamos assim a tradicional entrada da “Trilha da Fumaça” e, do km 45, retrocedemos um tanto até encontrar o inicio da “Trilha dos Jipeiros” (ou do “Rio Vermelho” ou do “Lago Cristal”), q corre paralela á primeira. Fazia um bom tempo q não pisava aquela vereda, motivo pelo qual aproveitei o rolê pra sondar as condições da mesma. Já logo de cara reparei numa mudança: se antes havia entulho ou a carcaça dum veiculo, agora existem duas gdes manilhas barrando acesso de veículos em seu interior.
Uma vez na vereda nos pirulitamos planície adentro, tocando sempre por sul, em meio a muito charco, brejo, lama e poças fétidas, diluindo qq esperança de manter os pés secos. A trilha sonora deste início de caminhada é embalada pelo chapinhar constante das botas na água, quebrada somente pelo zunido eletrostático ao passar sob o par de linhas de torres de alta tensão q rasgam aquele trecho da região. A diferença da última vez q ali perambulei, reparo q a vereda está bem menos batida nalguns trechos, com bastante mato eventualmente invadindo a mesma, sinal da picada estar sendo bem raramente utilizada. Contudo, a rota não deve oferecer maior dificuldade pro andarilho costumeiro e com algum conhecimento de farejo de trilha, sendo q nossa única parada foi pra clicar reluzentes teias de aranha no meio do caminho.
O avanço é rápido, tranquilo e desimpedido, e após andar um tanto o terreno mostra sinais claro de erosão acentuada, da presença duma lama mais clara e da mata arbustiva aumentar de tamanho. Sinais de q estávamos enfim entrando na floresta. Cruzamos facilmente as manilhas do Rio Vermelho, emergimos no aberto apenas pra picada agora acompanhar as torres de alta tensão e enfim mergulhar de vez na mata fechada, agora descendo cautelosamente num chão repleto de limo escorregadio. Até q finalmente caímos num raso Rio da Solvay, as 9:10hr, curso d’água q começamos a acompanhar a princípio pela margem direita. Uma espessa neblina subitamente se debruça sobre os ombros do vale, conferindo-lhe um certo aspecto místico. “Bem, pela previsão so chove pela tarde. Então ainda temos tempo!”, pensei comigo ingenuamente.
Alternando ambas margens do pacato córrego alcançamos o Lago Cristal, ainda com o espesso brumado forrando a paisagem a nossa volta. Nossa esperança de ser os únicos naquele cafundó em meio aquele tempo desanimador diluiu-se qdo ouvimos vozes próximas. Foi ai q vimos q na enorme clareira ao lado do enorme piscinão havia três barracas montadas e, mais adiante e descendo ao sopé da primeira pequena queda após o poço, uma galera composta por volta de 20 jovens se empoleira numa rocha como se estivesse lanchando. Acenei cordialmente pro q parecia ser o “adulto” ou “guia responsável” e continuamos nossa pernada. “Caralho! Quem q traz essa molecada calçando All Star, totalmente despreparada, aqui num tempo destes?”, falei pra Pri.
Deixando a farofa pra trás, ao invés de seguir pela trilha fomos pelas pedras até dar no alto da primeira gde queda dali, a “Cachu dos Cristais” (ou “do Vale”), com a intenção de apreciar a paisagem descortinada a nossa frente. Claro q com o nevoeiro q pairava o único q vimos a nossa frente foi um véu opaco forrando td aquele quadrante. Pois bem, ao deixar aquele mirante rochoso pra retomar a picada este q vos fala derrapou numa pedra e, se não travasse com mãos e pés nas agarras próximas, teria simplesmente despencado cachu abaixo. Encharcado da cintura pra baixo e respirando aliviado do susto, pensei comigo mesmo q aquilo já era um sinal e q provavelmente a descida do rio estivesse seriamente comprometida.
Pois bem, como aquela cachu tecnicamente assinala a beira de planalto era a partir dali q oficialmente começava a descida de fato, pirambeira abaixo, ainda por trilha. Já logo de cara desviamos dum trecho vertical de rocha pelo mato, onde chafurdamos a bota até as canelas e onde pelo menos havia mais agarras e apoios (entenda-se troncos) pra não deslizar barranco abaixo. Novamente na picada bastou segui-la numa boa, com alguns lances de desescalada relativamente fáceis. Entretanto, o cuidado foi redobrado pois com a umidade depositada na vegetação – despencando feito chuva a cada rajada de vento – num piscar de olhos não apenas nos vimos ensopados como td a nossa volta parecia mais liso e escorregadio.
Ao chegar num trecho onde a declividade amansou, isto é, na foz do afluente do rio principal q dá acesso a Cachu Escondida, é q se abandona a trilha de chão firme e se passa a acompanhar o leito pedregoso do rio, a princípio pela margem esquerda. Foi ai q vimos q o ritmo da pernada não seria assim tão ágil conforme prevíamos; a umidade deixara as pedras e rochas lisas feito sabão, motivo pelo qual tateávamos três vezes o terreno antes de jogar td peso do corpo nele, tornando assim nosso avanço relativamente lento e moroso. As vezes encontrávamos breves trechos firmes de terra onde a pernada progredia mais, mas no geral soube reconhecer q nosso ritmo estava bem menos ágil q o previsto. Ainda assim, minha esperança era a de q o tempo obedecesse as previsões otimistas da meteorologia e facilitasse pra gente mais à frente.
Ledo engano, o tempo apenas tendia a apenas piorar. Não bastasse, uma chuva fina começava a realmente cair na hora em q alcançamos uma curva de rio onde é preciso contornar um enorme matacão. Minha teimosia fez com q ainda prosseguíssemos mais um pouco, desviando desse enorme rochedo e desescalaminhando a encosta de terra lisa até dar novamente as margens do almejado rio. Foi ai q, enxergando o panorama desolador a minha frente, q engoli meu último pingo de orgulho e entreguei os pontos. Uma serração alva e espessa cobria td a paisagem q generosamente se abre, não permitindo vislumbre sequer da continuidade do vale, outra vez íngreme, ou da sequência de quedas da Fumaça. Ao contrário, via apenas q a chuva engrossava, o volume de água aumentava e q naquele ritmo não chegaríamos a lugar algum. Sem equipo apropriado pra dar suporte, prosseguir seria suicídio ou, na melhor das hipóteses, uma noite forçada no mato. Prezando nossa segurança falei pra Pri dar meia volta e começar o retorno. Ela concordou pois entendeu q era a decisão mais sensata naquele momento.
Dali começamos a volta, inicialmente escalando com dificuldade o barranco de terra, onde dávamos um passo e retrocedíamos três devido a lama resvaladiça. Mas novamente no trecho nivelado do rio a subida do mesmo até q progrediu mais, embora num ritmo mais desacelerado q o habitual. Ensopados dos pés à cabeça e com algumas rafagas de vento circulando pelo vale, procurávamos nos manter em movimento pra nos manter aquecidos. Isso qdo não era a própria adrenalina q nos fazia esquecer da temperatura da água qdo havia q atravessar à outra margem do rio afundando até a altura da coxa.
Retornamos a entrada da Cachu Escondida (com seu véu alvo maior q o normal) onde respiramos aliviados por abandonar de vez o leito escorregadio do rio e, principalmente, pelo fato do mesmo se encontrar com um volume de água ainda passível de ser atravessado. A chuva persistia a cair qdo subimos novamente pela trilha encosta acima até chegar no patamar onde se encontrava aquela galera empoleirada na pedra. Sabíamos q ainda estavam por ali pela gritaria de vozes aqui e ali, mas tomamos outra picada q evitou contato visual com eles e nos deixou um nível acima da Cachu do Vale, já de cara no Lago Cristal.
Dali em diante o retorno se daria basicamente em nível e costurando ambas margens do Rio da Solvay, agora com um volume um tiquim maior de água cobrindo algumas rochas q antes afloradas a superfície. Foi durante essa volta relativamente tranquila q cruzamos com 3 pequenos grupos indo na direção do Lago Cristal, q são emblemáticos no quesito irresponsabilidade e falta de bom senso: o primeiro fazia parte do grupo da molecada rio abaixo e comentaram q alguém havia se acidentado por lá, mas q o socorro estava a caminho; o segundo era dum quinteto portando um “cooler” com cervejas e com dois integrantes totalmente embriagados; e o terceiro se resumia a um pequeno grupo q tinha inclusive improváveis três crianças (!?). “Meu, quem q traz menores aqui num tempo destes???”, comentei perplexo com a Pri.
Abandonamos em definitivo o rio – ainda sem trégua da chuva – e prosseguimos o restante do caminho, agora em meio a vereda totalmente tomada pela água e por onde literalmente escorria um “rio” nos trechos suavemente inclinados. Foi num deles q a Pri foi desescalaminhar um barranco e deslizou chão abaixo, pancada amortecida pelo “quinto apoio”, menos mal. “Vc laceou sua bota e testou bastão, mas por pouco fica sem tuas férias na Patagônia!”, falei pra ela. “Nem me fale”, responde ela, respirando aliviada. Foi ai q tropeçamos com o resgate do Samu, q levava a maca pra infeliz trilheira, onde trocamos rapidamente palavras com os socorristas e amigos da galera azarada, q tiritavam de frio. Era uma galera de Santo André q tava sendo guiada por alguém, e q uma de suas integrantes havia escorregado do alto duma queda e caído de costas nas pedras. Pelo q adiantaram parece q a coisa era séria. É, com mais esses dois evidentes sinais não era pra descer mesmo o rio, foi meu pensamento de consolo.
Nos despedimos desejando boa sorte pra eles e q não tivesse ocorrido nada grave com a companheira deles. Dali pra SP-122 foi um piscar de olhos, com a chuva indo e vindo naquele malfadado dia. Com tempo de sobra voltamos a pé mesmo, onde após um tempo abandonamos o asfalto e tocamos um atalho pela via de paralelepípedos q corta pelo Jd Encantado, onde de fato um aguaceiro despencou sobre nossas cabeça e nem a cueca (ou calcinha) saiu ilesa. E assim, após rasgar o Jd Novo Horizonte, caímos nos fundos da Igreja Matriz São Sebastião e da pista de skate, ja quase do lado da estação ferroviária. Fim de rolê as 13:30hr, onde nos enfurnamos num boteco, mudamos nossas vestes e ficamos ali, vendo a chuva cair de boa antes de voltar pra Sampa, enqto beliscávamos uma porção de carne e bebericávamos uma breja.
Nesse rolê foi possível atentar com mais clareza pra principal qualidade q deve possuir o praticante de qq atividade ao ar livre, seja ele novato ou profissa. O bom senso. Contudo, enqto o din-din, irresponsabilidade e inexperiência falar mais alto q o bom senso imbecis vão continuar se ferrando tanto no Himalaia como aqui mesmo, nos arredores de Paranapiacaba. Sim, a vista dos vales se afunilando e das várias quedas do Rio das Areias ficariam apenas na imaginação. Os banhos nas piscinas naturais q tanto almejávamos – e se limitaram apenas a da água vinda do céu – também ficaram pruma próxima ocasião. Mas raramente um dia perdido de trilha pareceu ter tanto significado e valor como aquele. E isso significa q ele não foi realmente tão “perdido” assim.