Dizia que era uma linha bonita, em que um córrego de água passava ao lado da via, do cume à base, pelos mais de 300 metros de parede. Mas acabava que conhecer a via ficava no ´deixa pra depois´, até porque, sempre que me topava com ele, vinha a ser no ultimo dia de trip por aquelas bandas, e ai nunca sobrava tempo de ir na tal via da água…
Segundo ele, esta água foi a grande salvação durante o verão, época ingrata em que conquistaram a via. Digo ingrata porque se tratando de verão em Cachoeiro, pode considerar um calor insuportável! A cidade se destaca no ranking como uma das mais quentes do ES.
Em companhia com sua esposa Valéria, realizaram várias investidas na Pedra da Concórdia para conquistar a via, e se refrescavam-se na água entre um grampo e outro. Durante a ultima investida, enquanto lá estavam no suor da grampeação da via, lá em baixo em um bar no vilarejo de Concórdia – que fica de cara pra via – os pinguços de plantão apostavam que eles não iriam conseguir chegar ao cume daquela parede. Para torcerem a língua (e perderem a aposta), ouviram lá do cume os tiros de morteiro soltos pelo casal. Quando os dois desceram e passaram pelo bar, foram parados e presenteados com o fruto da aposta: 10 cervejas! E por lá ficaram, um bom tempo narrando sobre a empreitada de conquistar a Pedra da Concórdia.
 ,Pois bem, o feriado de Corpus Christi estava desacreditado pelas bandas de Vitória, pois o tempo estava horrível: nublado e chuvoso. O feriado se passava e nada de escalada, até que na noite do sábado resolvi bater um telefonema para o Kinkas, e saber como estava o tempo por Cachoeiro de Itapemirim. Como nativo da região, confirmou bom tempo para o domingo. Booooa, pelo menos uma escaladinha no feriado, e desta vez na via tão falada.
As 5h do domingo partimos em quatro de Vitória: Sarah, Fred, André e eu. Geralmente o acesso a montanha na grande maioria das vezes vem a ser a parte mais perigosa da escalada, em se tratando de estrada e automóveis… e com Fred no volante a adrenalina vai a mil, pois com apenas 1:10h já havíamos percorrido os 130km que separa Vitória de Cachoeiro! Passamos na casa do Kinkas, o colocamos no carro e rumamos para a Cachoeira de Concórdia.
A estrada de terra que dá acesso a pedra termina em um terreiro que é quintal de duas casas, onde deixamos estacionado o carro, e pedimos autorização aos moradores para entrar em suas terras. Deste local dá para avistar perfeitamente a linha da via: a parede é toda coberta por bromélias, e em uma linha na parte central da parede existe um único ´caminho´ sem vegetação, que rasga de baixo em cima. É a única e perfeita linha: muito óbvia. E é possível observar também se a água esta escorrendo pela parede. Segundo Kinkas, em tempos atras os moradores disseram que a água era potável. Então, se quiser não levar o cantil parede acima, pode dar uma bicada nela com facilidade a partir da segunda enfiada, onde a via passa bem próximo a água.
A partir do quintal, subimos por uma estrada no cafezal e depois bem da reta da via, subimos e entramos na mata. Apesar de não ter uma trilha batida na mata, o percurso é óbvio: é só tocar na reta da via. Com uns 30min se faz esta aproximação a partir de onde se deixa o carro.
Dividimos o bando em duas cordadas: na frente fui com Sarah revezando na guiada, e na outra cordada vinha Fred guiando, com André e Kinkas na sequência. O dia estava bonito, céu limpo e ensolarado, com um clima fresco totalmente agradável para se escalar. Esta foi a prova, na prática, de que realmente estamos na temporada da escalada – principalmente para se fazer paredes -, pois escalar com sol em Cachoeiro geralmente é um martírio (como foi apresentado), e desta vez, o sol não incomodou em nada.
Com a rocha meio úmida, Sarah saiu guiando a primeira enfiada, que achamos ser a mais difícil da via, com lances técnicos em aderências e regletes (V+). Depois sai guiando a segunda enfiada, onde rola umas aderências (V) e tem que sair da linha da via para costurar um grampo bem na direita (é válido descosturar ele depois, para diminuir o atrito), e em uma barriguinha, se faz uso de dois cliffs para vencê-la e dominar a parada. Esta barriga dá pra mardar em livre, e deve dar algo na casa do 7º alguma coisa.
A terceira e quarta enfiadas são tranquilas (IV). A quarta com uma fartura de agarrões que até se fica na dúvida de quais usar. Depois a via volta-se a ter dois lances mais técnicos na quinta enfiada, em duas barriguinhas (V).
Nas duas ultimas enfiadas, realmente dá pra entender porque o nome da via tinha quer ser algo como H²O. Na sexta enfiada se passa em um lance onde já se começa a usar agarras onde a água ta passando. E a ultima enfiada, apesar de bem facil, é escalada boa parte dentro do córrego de água: nada de magnésio, é mão e sapata na água e toca pra cima que lá vem cume!
E para nossa surpresa o final da via termina em um… pasto! Andando uns 100m nesse pasto, é possível avistar o Frade e a Freira de um ângulo curioso e diferente do que estamos acostumados a ver nos cartões postais do ES.
Realmente o Kinkas estava certo em falar tão bem desta escalada. Uma via agradável e bonita de se fazer, e com esta particularidade do corrégo cortando a parede. Nestes três anos depois da conquista, a via havia recebido a pouco tempo sua primeira repetição, por escaladores de Iconha (ES), e agora estivemos lá fazendo sua segunda repetição. Espero que nos próximos três anos uma quantidade bem maior de escaladores passem por lá, porque a via é totalmente recomendada.
Deixo aqui meus parabéns ao Kinkas pela conquista desta via, e das outras várias pela região de Cachoeiro de Itapemirim, deixando belas linhas tradicionais para serem usufridas. Este figura conquistou muitas destas em solitário, e sempre usando o velho – e pra ele não ultrapassado – kichute. O sujeito diz que não usa sapatilha pq não se adaptou e que acabam deixando a escalada mais fácil. Cada um com seu cada um, né?! E nesta escalada ele nos apresentou seu novo equipamento: um tênis de futsal!
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