Al Abordaje: História de uma conquista

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“Al Abordaje” é como, em espanhol, gritavam os piratas quando invadiam navios mercantes. O nome condiz bem como foi o contexto da conquista realizada em Dezembro de 2010 por Sergio Tartari, Luciano Fiorenza e Jimmy Heredia no Pilar Casarotto, Cerro Fitz Roy, Patagônia argentina. Com cerca de mil metros de altura, 25 enfiadas, conquistada em estilo totalmente alpino, esta escalada é certamente parte da história do montanhismo brasileiro e argentino e a mais comprometedora via realizada na vida de Serginho, um dos mais experientes escaladores do Brasil. Veja como foi esta conquista.


Tartari, Jimmy e Luciano

A história desta via começou quando o escalador argentino Luciano Fiorenza, amigo de longa data de Sergio Tartari e grande freqüentador das paredes dos 3 Picos de Salinas, escalou o Fitz Roy pela face Oeste em 2009  e avistou uma linha ainda virgem na montanha.

Em 2010, Luciano veio ao Brasil e junto com Sergio Tartari abriram uma via no Cantagalo de Petrópolis, a “Galo Cambou”. Luciano bem motivado mostrou a foto para o amigo brasileiro e ficou incentivando Serginho para irem à Patagônia tentar a linha:

_ Vamos Sérgio, vai ser legal, uma super via, cheia de fissuras!

Ele convenceu Serginho e juntos foram para a Argentina. O sentimento, de acordo com Tartari era de humildade:

_ Escalar qualquer coisa na Patagônia já é difícil, você pensar em abrir uma via bastante longa, numa parede vertical é quase uma pretensão. A gente foi sem muita expectativa…

Vista para o Pilar Casaroto e o conjunto do Fitz

Eles convidaram um amigo para compor a cordada, Jimmy Heredia, que é um guia local e amigo de outros anos. Em três, a cordada seria mais segura e a logística seria mais apurada.

Luciano em dos trechos dificieis

Luciano e Sergio chegaram no começo de Dezembro em Chaltén, vindos de Bariloche, onde passaram o mês escalando. O tempo em Chaltén, no entanto, ficou ruim no mês inteiro…

O trio precisaria de uma janela de bom tempo, pelo menos três dias. O tempo foi passando, passando, passou o Natal e se vislumbrou, finalmente, uma oportunidade nos últimos dias do ano. A princípio, a janela pareceria ser boa, mas quando foi se aproximando a data, viu-se que o tempo bom não seria perfeito e o vento iria atrapalhar a escalada. Mesmo assim o trio resolveu ir.

_ Foi uma daquelas coisas que você faz não muito com racionalidade, mas muito com intuição. Disse Serginho em entrevista.

No primeiro dia eles conseguiram ganhar bastante altura, fazendo 10 enfiadas, indo bivacar em um platô que eles já deslumbravam desde baixo.

Luciano na conquista

No segundo dia, eles esperavam chegar ao final do pilar, ou pelo menos muito próximo, o que não aconteceu. A escalada ficou mais vertical e mais técnica. Surgiu alguma coisa em artificial, já que as fendas eram difíceis. O tempo também não ajudou, com muito frio. Com isso, tiveram que usar muita roupa, o que atrapalhou.

_ O segundo dia foi um pouquinho melhor que o primeiro. Havia mais sol e menos vento, embora ainda ventasse. No final do dia, no entanto, o tempo piorou bastante.

O trio encontrou um platô, aonde passaram a segunda noite. Com o tempo bem pior, já na décima oitava enfiada, eles acordaram mudos no terceiro dia. Não precisava dizer nada, na mente de todos a hipótese de descer falava alto. O rapel era temeroso, continuar, ainda pior. Mesmo assim, decidiram subir:

_ Não sei por que, nada racional. Poucas palavras e muita ação e acabamos seguindo. Relembra Tartari.

Neste dia eles chegaram no colo que dá acesso ao cume do Fitz Roy, e começaram a atravessar para o lado Leste do Pilar. A noite os pegou faltando uma enfiada para o topo do Casarotto. O tempo piorou consideravelmente, entrou um vendaval, mas por sorte, do outro lado do pilar, eles conseguiram se abrigar um pouco das fortes rajadas.

2/3 finais da via

Em um platô de gelo duro, eles visualizaram um lugar para pernoite. Depois de horas batendo o gelo para aplainar o terreno e sem comida, que já acabara, eles conseguiram deitar às 2 da madrugada. Mesmo protegidos, eles tiveram que bater a única chapeleta da via, para assegurar que o vento não os tirasse dali. Por sorte, o gás do fogareiro não tinha acabado e eles conseguiram se hidratar, derretendo o gelo.

Às 4 da manhã começou uma tormenta violenta que quase os arrancou do pequeno platô de gelo escorreguento. Eles agüentaram por algumas horas, até que, por milagre, o tempo mudou do inferno para o céu e o dia amanheceu ensolarado.

Tartari guiando trecho da via Al Abordaje

As cordas que estavam feitas arame de duro, por conta do gelo, puderam ser descongeladas. Os escaladores então prosseguiram até o topo do Pilar, onde encontraram a linha para rapel. Neste que foi o quarto dia na montanha, boa parte do tempo foi gasto para rapelar. Quando tudo parecia estar perto do fim, a corda enroscou e eles ainda perderam 40 metros de corda, dificultando ainda mais a descida. Sergio, Luciano e Jimmy só chegaram na base à noite e somente alcançaram a barraca, localizada no acampamento “Piedras Negras” nas primeiras horas do dia primeiro de janeiro de 2011.

_ Foi uma aventura inesquecível, a escalada mais comprometedora que realizei em toda minha vida. Afirma Sergio Tartari.

A via Al Abordaje ficará alguns anos à espera de alguém para repeti-la. Com 1000 metros de altura, 25 enfiadas e apenas uma chapa batida, que fica inclusive fora da linha de escalada, é uma via para poucos. Perguntado sobre o grau da via, Serginho deu a seguinte resposta:

_ Seria um 6b francês, um A2, A2+. São números isso e uma via destas vai muito além de números que você pode dar à ela. Ali na Patagônia o grau não quer dizer muito, são dados pra informar. Diferente de outros lugares onde o grau, o nível técnico dizem bastante, lá isso não condiz muito com a realidade que é a escalada.

Fotos: Sergio Tartari

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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