ALPINISMO: Novas tendências?

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Nos últimos dias, tenho visto afirmações em alguns sites da praça, que me deixam a pensar, e a pensar entristeço-me com o que se apregoa serem filosofias de escalada nas mais altas montanhas do planeta.

Até hoje, tive o privilégio de conhecer algumas dessas montanhas e a sorte de chegar ao cume de uma, do grupo das 14.

Na primeira tentativa que realizei a uma montanha com mais de 8000m, optei por uma via pouco concorrida, a “Britânica” na face sul do Shisha Pangma. Naquele campo base éramos apenas três equipas de início, no final da época surgiram duas mais.

No final da época, eu e o meu companheiro Paulo Roxo desaparecemos do campo base e deixamos de dar noticias por 4 dias. Recordo-me de que no regresso, cruzamo-nos com Carlos Tamayo (alpinista espanhol) que integrava uma equipa de 3 “maquinões espanhóis” (ele, Ferran Latorre e Juan Vallejo) que fizeram cume esse ano em muito bom estilo. Mal nos viu, perguntou-nos de imediato o que se tinha passado connosco. Tentaram localizar-nos na montanha com binóculos e preocuparam-se por não nos verem na vertente.

Tamayo mostrou-nos a sua preocupação, fazendo-nos saber que se tivéssemos demorado um pouco mais, ele e os seus companheiros sairiam à nossa procura. Se tal acontecesse, a atitude iria custar-lhes o cume.

No ano seguinte ascendi com sucesso o Cho Oyu, desta pela sua via normal. Peguei nas moedas que tinha juntado até então e fiz-me à montanha, sozinha desde a cota 0 em Portugal, até aos 8201m da “Deusa Turquesa”.

Pelo caminho, tive oportunidade de conhecer gente muito Humana, como por exemplo o Ivan Vallejo. Recordo a minha primeira noite no campo 1, com uma tenda minúscula onde conclui que nem espaço tinha para lá dentro cozinhar! À minha volta, todos estranhavam o porquê de tão pequeno abrigo…fruto da inexperiência! No segundo dia cruzei-me com Ivan, que ao ver o meu “bivaque de altitude” (como lhe chamaram), me convidou para dormir na sua tenda, bastante mais ampla e confortável. Após alguma hesitação, aceitei o convite e aquela noite terminou numa bonita amizade. Senti directamente na pele o espírito de entreajuda entre Alpinistas, ou melhor, entre Pessoas.

Nesta ultima expedição aos Gasherbrum´s, mais uma vez com o Paulo Roxo, tive a sorte de partilhar o campo base com dois grandes Alpinistas, Piotr Morawski e Peter Hamor. Digo dois grandes Alpinistas, porque os considero como duas grandes Pessoas. Para mim, no meu íntimo, as duas palavras andam associadas. Para se ser um grande Alpinista não basta subir montanhas complicadas. É absolutamente necessário ser-se HUMANO e estes dois são um exemplo do que isso é. Outros dos quais tenho conhecimento, são os que tentaram ajudar Iñaki Ochoa no Annapurna. Seguramente haverá outros tantos, que abdicaram dos seus sonhos para ajudar quem pelo caminho encontraram em apuros.

Recordo-me que no início da época, Piotr e Peter saíram do campo base preparados para uma enorme travessia e ao fim de um ou dois dias recebemos deles um SMS a dizer que estavam num ponto em que não se considerava a possibilidade de descida, pela complexidade da face que tinham até ali escalado. Nesse mesmo dia, informamo-los de que um alpinista francês tinha caído dentro de uma crevasse e que deveria estar morto. O seu companheiro estava já no campo base absolutamente devastado. O SMS que recebemos de imediato pedia mais pormenores e dizia que poderiam descer para ajudar…desde o tal sítio que tinham descrito como impossível de descer!

Considero um privilégio conhecer estes Alpinistas.

Mas também nesta expedição testemunhamos o reverso da medalha.

Vivemos de perto o drama da morte de Vlado Plulik no Broad Peak, em que esteve envolvido o alpinista…perdão, o Dodo Kopold.

Dodo e Vlado eram supostamente uma equipa, tal como eu e o Paulo, tal como o Piotr e o Peter.
No entanto, no Broad Peak, devido à diferença de nível (isto de uma forma simplista e resumida), acabaram por se separar na subida. Dodo era mais forte e decidiu avançar sozinho para cume. Vlado morreu em circunstâncias que só Dodo poderá um dia explicar.

Mas Vlado quase morria no Gasherbrum I, por uma situação semelhante. No dia de cume, Dodo separou-se de Vlado durante a subida, fez cume sozinho e resolveu descer deixando para trás o seu companheiro. Por sorte, dois italianos que estavam na montanha e tinham feito cume nesse dia, decidiram esperar por Vlado no Campo 3, forçando Dodo a esperar também, quando este se preparava já para descer para cotas inferiores (toda a história em http://www.k2climb.net/news.php?id=17977). Vlado apareceu muitas horas depois e bastante cansado. O facto é que se todos tivessem descido, provavelmente Vlado teria morrido no Gasherbrum I. Valeram-lhe os Alpinistas italianos Roby Piantoni e Marco Astori, que não o conhecendo, não o deixaram sozinho.

No Broad Peak, Vlado não teve a mesma sorte.

Agora a minha opinião pessoal: Quando Dodo se considera um “alpinista” muito bom, muito técnico, que faz isto e aquilo, para mim, é como se não tivesse feito absolutamente nada! Os cumes escalados desta forma, egoísta e desumana, não são cumes, são apenas pisadelas de um qualquer pedaço de neve que ali está.

Já com Piotr e Peter, em conversas de café no campo base, soubemos de histórias em que ambos chegaram a abdicar do cume porque havia um elemento mais fraco na equipa, que os atrasava. Mas como o verdadeiro espírito de equipa esteve sempre presente, nunca deixaram o companheiro para trás e preferiram abdicar do seu cume. Para além deste caso, sei que Piotr desistiu já de um 8000, para ajudar um alpinista que nem conhecia.

Mas o que me surpreende ainda mais é o espírito, as palavras que cada vez mais são ditas para justificar atitudes.

Dodo veio depois afirmar que a morte de Vlado, este tipo de acidentes, são “resultados inevitáveis de uma filosofia de escalada num estilo elegante”, caracterizando desta forma o estilo alpino!

Esta expressão não vive sozinha. Surgem outras frases que não encaixam na minha forma de viver o alpinismo. Há quem diga que no dia de cume deve haver um compromisso, que ninguém pode atrasar ninguém e que cada um deve depender de si mesmo. “Os que têm força e velocidade não devem esperar por ninguém”.

Mas nem todos pensam assim! Roby Piantoni e Marco Astori, também Alpinistas muito experientes afirmam ” Escalamos juntos e esperamos um pelo outro, especialmente em terreno perigoso, quando o trilho não está aberto, ou quando um de nós está mais cansado que o usual”.

Pego também nas palavras de Piotr Morawski, que afirma de uma forma muito clara “Ninguém deveria deixar o seu parceiro, em nenhuma situação”.

Ao ler determinadas afirmações, sinto primeiro uma enorme pena de quem as está a proferir, mas sinto mais pena ainda, daqueles que por um enorme azar da vida, os tomam como companheiros de expedição. Sinto pena dos que crêem que podem confiar no seu parceiro de aventura.

Logo depois, sinto-me privilegiada por conhecer Alpinistas como o Piotr, o Peter, e o Ivan Vallejo, que também nas grandes montanhas já esperou por companheiros abrandando o seu ritmo de ascensão.
Sinto ainda uma sorte enorme em ter como companheiro o Paulo Roxo. Juntos seguimos o lema uma vez expresso por uma Alpinista espanhola (Chus Lago) acerca do seu cordada:

“Se tus saltas, eu salto (uma crevasse). Se tu passas, eu passo. Se tu segues, eu sigo. Se tu desces, descemos os dois”. Isto é uma cordada, um lema de verdadeiro companheirismo.

Ao ler o que hoje em dia circula nos meios de comunicação relativos à actividade, receio que as pessoas escalem cada vez menos com este sentimento, com esta forma de estar, com este lema.

Querem fazer-nos crer que o abandono deste lema faz parte da evolução do alpinismo…será assim?

Pois então eu quero permanecer no passado.

O que penso?

Que quem profere certas palavras deveria escalar sozinho, porque há uma pergunta à qual não consigo responder: se de antemão sabem que não vão esperar pelos seus companheiros e se têm a consciência de que são mais fortes que eles…então porque os convidam a integrar as suas expedições?

Não deveriam efectuar apenas ascensões em solitário?

Não, não somos todos iguais nem devemos ser todos enfiados dentro do mesmo saco.

Para mim o ALPINISMO vai muito para além da auto-superação, é muito mais do que chegar ao cume. Passa pelo apreciar a morfologia da montanha, pelo conhecimento físico, mas acima de tudo, pelo percurso Humano que percorremos para chegar àquele pedaço de terra, que apenas por um acaso geológico é o ponto mais alto lá do sítio.

Gosto da partilha da ascensão com quem faço cordada, gosto de ficar a conhecer mais profundamente o meu cordada, o que faz com que me conheça mais a mim própria. Gosto de me cruzar com esses Alpinistas, essas Pessoas bonitas. Gosto de partilhar a beleza desses lugares inóspitos com essas Pessoas e gosto da dificuldade que a morfologia da montanha impõe na via que decido escolher.

Depois de tudo isto, gosto de chegar ao cume e regressar bem, sempre sempre acompanhada de quem escolhi e me escolheu para a aventura.

Para mim, este é o significado de ALPINISMO.

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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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