O primeiro rolê foi pro Morro do Cruzeiro, uma elevação próxima do centrão de São Roque que costuma ser visitada por peregrinos e turistas por conta duma cruz e uma imagem do santo padroeiro da cidade. Mas este atrativo se situa na metade do morro e é acessível por uma via asfaltada. O cume mesmo do morro é vencido da mesma forma que a Pedra Grande de Atibaia, ou seja, através pelo asfalto ou trilha. E claro que minha modesta idéia foi a segunda, me valendo duma oportuna vereda que nasce do contraforte sul da elevação. Pronto, esse era o plano da vez.
Ah, sim. E o meio de transporte desta trip foi igualmente tranquilo. Foi na base do conforto, comodidade e facilidade que se tem com um veículo a disposição. No caso, com a agradável cia da Carol, sua filhota Sophia e a elétrica Chiara, rasgamos a Rod. Raposo Tavares (SP-270) em direção a São Roque num pinote só. Lá chegamos por volta das 10hrs e deixamos o veículo nas redondezas da rodoviária, situada no centro, as margens da Rua Icaraí. São Roque é uma cidadezinha bem charmosa que transpira interior e modernidade ao mesmo tempo, com direito a um simpático córrego Carambeí, que acompanha boa parte da avenida principal.
Pois bem, dali seguimos a pé mesmo na direção oeste subindo as ladeiras do centrão, e após cruzar a Praça da Matriz já é possível avistar o Morro do Cruzeiro, nosso destino, elevando-se a nossa frente. Daí bastou descer ladeiras sucessivas, tomar a rua Sotero de Souza e depois tocar pela rua Santana até o final. Mas é somente quando se deixa o bairro residencial do Jd Marques, cruza a linha férrea da antiga EF Sorocabana e passa por um viaduto sob a Raposo Tavares que se adentra quase no sopé do morro, já no Jd Suíça Paulista e Altos do Goainã.
A via asfaltada agora atende pelo nome de Rua das Palmeiras e já logo no comecinho, numa curva, do lado direito há uma entrada de terra no que parece ser um terreno baldio. Pois bem, é dali que nasce a vereda morro acima. Na verdade, a vereda é recente e foi feita pra treinos de mountain bike, mas é igualmente utilizada por andarilhos dispostos a subir o morro na raça. Se por ventura nos mantivéssemos na via asfaltada até o final daríamos no alto do morro, pois este é o acesso dos bikers ao início (pra eles) da vereda pro seu downhill. No nosso caso, era um “uphill”…
O dia começa a esquentar sorrateiramente, o que nos obriga a descansar a sombra do arvoredo no início da trilha antes de subir o morro propriamente dito. Goles de água se somam a uma maçã e em coisa de poucos minutos damos início oficial á ascensão daquela simpática e simplória elevação.
Mochila nas costas e lá vamos nós, cortando na diagonal o primeiro trecho de encosta atraves do pasto. Aqui já tem uma enorme rampa de madeira, provavelmente o último obstáculo dos bikers, por sinal bastante nervoso, uma vez que do alto da plataforma dista mais de dois metros do solo.
A subida neste comecinho é no aberto, com sol castigando a cachola sem dó, e o trajeto vai costeando o morro, desviando suavemente da direção norte pra noroeste. A vereda alterna chão compacto com pedrinhas soltas, terra esfarelada e alguns trechos com pequenas rochas salientes do chão. O passo é lento e pausado, mas não devido a inclinação do trajeto e sim pelo calor escaldante que parece emanar do chão. Isso nos obrigou a nova parada assim que mergulhamos num trecho florestado, que nos brindou com sua refrescante sombra. Este processo se repetiu diversas ocasiões durante a subida.
Ao cruzar o supracitado bosque, foi com espanto que vimos o arvoredo a margem da via se mostrar decorado com colchões, devidamente amarrado nos troncos. É, são as gambearras pra “guard-rail” da galera biker pra servir de proteção pros adeptos da magrela não se estatelarem no caule durante a descida. Emergindo novamente nos descampados, agora aos ziguezagues, nossa rota passa a ladear um fundo e verdejante vale a nossa direita, onde belos exemplares do arvoredo local parecem amparados ora por rochedos ora por enormes cactos. Neste trecho reparamos que estamos na mesma cota do cruzeiro que dá nome ao morro, pois ele aparece bem próximo na encosta, ao norte. Da mesma forma surge a torre no alto, a oeste.
Após uma íngreme e escorregadia piramba adentramos outra vez na mata fechada, onde o caminho começa a ganhar altitude sinuosamente em meio a floresta. Num aparente retão a via parece se alargar, mas logo mais adiante ela se estreita novamente. Rampas de rocha e outros trechos escalonados se alternam com o chão batido, até que o caminho amansa e não há mais o que subir. Pronto, pouco depois do meio-dia abandonamos a mata pra pisar nos lajedos e aderências rochosas que dominam o amplo cume do Morro do Cruzeiro, a exatos 980m. O desnível é quase o mesmo do Morro Saboó, mas o calor infernal daquele dia que tornou mesmo aquela simplória subida pausada e demorada, com trocentos pit-stops no caminho.
O cume é tomado pelos já mencionados lajedos e rochas, cercado de capim e uma florestinha, onde há varias antenas de retransmissão e de telefonia. Na direção oeste, descendo por uma trilha, se chega num piscar de olhos ao alto duma enorme pedreira e algum visu generoso daquele quadrante. No topo há vestigios de fogueira, sinal que a galera costuma fazer animados luaus. Também pudera, a vista lá em cima contempla praticamente toda cidade de São Roque, o Morro do Saboó e vai até Mairinque, e de noite a vista estrelada deve ser realmente fantástica.
Após um demorado descanso a sombra duma arvorezinha de galhos retorcidos, um delicioso lanche que esfomeada Chiara não tirou os olhos, e até de um gostoso cochilo naquele início de tarde, começamos a descida. Isso pois o céu claro já começava a ser tomado por nuvens ameaçadoras. Cogitei descer pelo setor das pedreiras e esticar o percurso, mas vendo que a Sophia já demonstrava sinais de cansaço decidi voltar pelo mesmo caminho. Portanto fica a dica de descer pelas trilhas da pedreira e dar a volta pelo setor norte.
Claro que o retorno foi bem mais rápido que a subida, sem falar que não teve nenhum pit-stop. Nos finalmentes cortamos pelo pasto apenas pra conhecer o mirante do Cruzeiro, bater fotos com o santo padroeiro da cidade, São Roque e apenas constatar que a vista do alto do morro é muito mais interessante que a do mirante. No início da trilha nos regateamos com uma oportuna bica, situada no que parece ser uma minúscula praça dum colégio, que além de molhar nossa goela, refrescou nossos rostos e serviu de ducha pra pulguenta basset, que pastou bastante com o calor daquele inicio de tarde. Sim, o rolê teria seria perfeito se terminasse num rio ou cascata pra tchibum merecido pros andarilhos. Mas aí seria querer demais, não?
Dali retornamos pelos trilhos da E.F Sorocabana num breve trajeto de “ferro-trekking”, mas apenas até a simpática estação São Roque, que por sinal está muito bem conservada. Infelizmente o bar da estação não funciona mais como antes, nos tempos em que além do tradicional, disponibilizava os vinhos produzidos na região. E assim, após mais um descanso retornamos pelas ruas e avenidas até o centrão, passando pela Igreja Matriz e alcançar o veículo novamente, bem antes das 16hr. Uma rápida passada no mercado afim de abastecer o bucho (e o gogó) finalizou aquele breve e descompromissado rolê por São Roque. Desnecessário dizer que tanto a elétrica Chiara e a Sophia mal entraram no veículo e simplesmente desmaiaram no banco de trás. Simples assim.
Na segunda ocasião resolvi conhecer o setor nordeste da cidade, e pra isso me vali do transporte coletivopra chegar em São Roque. Aqui ou se vai na Barra Funda e toma um busão da Cometa que vai direto pra cidade, que custa os olhos da cara; ou se faz umas simples baldeações de trem/busão, mas a custo infinitamente reduzido. Eu fui pela segunda opção, claro. Pra isso saltei por volta das 9hr na estação Itapevi, pertencente a linha Diamante da CPTM e fui pro ponto de bus do lado de fora, na Estrada da Roselandia (SP-029), e tomei o latão azulzinho de letreiro “São Roque – via São João Novo”, da viação Piracicabana, cujos horários são bem regulares.
Pois bem, uma vez no busão a viagem leva cerca de 40 minutos e é curiosamente interessante, pois o trajeto se dá pela estrada que conecta Itapevi a São Roque, a SP-274, passando pelos antigos bairros de Amador Bueno, São Joao Novo e Mailasky. Noutras, segue em paralelo a antiga linha férrea da EF Sorocabana, hoje inativa. É bacana ver a mudança radical do cinza urbano pro verde rural, durante toda a viagem. So nos finalmentes ele toma a Raposo Tavares até o destino final.
Saltei na rodoviária da cidade as 10:30hr e toquei pela via principal, a Av. John Kenedy (que depois passa a se chamar Três de Maio) na direção norte atentando pra sinalização “Mata de Câmara/Capela Sto Antonio”. Entro na Estrada Mario de Andrade e nela me mantenho pelo menos mais de hora e meia, e isto se deve a que não há transporte público pra estas bandas. Carona? Bem que tentei mas nenhuma vivalma fez esse favor a este que vos fala. E lá me vejo chinelando a beira do asfalto, subindo suavemente em meio a muita mata em volta, que vez ou outra mostra a entrada dalgum sitio ou fazenda. As vezes as frestas da vegetação permitem visu de São Roque, cada vez mais pequenina a sudoeste.
Pouco depois de 3kms andados e depois da Mata de Câmara, me vejo no alto da serra onde uma torre da Sabesp parece coroar aquele topo amplo do serrote. Dali adentro no portal dum tal Planalto Verde – vasta área verde destinada a construção de chácaras residenciais cujas vielas tem nomes de flores – pra somente depois começar a descer pro outro lado da serra. A perda de altitude é inicialmente suave, mas depois embica que é uma beleza. No trajeto já se descortinam fundos vales a leste, salpicados de uma ou outra residência.
Cruzo pelo conjunto arquitetônico formado pela Capela Santo Antônio e a Casa Grande de Fernão Paes de Barros, que serviu de pouso aos antigos bandeirantes, posteriormente adquirido por Mario de Andrade afim de preservá-lo. Pra quem curte história e construções antigas é um atrativo interessante, pois as estruturas foram erguidas em 1681 e são de taipa e pilão. Não há objetos nem mobília do século 17, mas há um altar-mor folheado a ouro, altares laterais com baixos-relevos e pinturas no forro. Mas meu tempo é escasso pra visitas desse naipe e sigo em frente. No entanto, minha atenção é desviada ao passar pelo Córrego da Serra, no fundo do vale; o som de muita água caindo desperta meu interesse, mas a exploração deixo pra volta.
Mas a suave subida sgte o asfalta dá lugar ao chão batido e minha rota prossegue perdendo outra vez altitude, agora na direção norte, indo de encontro a outro vale adjascente, o do Rio Ibaté. Mas é somente após cruzar sob a linha de torres de alta tensão que começo ouvir o rugido das águas ao meu redor. No fundo deste novo vale a estrada se estreita e o jeito é ir se guiando não so pelo som do rio mas pelo bom senso. Tomo uma via menor, a esquerda, porém que acompanha a mata que protege o córrego, e dito e feito encontro uma picada que me leva as lajotas da margem dele.
Acompanho então o curso do rio pelas pedras em direção ao estrondo, que aumenta de tom cada vez mais, até que finalmente me deparo com uma bela queda que depois soube que se chamava do Macaco. Ali as águas do córrego Ibaté se somavam ás do córrego da Serra pra despencarem de lajes inclinadas pelo amontoado de pedras abaixo, e depois tocar sinuosamente pro norte, formar o Ribeirão do Colégio pra finalmente desaguar no Rio Tietê. Não, não há poço ou piscinão, mas no alto da queda existem bancos de areia que forma banheiras naturebas onde pude me refrescar naquele calor das quase 13hrs. Sim, o lugar me tomou mais de 8kms desde a cidade! A proximidade da estrada faz com que o lugar seja bastante frequentado, evidenciado por uma ou outra macumba nas pedras, mas felizmente naquele inicio de tarde me vejo desfrutando do lugar solitariamente.
Pois bem, após tchibum, lanche e um bom relax era hora de retornar, afinal o caminho era longo. Pra isso contornei a mata por outra trilha que, cruzando o rio por uma pinguela e um pastado, me levou imediatamente a estrada de chão, próximo das torres de alta tensão. E tome retomada de subida de serra com sol na cabeça batendo a milhão! Logicamente que na volta, quando cruzei pelo fundo de vale do Córrego da Serra, na altura da Capela Sto Antônio, abandonei o asfalto atrás daquele forte estrondo que ouvira na ida. Sem trilha, reparei o pasto abaixado num trecho que me deu esperança de ser a rota informal da galera.
Dali desci cautelosamente a encosta e, após um abrir avanço com as mãos nums arbustos, me deparo com uma pequena cascatinha desaguando num enorme poço no fundo do vale! E o melhor, sem macumbas nem ninguém. Na verdade o lugar era de localização bem discreta, embora houvesse um ou outro sinal de (baixa) visitação daquele lugar paradisíaco bem do lado da estrada! Claro, mais tchibum naquele que denominei “Poço da Capela”. Sim, pois afinal o piscinão era abastecido pela bacia as margens da Capela e so Sitio Sto Antonio..
Devidamente revigorado com aquele banho (e mais um breve relax) retomei minha chinelada pelo asfalto rumo São Roque, onde realmente não passou nenhuma condução publica e nem tive facilidade de carona como noutras ocasiões. Uma senhora a quem pedi infos no caminho corroborou isso pra mim. Cheguei na cidade pouco depois das 16hr, onde passei no mercado antes de refazer toda trajeto de condução de volta, no mundo dos sonhos.
Sim, foi uma jornada puxada, mas o que não tivera de cansaço ou tchibum refrescante no Morro do Cruzeiro ali neste outro tivera de sobra. Mas faz parte do pacote, embora creio que o rolê seja muito mais proveitoso se efetuado numa magrela. Fica então a dica de fuxicar os vales a nordeste e o do próprio Córrego do Colégio. Independente dessas conjecturas, os rolês do relato foram duas experiências radicalmente bem distintas e singulares, em todos os sentidos. Só mesmo assim pra saber ir além do óbvio e desfrutar plenamente o que a famosa “Terra do Vinho” tem a oferecer.