Comichão. ,
A cara…
negra pela poeira, transferida da parede de granito para o meu
corpo.Os pés, inchados pelo sol,
doem-me de forma atroz, apertados no interior dos pés-de-gato, demasiado
tempo calçados. Tudo coisas normais, após um longo dia de escalada na
Serra da Estrela… se já fosse o final do dia. Na verdade, ainda nem
sequer tínhamos conquistado os primeiros trinta metros, dos duzentos
metros propostos para a abertura de uma nova via na parede sul do
Cântaro Magro. Portanto, o dia prometia!
Dois instantes na
abertura do primeiro lance: “Ai os pés!”
Após longos meses de ausência a Daniela e eu
retornámos finalmente ao granito de alta qualidade dos Montes
Hermínios.
Esfomeados por novas
aventuras e sedentos de emoções, descemos animados a curiosa garganta
dos Mercadores, atracção Invernal irresistível e palco moderno para a
escalada desportiva, com vias equipadas em ambas margens rochosas da
garganta. Passámos o sector em direcção ao enorme muro soleado que nos
iria ocupar o resto do dia.
A
garganta dos Mercadores. A aproximação.
A face sul do Cântaro é uma parede maciça,
entrecortada por várias plataformas que ameaçam quebrar o ritmo da
escalada. Contudo, a estética da generalidade dos lances contrasta
inegavelmente com a aparente falta de continuidade.  ,
Pela sua morfologia, esta parede possui
características alpinas, , e a sua
escalada não defrauda o aventureiro disposto a consumir o produto,
liberto de certos preconceitos e de espírito aberto.
Depois de um primeiro lance muito mais difícil do
que a primeira vista parecia supor, embrenhámo-nos definitivamente na
ascensão, enfrentando as fissuras e diedros que se iam descobrindo a
cada passo. O segundo lance, pejado de ressaltos, desiludiu um pouco, ao
contrário das restantes tiradas, muito mais interessantes e
mantidas.
A
daniela a sair do segundo
lance.
lance.
De vez em quando a mão ia à escova de aço para
limpar as secções mais infestadas de musgo. Deste modo, os pés-de-gato
podiam de novo interceptar a rocha e realizar a sua principal função:
aderir.
A linha que inaugurávamos
com um entusiasmo reservado da minha parte (os meus pés continuavam a
torturar-me de forma inclemente), merecia uma limpeza razoável para
poder ser plenamente desfrutada. No entanto, na sua presente condição
encontrava-se perfeitamente escalável.
A Serra da Estrela, a nossa serrinha, continua a
encantar. O seu território mineral de exageradas proporções, oferece
desafios intermináveis, mesmo ao nível das grandes vias, capazes de
ocupar físico e mente durante toda uma jornada.
Covão do Ferro. Passado esquecido e futuro
prometedor…
Esta nova aventura culminou num diedro final,
lógico e difícil, rematado por um ultimo lance de saída, com ares de
trepada mas, que resolveu apresentar uma rasteira a meio… as
aparências iludem mesmo.
e lógico.
dificuldades.
Agora sim, a comichão incómoda nas costas, a cara
negra pela poeira de musgo e os pés… oh, os pés!… já não me doem de
forma atroz, porque as sapatilhas de escalada foram, finalmente,
atiradas para longe. Sensações agri-doces de alivio e prazer, após mais
um dia bem passado e com uma nova via bem traçada.
Agora a
via está mais limpa. A escova
humana!
Escalada terminada. Largas vistas sobre o
Covão da Ametade.
Poeira, musgo, comichão… um bom
dia.
As mãos, abandonaram o granito
áspero para agarrarem uma bem amada sandes, comida ao sabor da brisa
fresca.
Nos céus, um par de águias
aproveitavam as ultimas térmicas da tarde…
Opss, eu disse: águias?!
Paulo Roxo