Foram 392 dias de viagem, 72 mil quilômetros rodados, 19 países e cinco amigos em um carro 4×4 batizado carinhosamente de Tanajura. O quinteto deixou o Brasil em 3 de junho de 2012 com a missão de encarar um roteiro que passa pelo extremo sul e pelo extremo norte das Américas, chegando ao Alasca e voltando até Ushuaia, na Argentina, de carro. A partida e a chegada, em 29 de junho de 2013, foram na praça do relógio na Universidade de São Paulo (USP), onde se formaram.
André Rezende Teixeira Junior, de 30 anos, Gabriel Martim Jacintho Ribeiro, 27, Leonardo Fernandes Libório, 26, Gustavo Bertazzola Gracitelli, 25, Bruno Paulucci de Albuquerque Maranhão, 25, moravam juntos em uma república enquanto eram estudantes da USP e tinham o sonho de realizar um projeto. Mais do que vontade de viajar e conhecer outras culturas, eles pretendiam resolver uma questão muito mais profunda: a insatisfação profissional.
“Estávamos formados e em bons empregos, eu trabalhava no marketing de uma grande empresa de tecnologia, os demais eram do mercado financeiro, mas ninguém estava satisfeito com suas carreiras. Tivemos a ideia da viagem meio na brincadeira. Começou com a América do Sul, depois alguém falou: ‘vamos dirigir até o Alasca, será que não dá?´”, diz Gabriel.
Da ideia até o pé na estrada foram cerca de seis meses. Os amigos amadureceram o projeto, traçaram a rota, montaram um site, pediram patrocínio para a expedição, chamada de '4×1 Retrato das Américas', fizeram curso de primeiros socorros e se desligaram dos empregos. “Eu era o que mais tinha vontade de sair do meu emprego, queria buscar algo que gostasse de verdade”, afirma Gabriel, formado em administração.
O grupo rodou as Américas e, para isso, algumas regras foram estabelecidas: ninguém poderia dirigir a Tanajura a não ser um dos cinco, eles não dirigiam à noite, tudo era decidido em votação, e a premissa era dormir sem ter de pagar. “A ideia era acampar o máximo que desse, se não estivesse muito frio e houvesse segurança. A primeira coisa quando chegávamos em uma cidade era descobrir onde dormir. Os hotéis deixavam a gente acampar no estacionamento, pagar hospedagem era a última alternativa”, diz Gabriel.
A expedição demorou três meses até chegar ao Alasca. O trecho da Colômbia até os Estados Unidos, a Tanajura fez de navio, e os meninos de avião. Na viagem de volta, eles passaram pela América Central (Guatemala, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, etc), trecho que pularam na ida.
O local que mais impressionou os viajantes brasileiros foi o Alasca, pelo visual e pela fauna. “O lugar é incrível, superou nossas expectativas. Vimos urso pescando salmão como se fosse num documentário da TV e a aurora boreal é algo fora do comum.” Mas também foi neste continente gelado que os brasileiros desistiram pela primeira vez de dormir nas barracas. Na segunda noite no Parque Nacional Denali, com a temperatura na casa dos -9°C, eles tiveram de pedir abrigo em uma agência dos Correios com calefação para conseguir dormir.
Os amigos também enfrentaram outros apuros como em Cusco, no Peru, quando se perderam em uma estrada a caminho de um vale e começaram a passar mal por causa da altitude. No caminho, descobriram que uma ponte estava quebrada o que não permitia que eles seguissem a rota. Tiveram de abrir a barraca e acampar em uma espécie de deserto seco com temperatura de -1ºC.
O país que eles mais gostaram foi o México, onde passaram dois meses. “Conhecemos bastante o país, tinha um custo bom, alimentação boa, turismo estruturado, história conservada. Fomos super bem recebidos e foi onde o nosso lado latino-americano foi mais aflorado. Voltamos com um carinho especial pela América Latina.”
Nestes 392 dias de viagem, as brigas foram inúmeras, mas nenhuma que os fizesse pensar em desistir da aventura. “Tinha gente que falava que íamos perder a amizade. Ninguém tem noção de como é viver com cinco caras dentro de um carro. Todas as decisões individuais afetavam o grupo e tudo era colocado em votação, o bom é que nunca dava empate. Houve estresse, briga verbal, choro, pedido de desculpas, mas sempre predominava o amor.”
Neste tempo todo, o contato com a família era restrito. Em média uma vez por semana, eles falavam com os pais via telefone ou internet.
Com a expedição, os meninos tinham o objetivo principal de dar uma pausa em suas carreiras. Após o retorno, ninguém voltou para os empregos anteriores.
“Não éramos satisfeitos com nossos trabalhos e, durante a viagem, pessoas que conhecemos vinham desabafar e víamos a angústia profissional. Não sei se o que o fizemos é certo, claro que nem todo mundo tem essa possibilidade, mas as pessoas precisam se permitir a reflexão. Ficamos movidos pelo trabalho no dia a a dia e não pensamos em nós mesmos", diz Gabriel.
Gabriel mora com os pais em Recife e pensa em atuar no terceiro setor. Três dos outros meninos do grupo querem empreender e montar um negócio juntos.
Números da expedição:
– Gasto de R$ 60 mil por pessoa
– Menor temperatura encontrada foi 14 graus negativos; e a maior 42 graus
– 61 dias sem banho
– 215 dias ensolarados
– 175 noites dormidas em barracas
– 69% dos dias custou menos de R$ 10 para dormir