Foi meio tarde na minha vida que passei a me ligar nas montanhas e vou aqui relatar como aconteceu, a primeira vez é sempre inesquecível.
Estávamos em São Bento do Sapucaí, visitando o acampamento de férias Paiol Grande, onde meus filhos tinham ido algumas vezes. É um lugar muito bonito, com uma visão emocionante da Pedra do Baú, lá em cima, na crista do outro lado do vale. É impossível deixar de admirá-la e de ambicionar subir ao seu topo.

Minha Primeira Visão da Ana Chata (à Direita), São Bento Sapucaí, SP (Fonte – Divulgação).
Havia no acampamento um padre italiano, naturalmente bem falante. Ele nos disse ser impossível subir ao Baú sem corda, mesmo havendo uma escada ao longo de sua parede. Mas, sim, era viável conhecer aquela humilde pedra menor ao lado, chamava-se Ana Chata.
Ele me explicou detalhadamente como chegar lá e partimos de carro para a encosta oposta do vale, até chegarmos ao estacionamento que ele havia descrito, ao lado de uma porteira (sabe, acho que ela nunca mudou, naquela cor cinza e atemporal das madeiras velhas). Deixamos o carro e começamos a subir a rampa íngreme até uma matinha, onde tomamos à direita até chegarmos numa clareira.

Mapa da Região da Pedra do Baú, SP.
Era cedo, lá estava um casal deitado, com claros sinais de que tinham acabado de transar – e por que não cheguei um pouco antes? Meio a contragosto, o rapaz nos explicou como prosseguir e logo encontramos uma grande rocha no caminho. Havia uma estreita passagem, tive de rastejar por ela para atravessar a pedra. Minha companheira ficou atrás, apavorada com os morcegos.

A Pedra Ana Chata, São Bento do Sapucaí, SP.
Mas convenci-a a prosseguir e passamos por uma laje, chamada Pedra do Cavalinho, que nos pareceu assustadora, pois era debruçada sobre um abismo.
Por fim, paramos numa parede, que escalei com algum esforço, até encontrar uma fenda entre duas grandes rochas. Me espremi de lado por ela e foi maravilhoso de repente avistar todo o vale lá embaixo: as encostas verdejantes de um lado e a grande parede do Baú de outro. Era a minha recompensa, e foi inesquecível.

Nos Altos da Ana Chata com Baú ao Fundo, São Bento do Sapucaí, SP.
Esta experiência trouxe dois resultados: descobri que as montanhas fariam parte da minha vida e que deveria explicar aos outros como subi-las, da mesma forma como o padre fez comigo.
Até hoje, continuo pesquisando novas montanhas e escrevendo sobre elas, numa série chamada de Belas Pedras, que já descreveu mais de 50 diferentes vias.

A Natureza da Ana Chata, S. Bento Sapucaí, SP (Fonte – Divulgação).
Mas houve também outro resultado: durante anos, retornei à Ana Chata como uma forma de agradecimento. Claro que sua trilha se tornou comum, à medida que fui encontrando montanhas mais bonitas e de maior dificuldade.
Pior, o caminho foi sendo desfigurado ao longo dos anos. Naquela passagem estreita você nem mais precisa retirar a mochila e se agachar, pois pode passar em pé, e nos lances mais complicados há hoje horrendas e vergonhosas ferragens pintadas de amarelo.

Escalando na Ana Chata, SP (Fonte – Eliseu Frechou).
Claro que depois fiz as duas vias ferratas do Baú, mais longas e expostas. Mas a Ana Chata em si nunca ficou banal, sempre manteve essa mágica da primeira vez.