Após a bem sucedida viagem de pesquisa no Marrocos resolvemos passar 2 meses na Mongólia para desenvolver mais uma viagem para oferecer para o próximo ano. Mas, claro, esta era apenas uma das razões para vir aqui já que sonho com este país e principalmente com uma das mais remotas áreas do planeta que é a junção da Sibéria com a China e a Mongólia onde estão as montanhas Altai. Esta região é bem pouco visitada e é habitada não por mongóis e sim por Kasaks que emigraram para cá séculos atrás, mas que ainda mantém seus costumes e sua religião. Eles são muçulmanos ao contrário dos mongóis que são budistas apesar de que após 70 anos de comunismo a religião tem bem pouca importância na vida das pessoas por aqui.
Chegamos a Ulaan Baatar (Herói Vermelho) depois de mais um dos intermináveis vôos que fazemos de tempos em tempos: Fez (Marrocos) para Paris para Moscou para cá… Sete horas de fuso nos deixaram na cama rolando sem conseguir dormir a noite e bocejando o dia todo tentando não dormir para acertar o fuso. Enquanto isso caminhamos pela cidade que tem um núcleo arrumadinho ao estilo soviético com avenidas largas e grandes praças cercado de uma das mais horríveis periferias que já vi. Tivemos muita sorte em achar uma hostal delicioso de uma senhora budista com quartos limpos, amplos e agradáveis e que era uma delicia voltar para descansar. Mais uma vez tive de me conformar com a globalização e sentir que este lugar, pelo menos na capital, poderia ser qualquer outro no mundo. Entramos em um shopping center e lá estavam as grandes marcas, Dolce Gabana, Loui Voitton, etc. Os carros, na maioria são japoneses com grande proporção de SUVs 4×4. Todos os jovens vestidos na moda a la ocidental e a cada quadra um salão de beleza. Roupas tradicionais inexistentes.
Passamos alguns dias pela capital descansando, organizando um carro para nossa grande viagem pelo Gobi e visitando algumas coisas na cidade como o interessante Museu de História da Mongólia e assistimos a um excelente show de música, dança e canto folclóricos. Mas, após alguns dias estávamos prontos para ir em nossa aventura.
A dona do hostel nos indicou um senhor chamado Gambaa que tem um furgão russo de 7 assentos meio caindo aos pedaços (ou será que ele já saiu da fábrica deste jeito já que os soviéticos não eram famosos por se preocuparem com beleza ou conforto?) e lá nos fomos para um giro de 2000 km de estradas de terra rumo ao sul.
O Lonely Planet, o famoso guia que usamos com alguma freqüência para complementar o que pesquisamos na internet e com conversas com outros viajantes nos dizia que este loop era o melhor da Mongólia. Já nosso operador aqui, um sueco que vive por aqui há 31 anos nos disse que a Mongólia não é um país de visitar coisas e sim de viver e conviver e para isso não é necessário viajar muito. Mesmo assim, achamos que tínhamos de visitar o famoso Gobi.
Nunca em minha vida tive de usar tanto e ao limite o pensamento de que Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Nosso primeiro dia de 200 km nos tardou 7 horas de muitos buracos, pó, e deserto, mas não aquele deserto de cartão postal com dunas que se espalham até onde a vista alcança.
Este deserto aqui na Mongólia só ocupa 3% da área do Gobi, o restante é um grande planalto a mais ou menos 1500 metros de altitude de terra, pedras e mais nada. Aliás, esta foi a sensação que tive nesses dias todos, de estar cercado de nada por todos os lados, nada absoluto, nada por 360 graus. Na chegada o Lonely descrevia o lugar como um rochedo lindo se elevando no meio do deserto. Ele estava quase certo. Realmente era um rochedo se elevando no meio do deserto. A única coisa que faltou foi o lindo….Acampamos e lá passamos a noite. Isto é uma coisa bem interessante sobre o país. Tirando as cidades que apesar de abrigar metade da população são pouquíssimas, o restante do país não tem terra privada. Você acampa onde quiser, em qualquer lugar. Ulaan Baatar tem um milhão de habitantes, mas a segunda maior cidade do país tem menos de 50.000 e o país inteiro tem 2,5 milhões de habitantes para 1,5 milhões de quilômetros quadrados.
Quase 50% da população são nômades que vivem em gers como as yurtas (tendas nômades) são chamadas aqui. Como eles mudam de lugar 3 a 4 vezes ao ano, não têm nenhuma agricultura, não usam nenhum tempero e sua culinária se resume ao que seus animais podem lhes dar, carne de ovelha e leite que é tomado de uma séria de formas, sendo a mais popular o leite de égua fermentado e o leite com sal. A carne é servida com todas as partes, da cabeça às entranhas… e isso tudo fervido já que não tem óleo e não estão acostumados a fritar alimentos. Sabendo disso trouxemos alimentos de Ulaan Baatar e cozinhamos durante toda nossa viagem pelo Gobi.
Nosso segundo dia foi a repetição do primeiro e os próximos dias não muito diferentes também. Sete horas dentro do carro chacoalhando por estradas horríveis e chegando a lugares que não valiam o esforço de uma hora de viagem.
No quinto dia chegamos a uma garganta que se dizia que tinha gelo até metade do ano. Estava 40 graus e isso impedia que entrássemos em nossa barraca antes das 8 da noite quando começava a refrescar apesar de só escurecer as 10 da noite. Então, estávamos duvidando que fôssemos encontrar qualquer gelo nesta época do ano, mas mesmo assim caminhamos as 2 horas pela garganta, mais pelo prazer de estar em um lugar minimamente bonito do que pelo improvável gelo. Aliás, depois de tantas horas de carro, só poder andar já era um prazer. Mas, qual não foi nossa surpresa quando após uma curva, realmente encontramos uns 4 metros de gelo que tinham sobrado do longo inverno. Isso nos mostrou de maneira bastante clara o quanto este lugar é inóspito.
No verão são 40 ou mais graus (estamos ainda no começo do verão) e no inverno a temperatura cai para 40 negativos ou ainda menos. E apesar disso pessoas vivem aqui com pouquíssima água, praticamente zero de verde e o clima mais inclemente do planeta. Como o ser humano é adaptável…
Mas, tivemos um dia realmente lindo que foi a região das maiores dunas da Mongólia que neste lugar se entendem por dezenas de quilômetros e que chegam a ter mais de 200 metros de altura. Neste dia ficamos em um ger camp, empreendimentos turísticos com vários gers, um banheiro com um bem vindo chuveiro e um restaurante. Com o calor que estava era impossível pensar em acampar. Pelo menos dentro do ger que é razoavelmente grande e coberto de feltro feito de pelo de camelo a temperatura se não estava agradável pelo menos era habitável. Na manhã seguinte acordamos super cedo e subimos a mais alta das dunas enquanto a areia estava agradavelmente fria. O esforço foi enorme , pois a cada passo descia meio, mas depois de dura meia hora estava lá em cima vendo uma paisagem maravilhosa de dunas e mais dunas douradas na suave luz do nascer do sol.
A viagem de volta, por outra rota, também teve seu momento alto na visita do mais antigo e segundo mais importante monastério budista. Durante os anos duros do Stalinismo centenas de monastérios foram destruídos e milhares de monges assassinados ou mandados para campos de concentração na Sibéria. Este que visitamos milagrosamente escapou da destruição. Não só ele é muito bonito com um estilo arquitetônico chinês, mas quando chegamos lá um grande lama tibetano estava visitando e pudemos assistir a um lindo puja, ou cerimônia budista. Era estranho ouvir os mantras e ver os familiares movimentos das mãos dos monges, mas com tudo em mongol.
Nossa última parada foi em um monumento com 3 mapas mostrando o império mongol em 3 fases de sua história. O último nos dois séculos do apogeu do império de Gengis Khaan, de seu filho e seu neto mostra o maior império que a Terra já conheceu se espalhando da China a leste a Hungria a oeste a Sibéria a norte e ao Vietnã ao sul. Gengis Khaan visto como uma figura do mal no ocidente é o grande herói nacional, o grande modelo, o orgulho da nação. Ele conquistou e destruiu inúmeras nações, mas, eles dizem, criou leis, foi justo com os conquistados que se submeteram (e inclemente com os que não), foi tolerante com todas as religiões e justo.
No décimo dia chegamos de volta a Ulaan Baatar e agora estou tentando ver o que esta experiência dura me deixou. Não posso dizer que gostei, isso seria incorreto. Nem posso dizer que levaria meus clientes lá, não creio que o esforço valha a pena pelo que vi. Mas, também não posso dizer que estou arrependido de ter ido. Normalmente consideramos uma viagem bacana quando vemos coisas bonitas, mas nem sempre esta é o único ganho que temos em uma viagem. Andando por horas naquela paisagem desolada me questionei inúmeras vezes sobre como esses nômades sobrevivem em tão austero ambiente, como os animais conseguem nutrientes em uma terra tão mesquinha, como se orientam em um lugar sem referências, e como agora com televisão e vendo um outro mundo mais gentil do que o deles ainda assim seguem seu modo de vida tradicional. Claro que existe uma grande migração para a capital que incha mais e mais a cada ano, mas ainda existem algumas milhares de pessoas que seguem trilhando os áridos caminhos do deserto com suas cabras, ovelhas e camelos.
Mas, se a viagem pelo Gobi foi um pouco aventureira, aqui em Ulaan Baatar vivi uma aventura ainda maior. Uma peça de alumínio da minha mochila quebrou e sai pela cidade com a peça na mão sem falar uma palavra de mongol, sem conseguir ler nada em cirílico e perguntando com mímica onde poderia achar uma oficina que soldasse alumínio…parecia um louco mostrando a peça quebrada para transeuntes e fazendo gestos pouco compreensíveis. Apos andar por meia cidade finalmente cheguei a uma oficina de carros que não era mais do que uma portinha e a peça foi soldada…se era solda de alumínio ou não só saberei durante o próximo trek…
Agora vamos descansar um pouco de nossas andanças em um acampamento de gers a 50 quilômetros da capital no meio das montanhas, fazer caminhadas e pedalar um pouco e esperar o Eduardo, a Sueli e o Resende que virão conosco explorar as montanhas Altai.