Devidamente calçado pros inconvenientes do q é andar por trilho de trem, fui conferir esta dica apenas pra ter mais uma opção de pernada sussa a recomendar, q une o frescor de paisagens semi-selvagens com o charme histórico de vestígios do século passado.
No entra-e-sai de jovens recém-saídos da balada e tantos outros indo pra Fac. Brás Cubas, tomamos nosso mirrado desjejum numa van ao lado da Estação Estudantes, as 8:30. Lá estávamos eu, Fernando e Laureci, saboreando nosso pingado acompanhado de um salgado meia-boca prontos pra começar a andar, ao mesmo tempo em q um perueiro nos perguntava pela enésima vez se por acaso não íamos pra Bertioga. Deixamos a estação tomando rumo nordeste as 8:40, cruzamos a movimentada avenida após a rodoviária e logo ganhamos os trilhos, um pouco mais acima. O sábado amanhecera bem frio com algumas nuvens, mas o sol já raiava com força num céu azul anunciando um dia bastante quente e promissor.
Pela proximidade à urbe, este trecho inicial não tem maiores atrativos, limitando-se a uma reta interminável cercada de capim alto no meio de um brejo gigantesco, onde ainda podemos avistar vestígios do pólo industrial da cidade assim como construções habitacionais bem próximas. Mas conforme nos afastávamos de Mogi, já podíamos apreciar melhor o pouco de natureza q em volta insistia em não se deixar corromper pelo avanço do homem, ou seja, a cidade ao sopé da verdejante e abaulada Serra de Itapeti, espichando-se no mesmo sentido q a ferrovia até diluir-se em morros esparsos na baixada, sentido nordeste. Cruzamos tb o primeiro dos muitos pontilhões de madeira q se seguiriam no decorrer do dia, este aqui 3m sobre as águas já poluídas de um afluente do Rio Tietê, onde um par de jovens fuma alguma “coisa” limitando-se apenas a um breve aceno diante nossa passagem.
Uma hora após iniciada nossa jornada e cruzar uma rua movimentada, caímos na primeira estação do trajeto, a Est. Engº César de Souza, q se limitava a uma casinha no interior de uma propriedade particular, onde um segurança nos chamou a atenção de q não poderíamos permanecer ali por muito tempo. Esta estação marca, por assim dizer, o “alto da serra” embora a diferença de altitude no decorrer do dia seja imperceptível. A partir daqui em diante seria só “descida” até Guararema, cujo trecho inicial está repleto de restos de macumbas, animais mortos e lixo, mas q depois fica menos degradante e com vistas mais agradáveis.
6km após deixar a periferia de Mogi, nossa pernada prossegue de forma tranqüila e desimpedida, sempre cercados de mata alta, algumas florestinhas ou bordejando morros forrados de pasto (onde algumas vaquinhas nos espiam curiosas) porém sempre acompanhados à nossa esquerda por uma estradinha de terra (paralela à SP-066), ora próxima ou afastada. Cruzamos tb algumas poucas propriedades à beira dos trilhos, onde belos pomares de arvores frutíferas nos tentam a arriscar uma “invasãozinha” básica, pensamentos estes q se diluem ao som de estridentes e encorpados cães q denunciam nossa passagem.
As 10:40, já no distrito de Subaúna, a caminhada é no aberto através de um enorme descampadão de capim, onde o sol matinal parece castigar sem dó. Eventuais reflorestamentos de eucaliptos surgem em pequenos morrotes de ambos lados oferecendo sombra fresca, mas logo somem a seguir. Após a “Faz. 5 Pedras” ouvimos um apito ao longe ecoando entre a planície e morraria. Seria o trem? Nossa crença de q o dito cujo estivesse desativado naquele trecho foi pr´água abaixo qdo o mesmo passou pela gente, sentido Mogi, estremecendo o cascalho q nos envolvia. Depois soubemos q ele sobe além de Mogi pra buscar vagões repletos de carga e retornar no meio da tarde pra Votorantim, além de Guararema.
Outra constatação interessante era q por incrível q parecesse, a trip nao estava sendo tão penosa qto previsto inicialmente, o caminho é tão plano e tranqüilo, apesar da declividade imperceptível, q as pernas marcham através dos trilhos sem sentir demasiado cansaço. E embora minha experiência em trilhos seja mais desagradável noutras ocasiões, andar aqui é facilitado pois o cascalho praticamente preenche tds os vãos entre dormente e trilho, formando um chão quase plano e compacto, à diferença das linhas de Marsilac, Paranapiacaba, Marumbi ou Angra-Lidice, onde parece q se caminha por areia movediça.
Por volta das 11hrs a linha deixa o sentido nordeste pra fazer uma curva à leste, onde surgem algumas casinhas de estilo colonial q naturalmente outrora deram apoio à ferrovia, mas q hj servem de moradia. Mas logo depois tropeçamos numa enorme caixa d´água (q abastecia a maria-fumaça, na época) ate desembocar na Estação Sabaúna, as 11:30, onde paramos à sombra da charmosa casa, no pátio da estação. Sabaúna é um bairro rural mogiano q outrora teve tempos melhores e fora uma vila de casas de funcionários ferroviários q acabou se expandindo.
Funcionários como Seu Dorival, simpático tiozinho de 70 anos q mal nos viu chegar fez questão de abrir as portas da estação , – q agora abriga um museu q mantém a memória daqueles tempos áureos – e nos contar de particularidades da historia da EFCB, cheio de orgulho, como por exemplo a curiosa historia do “assalto ao trem pagador” local. Com 30 anos dedicados à ferrovia, Seu Dorival tem ate “homenagem” num quadro no centro da estação do qual foi modelo. O papo tava ótimo e se deixasse o tiozinho ficava a tarde td contando seus “causos”, mas precisávamos ir. Nos despedimos do simpático senhor, demos uma rápida olhada no museu e encostamos à sombra pra descansar um pouco.
Havíamos trazido nosso lanche e água necessários, mas como havia um botequinho ao lado não pensamos duas vezes em molhar a goela com uma breja gelada. Apenas uma, claro, pois se repetíssemos a dose provavelmente não chegaríamos ao nosso destino.
Ao meio-dia e pouco retomamos a pernada, nos lançando novamente nos trilhos sentido leste. Atravessamos a mirrada vila q orbita em torno da linha, da qual destaca-se a simpática praça central e a Igreja N. S. do Carmo. Ao deixar a “civilização” pudemos tb constatar o ruído de muita água borbulhando ao nosso lado e q a partir dali o Ribeirão Guararema seria nossa cia constante pelo resto da pernada, fosse de um lado ou do outro, q por sua vez seria transposto através de inúmeros pequenos pontilhões ate o final.
A linha então desvia outra vez pra nordeste e se espreme através de morros e pequenas florestinhas, eventualmente emergindo no aberto sob o sol causticante do inicio de tarde. No caminho, um marco q nos passou desapercebido marcava o limite dos municípios de Mogi e Guararema e, mais adiante, após serpentear novo morrote e mergulhar brevemente num trecho sombreado, desembocamos na 3ª estação do dia, a decrépita Estação Luis Carlos, as 13:40. Esta não passa de um casarão largo caindo aos pedaços e era a menos conservada de tds. Perto havia uma minúscula vila q se esparramava ao largo de uma estrada de terra, da qual destaca-se apenas a minúscula Capela São Lourenço, de traços jesuítas. Não ficamos nem um pouco ali pois o som eletrônico de um forró a td volume teimou em nos afugentar e ansiar novamente pelos sons mais relaxantes da mata.
Pé-no-trilho novamente, nossa jornada tem continuidade no mesmo compasso agora indo pro sul, sempre no aberto cortando campos e com a onipresente cia das águas do raso Rio Guararema ao nosso lado. Mas qdo nosso rumo muda pro leste e o calor do horário parece nos sufocar, nos presenteamos com uma pausa na sombra, as 13:50, sentados à beira dos trilhos. Mas eis q o descanso com direito a lanche foi interrompido por conta da passagem do trem, agora retornando de Mogi e q nos obrigou a uma breve corrida afim de nos prostrar num local seguro.
O trilho de ferro a partir de agora tende a nos levar pro norte ate seu estirão final, desta vez nos afastando em definitivo de td e qq estrada ou construção das proximidades, tornando esta parte da pernada em si a mais interessante. Já de inicio cruzamos o Guararema cuidadosamente por um pontilhão maior, onde o observamos rumorejar em pequenas cascatinhas ate despencar num fundo vale à nossa esquerda, enqto passamos a bordejar a encosta íngreme de um morro à direita. Mais adiante numa nova curva, o ruidoso som de água à direita insinua uma gde queda próxima. Saímos dos trilho e, por uma sinuosa picada em meio a um espesso bambuzal, em pouco tempo topamos numa bela cachu escondida na encosta direita da sequencia de morros palmilhada, as 14:40.
Se o horário não estivesse avançado e a sombra já não abraçasse o poço raso ao sopé da queda d´água, ate q teríamos arriscado um tchibum. Mas naquele horário, sem chance.
Ainda no mesmo compasso, ladeamos um ultimo gde morrote pela esquerda sempre acompanhando o agora pequeno e estreito vale do Guararema, q mais adiante parece se abrir em definitivo. Dito e feito, transposta a sequencia de morros q o rio serpenteava sinuosamente as vistas se ampliam e os horizontes se descortinam. Cruzamos então uma meia-dúzia de casas habitadas onde crianças brincam como antigamente, andamos sempre reto rasgando o campo e cercados de mato mais baixo, passamos por cima do ultimo pontilhão sobre o Rio Guararema , – pra alegria do Fernando, q tem horror à altura! – ate começar a contornar um enorme morro pela direita, q por sua vez já anuncia a entrada de Guararema, a cidade.
O número de casas aumenta consideravelmente e as 15:45 enfim alcançamos a bela e bem-conservada Estacão Guararema. Aproveitamos e andamos mais um pouquinho apenas pra apreciar a bela ponte de ferro da cidade, esta já sobre o gde e manso Rio Paraiba do Sul, onde muita gente arriscava pescar alguma coisa do alto.
Guararema (“pau d´alho”, em tupi-guarani) é uma cidade pequena q nasceu de um assentamento jesuíta e preserva alguns tesouros coloniais, principalmente igrejas, e tradições como a Festa do Divino, da qual já viam-se os preparativos pro mês sgte, alem da promessa de uma animada quermesse naquela mesma noite. Pois bem, em pouco tempo nos dirigimos à pracinha central, de onde destoa a bela Igreja N S da Escada onde nos informamos de busão pra Mogi, cujo pto era bem ao lado. Com tempo de sobra, ainda fomos numa lanchonete onde mandamos ver uma breja local (“A Outra”, bem ruinzinha) e mtos salgados a preço de banana. Na sequencia, enqto aguardávamos o busão conhecemos outra figura marcante da trip e q, tal qual Seu Dorival, tb tinha orgulho de seu oficio alem de tagarelar de montão com a Lau. Era um tiozinho de 80 anos q tocava gaita pelas ruas da cidade em troca de algumas moedas, auxiliado por bonecos confeccionados por ele mesmo e q tratava por nomes singulares, como Manoel Guarda-Chuva, Maria Bonita, etc..
As 17:30 tomamos o busao q nos deixou em Mogi meia hora depois. De lá em diante foi aquela via-crucis interminável já conhecida de trocentas outras ocasiões q nem vale a pena repetir, mas so sei q aportei em casa somente la pelas 21:30. Cansado da viagem, sem duvida, porem satisfeito pelo sábado diferenciado. E fica aqui a dica pra quem for se embrenhar nesses rincões e tiver mais tempo de procurar esticar além de Guararema, onde infos dão conta de vistas mais deslumbrantes assim como a presença de túneis majestosos. Pra nós, entretanto, aquela introdução à região já tava de bom tamanho. Quem sabe numa próxima ocasião… Pois só assim mesmo pra dar mais chances de prestigiar os arredores de nossa escassa e precária, porem valiosa e interessante malha ferroviária. Nem mesmo q seja andando por cima dela.
Fotos e texto de Jorge Soto
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