Após o Makalu, Waldemar Niclevicz planeja a aposentadoria

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Com incrível marca de sete montanhas acima 8 mil metros conquistadas no currículo, um dos mais importantes alpinistas do país fala no adeus e no futuro longe das grandes expedições

Pela primeira vez na história, a bandeira brasileira chegou ao cume do Makalu, a quinta maior montanha do mundo, com seus 8.463m de altitude. O crédito pelo feito, realizado no dia 11 de maio deste ano, é do paranaense Waldemar Niclevicz, uma das referências no Brasil quando o assunto é escalar o que há de mais difícil no planeta. Com a mais recente conquista, Niclevicz alcança a incrível marca de chegar ao cume de sua sétima montanha com mais de 8 mil metros. No mundo, existem 14 destas escaladas históricas, e poucos alpinistas conseguiram completar todas elas.

“Apenas 13 conseguiram escalar todas estas 14 montanhas. Temos que levar em conta que não temos tradição em escaladas no Brasil, e tudo o que eu fiz não foi para bater recordes ou por vaidade pessoal, mas sim por amor as montanhas”, declara Waldemar Niclevicz, em entrevista à Gazeta do Povo Online. Ao lado do também paranaense Irivan Burda e de uma expedição que contava ainda com outros oito alpinistas (dois colombianos, um equatoriano, um argentino, dois espanhóis, um alemão e um americano), o paranaense de 42 anos viveu momentos de extremos durante o período de dois meses entre a preparação e a conclusão da aventura.

“Viajamos para Katmandu, capital do Nepal, em uma época de muitos problemas políticos e econômicos. Todos os dias faltava luz e existiam diversos problemas de abastecimento, tanto de água, quanto de combustível. Além disso, com a turbulência criada após a vitória dos maoístas pelo poder no país, ficou difícil seguir para o Himalaia, onde fica o Makalu e também o Everest. Por conta da passagem da tocha por lá, o acesso foi controlado e a entrada de alpinistas do lado tibetano foi proibida, fosse por terra ou de helicóptero. Tivemos problemas para seguir ao primeiro acampamento, incluindo um acidente no pouso lá, e a nossa carga com equipamentos demorou a chegar”, conta Niclevicz.

Mesmo diante de tantos problemas burocráticos, Waldemar revela que o período que poderia representar um atraso da expedição serviu para que a fase de aclimatação, iniciada semanas antes em uma passagem pela Bolívia, fosse concluída em solo nepalês.

“Essa confusão toda até nos ajudou, porque houve um fluxo grande de alpinistas que migraram para o Makalu após a subida ao Everest ser proibida na mesma época. Quando chegamos, os caminhos já estavam abertos e muitas amarrações de cordas estavam prontas”, comenta. Associado ao tempo estável e a sua experiência, Niclevicz liderou a expedição até o cume em menos de duas semanas, superando inclusive um trauma: em 2007, “apenas” 600 metros separaram o paranaense do topo da mesma montanha, sobretudo por falta de condições climáticas.

“O nosso nível de ansiedade não foi tão intenso desta vez, por conta da experiência que já tínhamos. Conhecíamos a montanha, mesmo este trecho final, que é curto perto de tudo que já tínhamos passado, então neste aspecto foi tranqüilo”, frisou, sem esconder uma ponta de frustração por ter utilizado cilindros de oxigênio para alcançar o cume do Makalu. “Em razão do frio intenso, começamos a ter problemas, então, para não correr riscos desnecessários, nem desafiar os nossos próprios limites, decidimos usar. Desta maneira, chegamos bem”.

Aposentadoria acena logo adiante

De volta ao Brasil, Waldemar Niclevicz começa a definir os próximos passos da sua trajetória, que completa 20 anos em 2008. Experiente e com o nome já resguardado na história do alpinismo brasileiro, o paranaense agora se dedica às palestras, e já fala em aposentadoria, pelo menos das grandes expedições ao redor do mundo e da escalada profissional. E a data do adeus? “Daqui a uns dois ou três anos, após concluir o livro que estou preparando e que será um registro que quero deixar para as futuras gerações”, admite.

Neste trabalho, que deve repassar toda a carreira do alpinista, as imagens terão destaque especial. “Será um livro quase que exclusivamente fotográfico. Será bem completo, para você ter idéia, tenho mais de 40 mil cromos e slides em casa. Vou me aposentar com este livro, voltarei a ser amador, escalando montanhas mais simples dentro e fora do país”. Ao contrário do que o grande público possa pensar, não é o peso da idade que está chegando a Waldemar Niclevicz, mas sim a maturidade e um grande sonho ainda não realizado.

“Estava almoçando outro dia e uma moça chegou até mim, perguntando se eu era o Waldemar Niclevicz, e dentre outras coisas, se eu não era muito solitário. Achei engraçado a visão dela, e isso também conta sabe, estou com 42 anos, sou solteiro, nunca casei e também não tenho filhos. Ter uma família é um sonho, enquanto escalar o Everest 10 vezes não é. Tenho prazer no que faço, mas é muito sofrimento e pouco prazer, embora seja imenso. O impacto físico e emocional é devastador, você se afasta dos amigos e é difícil um relacionamento sobreviver a tantas viagens. Fui noivo, e posso dizer que a montanha custou isso na minha vida”, desabafa Niclevicz.

Enquanto parte em busca da sua “alma gêmea”, o paranaense promete não deixar totalmente as montanhas de lado. Segundo ele, este é justamente o segredo para não envelhecer. “É preciso continuar fazendo atividades físicas e esportivas, este é o necessário para não se sentir o peso da idade. Tenho um imenso prazer em escalar, correr, nadar, e faço estas coisas naturalmente. É como eu já ouvi ou li em algum lugar: ‘o homem começa a morrer quando deixa de sonhar’, e eu sou um grande sonhador”, finaliza o alpinista.

Futuro está nas montanhas, mas perto de casa

Além de livros e de constituir família, Waldemar Niclevicz também fala em outros projetos. Um deles conta com uma última expedição a locais que ainda não visitou. Nenhuma montanha de grande prestígio aos leigos, mas que podem representar a redenção final para o alpinista. “Vou ao Pamir (cordilheira que fica na Ásia) no ano que vem, é um buraco que ainda falta. No livro pretendo incluir a imagem do Mapa Mundi e colocar a bandeira brasileira em mais de 100 lugares que escalei, porém ainda faltam alguns. Além desta, pretendo visitar a América Central, porque existem algumas montanhas que ainda não escalei lá”, diz.

Outro projeto que promete movimentar a vida de Niclevicz daqui em diante será o Mundo Andino, no qual o paranaense percorre diversas localidades da América do Sul em busca de aventuras, não só escalando, mas também se integrando e conhecendo as comunidades locais. “Estou incentivando vários colegas, contudo ainda está difícil encontrar alpinistas de bom nível técnico, com paixão e disposição para me acompanhar nestas expedições menores. O Irivan, por exemplo, nem sempre pode se ausentar. Além do Mundo Andino, tenho a idéia de percorrer o Brasil atrás de montanhas aqui mesmo, e também desenvolver um trabalho junto as comunidades que vivem próximas a determinados picos, mas que não praticam ou conhecem o esporte”.

Matéria de Thiago de Araújo
Fonte: Gazeta do Povo

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Texto publicado pela própria redação do Portal.

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