Apresentação pessoal de Cissa Carvalho

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Vou me apresentar como a mais nova colunista do AltaMontanha através do objeto que mais marcou épocas e acontecimentos na minha vida: a geladeira.

Talvez o fato mais interessante da minha breve existência é que em 31 anos, já tive 7 geladeiras. 7 geladeiras, porque já mudei de cidade (e de país) 4 vezes, num período de 14 anos. Morei no interior dos Estados Unidos, voltei pra São Paulo, perambulei uns meses pela América do Sul, parei na Amazônia, voltei pra São Paulo. Já tive mais geladeiras que meus pais na vida de casados inteira deles, juntos.

Elas nunca duram mais que 2 ou 3 anos. Nasci em São Paulo, onde desde cedo, fui viciada em natureza, e principalmente em água. Fiz minha primeira trilha aos 8 anos. Na adolescência competi em natação, e a modalidade que eu mais gostava era, não por acaso, a de maratonas em águas abertas. Fui estudar e treinar fora. Tive minha primeira geladeira.

De volta à São Paulo, tive mais uma geladeira. Em janeiro de 2005, fiz o que considero minha primeira grande montanha, um sonho de criança, fruto de uma reportagem que li numa revista quando tinha 13 anos: o Monte Roraima, naquela época desconhecido da maioria dos brasileiros e ainda pouco visitado por gringos.

Me pareceu paixão – mas seria possível se apaixonar por uma montanha ou isso era coisa de gente muito fora da curva? Cansei daquela geladeira, vendi junto com toda a tralha do apartamento, e saí mochilando pela América do Sul, passando meses sem endereço – uma sensação que todos deveriam experimentar um dia. Coroei o fim da viagem com mais uma visita ao Roraima. O dinheiro quase acabou e acabei parando em Manaus apenas com a mochila e a roupa do corpo.

Fiz a vida por lá por 5 anos, período no qual tive 2 geladeiras, uma delas daquelas enormes bonitonas com filtro na porta. Mas ela não era suficiente pra me deixar feliz, e então deixei mais uma vez a geladeira pra trás, e voltei pra São Paulo pra estudar e tentar ser uma pessoa mais dentro da curva. Tive então ainda outra geladeira, num relacionamento que já dura mais de 2 anos.

Em todo esse tempo mergulhei em lugares lindos, saltei de asa delta, tentei andar de skate, tive outras geladeiras, fiz um monte de besteira, mas nada me tirou tanto do sério quando, depois de um período de hiato das montanhas, voltei com tudo a pouco mais de 1 ano e meio. Estive em praticamente todos os picos brasileiros mais conhecidos, e uns nem tanto. Fiz alta montanha na África e na América do Sul, e faz pouco menos de 1 ano comecei a escalar em rocha.

Em pouco tempo desenhei minhas preferências, que na verdade já estavam esboçadas quando escolhi ir pro Roraima: o isolamento, o inóspito, o desconhecido, e com suficiente treinamento e responsabilidade, a dificuldade técnica. Nesse meio conheci pessoas que parecem ser meu espelho, tamanha a empatia.

Nunca me senti tanto em "casa", ainda que o termo não designe um lugar físico, mas sim períodos de tempo, estados de espírito. Os picos nevados, por motivos óbvios, me lembram geladeiras. Geladeiras que não se movem, das quais eu não canso, e que eu posso visitar sempre que preciso ir pra casa.

Talvez eu tenha, finalmente, encontrado a geladeira pra ter pro resto da vida. Meu foco aqui será passar um pouco dessa minha ainda pequena experiência, cobrindo alguns aspectos técnicos, minhas pesquisas sobre lugares e escaladores desconhecidos, além de claro, meus relatos de escaladas. Boas (futuras) leituras!

 

 

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Sobre o autor

Nômade por acaso, Cissa Carvalho nasceu em São Paulo, já morou no Alabama e na Amazônia, e atualmente reside na capital Paulista até que os ventos novamente a levem pra algum destino inusitado do planeta. Trilha desde pequena e conheceu as montanhas com vinte e poucos anos, mochilou a América do Sul, andou pelas montanhas brasileiras e nos últimos anos tem se dedicado ao montanhismo de altitude, e mais recentemente à escalada em rocha. É bacharel em design gráfico e pós-graduada em design editorial.

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