Esse é um relato diferente dos que você tem encontrado nestas colunas. Não fala de montanhas ou travessias e sim de uma reserva ao longo do Araguaia. É o Parque do Cantão, situado na longínqua Ilha do Bananal.
O Araguaia: Este é um rio imenso, nasce na Serra do Caiapó, na divisa entre GO e MS, mas logo se afasta dela, fluindo rumo norte, para seu destino amazônico.
Divisa natural ente os Estados do Centro-Oeste, tem sua foz em Esperantina, na região chamada de Bico do Papagaio, um curioso triângulo agudo entre TO, PA e MA. As águas do Araguaia encontram as do Tocantins após 2.100 km de um curso normalmente lento e manso.
O Araguaia é (ou era) considerado um dos mais piscosos rios do mundo. A pesca predatória, a proliferação de botos vorazes e a construção da UH de Tucuruí estão mudando esta condição.
Há dez anos, suas águas baixaram a ponto de ser possível atravessá-lo a pé. No ano seguinte, chuvas torrenciais causaram inundações. O Araguaia pode ser navegado em grande parte de seu curso. Ele só é encachoeirado no começo e no fim. Em seu terço final, ocorrem inúmeras formações rochosas.
As águas são muito quentes para alguém acostumado com as temperaturas do Sudeste. E a radiação do calor chega a ser insuportável à tarde, variando de 30 a 38°C. Conheci 40% das vilas que existem às margens do Araguaia – praticamente em todos os locais em que estive, ele flui de forma um tanto desanimada. Ele é um rio bom de usar, mas não bonito de ver.
Seu maior point é Aruanã, pequena vila goiana que se multiplica no inverno, com suas praias lotadas de turistas acampados. Mas existe algo como 1.500 km de festa durante a estação, desde Goiás até o Pará. A visitação é concentrada no uso das praias de areias claras e limpas, no período seco de maio a outubro, em especial de junho a agosto.
O outro atrativo é a pesca, comercial ou esportiva. A temporada vai de maio a setembro. Há dois períodos preferidos, no final das chuvas (março ou abril) ou no seu início (outubro-novembro). Em ambos os casos, trata-se de uma janela, com duração de apenas uma ou duas semanas.
Mas não espere visuais ou surpresas nestas atividades, pois o Araguaia é sobretudo uma experiência contemplativa. Talvez seu mais belo momento seja na paz do pôr do sol, assistindo a revoada das aves e os cardumes de peixes, quando por um breve momento o tempo deixa de existir.
O Bananal: Desde o seu primeiro registro, a Ilha do Bananal foi palco de disputas entre índios e brancos. Lá foi criado um PN na totalidade dos seus 1.900 mil ha, que sucessivas revisões reduziram para 3/4 e depois 2/3 dela. Mas os índios voltaram a reivindicar novas áreas – e o Parque poderá ser diminuído para 180 mil ha, ou menos de 1/10 da ilha.
O Bananal é circundado pelo Araguaia a oeste no MT e seu braço Javaés a leste em TO. É gigantesco: 270 km de comprimento por 80 km de largura, a maior ilha fluvial do planeta. É habitado por duas principais etnias: carajás à esquerda e javaés à direita. Ambas têm relações difíceis com os demais índios fora da ilha, como caiapós e xavantes a oeste e ava-canoeiros a leste.
Os 3 mil carajás distribuem-se por cinco aldeias e os menos de 2 mil javaés, por oito delas (estimativas minhas). Há uma pequena população de Ava-Canoeiros isolados na mata do centro da ilha.
Já os Tapirapés foram forçados a se unirem aos demais índios e, frustrados pela miscigenação, começaram a matar seus recém-nascidos, para se auto dizimarem. Os Krahô-Kanela, que haviam sido trazidos para o Bananal, foram retirados após anos de permanência nada amistosa para local fora da ilha.
No meio de conflitos com o Governo e os fazendeiros, todo o gado de terceiros foi retirado da ilha e a rodovia que a atravessaria ficou inacabada. Hoje os índios voltaram a ser os donos absolutos do Bananal: todo o gado pertence a eles ou é criado em terras por eles arrendadas, toda a pesca ou roça é tocada por eles, todo acesso passa por eles.
E praticamente não há mais turismo no Bananal. As aldeias que conheci eram muito precárias. Os índios, que não quiseram compartilhar o território, ficaram com toda a pobreza para eles. Mas ao norte da ilha foi criada uma reserva onde a visitação tornou-se enfim possível: o Parque Estadual do Cantão.
O Cantão: O Parque ocupa a ponta delgada a norte, onde termina a Ilha do Bananal. Foi o primeiro parque do Tocantins, criado com 89 mil ha. É um triângulo afunilado, com 72 km de comprimento e 12 km de largura média. Fica a 260 km da capital Palmas por asfalto.
O PE é uma planície aluvial, com altitude entre 200 e 250m. Pertence ao curso médio do Araguaia. É limitada a oeste e leste pelos rios Araguaia e seu afluente Coco. Estes são rios largos, lentos, rasos e piscosos. O Cantão é considerada uma região de transição entre o Cerrado, o Pantanal e a Amazônia.
Assim como no Pantanal, aqui o ciclo das águas é muito importante, pois as chuvas de verão são torrenciais, causando inundações no período de abril a outubro. No período seco de maio a setembro, os rios enxugam e aparecem as praias fluviais de que o Araguaia é tão famoso.
Esse pulso sazonal explica as diferentes fisionomias da vegetação. Há duas dezenas de ilhas no Araguaia no trecho do Cantão. Sua vegetação de forma geral replica a da ilha principal, com arbustos chamados de saranzais, varjões e pequenas matas. Várias aves fazem seus ninhos na areia, atraindo carcarás, ariranhas e mesmo onças pintadas.
Os varjões são campos inundáveis recobertos por flores e capins, muito importantes na dieta dos peixes. Nas cheias, eles se transformam em prados de vegetação flutuante, repletos de cipós, gramíneas e arbustos. Neles ocorre a reprodução de inúmeras espécies, como as ciganas, as tartarugas e os jacarés.
As chamadas águas interiores incluem mais de 800 lagos, canais e furos, estes últimos comunicando rios e lagoas. Os lagos são os grandes berçários do Araguaia. As espécies de peixes incluem nos rios de fora o pirarucu, surubim e pacu – além do boto rosa. Nas águas de dentro, a corvina e o fidalgo. Há ainda grandes populações de tartarugas e jacarés.
Você encontrará dois tipos de florestas no Cantão. As inundáveis são chamadas de igapós e passam metade do ano inundadas e mesmo submersas. São as mais altas da região. Na cheia você só poderá chegar de barco, muitas vezes navegando ao nível das copas.
Na seca o extrato inferior mostra-se aberto, permitindo fácil trânsito dentro da mata. Devido a seu regime variável, as árvores têm tanto raízes terrestres como aéreas. Aves variadas como patos, garças e anhumas habitam as matas e praias. Vale lembrar a presença dos tuiuiús e colhereiros pernaltas e das ciganas, belas aves coloridas e ruminantes.
Mas a vegetação mais comum no Cantão é o cerrado semidecidual (quer dizer, com perda parcial de folhagem), que cresce nas áreas mais elevadas, chamadas de torrões. Estas matas são repletas nas partes baixas de gramíneas e trepadeiras, diferentemente dos igapós. Como seu alimento não é abundante, abrigam uma fauna pouco variada – ligada às árvores como os macacos ou às águas como as onças, ariranhas e capivaras.
A grande atração regional é o Rio Araguaia. A visitação no Cantão é concentrada no uso das praias no período seco, em especial de junho a agosto. Nelas são instalados bares, acampamentos e palcos provisórios. A visitação é facilitada pelos acessos rodoviários até Caseara (TO) e Barreira dos Campos (PA), havendo também balsa entre estas localidades. O outro atrativo é naturalmente a pesca.
A sede do PEC tem um amplo Centro de Visitantes, que pode ser acessado por terra ou pelo rio. Existem algumas trilhas de ecoturismo, variando no total de 3½ a 7½ km, circundando o Lago da Benta. O Lago Cega-Macaco pode ser percorrido por 5 km em canoa.
Outro trek passa por 5½ km de ida pelos Lagos do Meio e Rico, até chegar nas casas de dois moradores. É um trajeto bonito e sombreado, onde é possível notar a transição entre as vegetações de cerrado e amazônica. Esta é uma paisagem móvel, pois muda radicalmente dependendo da estação.
1 comentário
Pude descer o Araguaia remando, na década de 80. Desde então o rio definha ano a ano. A tal Ilha do Bananal acho que nem mais ilha é. Já quase não passa água no braço direito. Pobre Araguaia.