Arecibo, Alex e o Grande Silêncio

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Quanto mais se investiga o universo, mais estranho ele se mostra. Antigamente, acreditava-se que ele seria completamente percebido pela visão. Estudando os efeitos da gravitação dos corpos celestes, os físicos descobriram que ele é feito ¾ de matéria escura – assim chamada por ser invisível e incompreensível. Mas há outros fenômenos que, embora não alcançados pela luz visível, podem ainda assim ser detectados.

A luz é uma parte mínima da onda eletromagnética. Acima, a variação entre as ondas minúsculas dos raios gama e enormes do rádio.

O primeiro telescópio foi inventado no século XVII por Galileu. Na época, esses instrumentos tiveram um grande avanço, mudando suas lentes de divergentes para convergentes e aumentando de tamanho e de capacidade  – algo como 45 metros e ampliação de 100 vezes.

Mais tarde, foram criados os aparelhos refletores, a começar pelo primeiro modelo de Isaac Newton, técnica que permanece atual. O mais notável telescópio chama-se Hubble – não por seu tamanho, e sim por flutuar numa órbita baixa no espaço.

Existem corpos que giram em enormes frequências, como quasares e pulsares, que só podem ser conhecidos pelas ondas de rádio que emitem. Neste caso, os telescópios óticos seriam inúteis.

Foi por acaso que o ruído das ondas de rádio foi detectado – tratava-se da chamada radiação de fundo, nada menos do que o vestígio da criação do universo. Foi a partir do fim do século passado que os radiotelescópios foram desenvolvidos.

O radiotelescópio de Arecibo, suspenso sobre uma antiga cratera vulcânica.

O mais famoso deles foi construído na costa norte de Porto Rico e chamou-se Arecibo. Uma antena parabólica estacionária de 300 metros foi erguida em 1963 acima da cratera de um vulcão. Mais tarde, uma mensagem foi enviada a partir dele para o espaço profundo, um assunto ao qual voltarei.

A China construiu em 2016 um aparelho rival de abertura única com 500 metros, o maior de todos. Em 2020, os cabos de suspensão de Arecibo se romperam e o aparelho foi definitivamente desativado. Era um instrumento muito querido pela comunidade científica, ligado à audácia e à imaginação, quando a pesquisa espacial ainda era financiada por fundos públicos.

Um dos físicos mais populares do século XX foi Carl Sagan. Astrônomo e biólogo, foi um grande divulgador da ciência, na série televisiva Cosmos que criou. Ele e seu colega Francis Drake acreditavam na vida extraterrestre.

Drake chegou a criar uma equação para estimar o números de mundos no universo dotados de vida – porém, sua fórmula foi antes fruto da fantasia do que da matemática.

Os dois se juntaram ao SETI – Search for Extraterrestrial Intelligence, para pesquisar a existência de vida no cosmo. Em 1974, enviaram para o espaço uma mensagem cifrada à busca de uma resposta alienígena. O potente sinal foi enviado para a Constelação Hércules, a 25 mil anos-luz de distância.

Foram 1679 impulsos (esse número é o resultado da multiplicação de dois números primos, 23 e 73), que levaram três minutos para transmitir. Isto indicava que a mensagem seria bidimensional, contida numa matriz de 73 linhas por 23 colunas.

Representação das sete seções da mensagem de Arecibo, dispostas verticalmente. A hélice do DNA e o esquema do telescópio são as maiores figuras.

O conteúdo dessa mensagem me pareceu ambicioso, representado numa notação binária de computador. Assim como o sistema decimal é baseado em potências de 10, o binário deriva de potências de 2.

Ao invés de usar os dez algarismos de 0 a 9, utiliza apenas dois, 0 e 1. Como exemplo, o número 4 é representado por 100, ou 1×2² + 0x2¹ + 0x2⁰. O número 30 seria 11110, ou 1×2⁴ + 1×2³ + 1×2² + 0x2¹ + 0x2⁰.

Repare apenas esses dois algarismos serão capazes de representar todos os numerais – eles podem ser entendidos como diferentes estados de sim e não, aceso e apagado, verdadeiro e falso, tudo e nada.

O sistema binário é econômico no uso de apenas dois dígitos e extenso na notação dos numerais. Prece estranho por não ser familiar. Veja que o ano de 2021 quando escrevo é escrito como 111111001.

A mensagem de Arecibo continha sete seções, começando pelo código binário dos algarismos de 1 a 10 e dos quatro elementos químicos fundamentais. Continuava pelas representações da hélice do DNA, do formato do ser humano, do esquema do sistema solar e do aparelho emissor de Arecibo.

Era possível saber o desenho dos humanos, a altura média de 1,76 m de um homem normal e a população da época de 4 bilhões. Parte dessas informações eram antes visuais do que binárias – a hélice, o homem, o telescópio.

A meu ver, esta foi uma iniciativa um tanto ingênua, parecida com a mensagem dentro de uma garrafa lançada ao mar, que só nos contos de ficção era encontrada pela pessoa certa em alguma praia deserta do mundo. E ficou anos sem resposta.

Acontecimentos surpreendentes acontecerem em 2000-01 na Inglaterra, próximo ao observatório de rádio de Chilbolton, em Hampshire.

O campo agrícola à sua volta teve o talo das plantas rebaixado, amassado ou retorcido, formando um retângulo similar ao desenho da mensagem de Arecibo. Essa alteração foi toda ela feita durante a noite, de uma forma impossível de ser simulada por humanos.

A mensagem de 2001 de Chilbolton, considerada uma resposta à de Arecibo. A hélice é tripla e a figura final é muito complexa.

Se isto foi uma mensagem alienígena, então esta civilização teria o mesmo sistema binário nosso, cinco elementos químicos fundamentais (com adição do silício), uma hélice tripla de DNA (e não dupla) e um sistema solar também de nove planetas, porém com ênfase no 4º e 5º e não no 3º, como é o caso da Terra. Os extraterrestres teriam o tradicional cérebro enorme e corpo atrofiado, mediriam apenas 1 metro e seriam 21 bilhões de seres.

Entretanto, no ano anterior, já havia aparecido um desenho vegetal, bonito e complexo, próximo a Chilbolton. Ele foi decifrado como representando seja a instalação de onde foi enviada a resposta ou mesmo o sistema planetário ao qual ela pertence.

O desenho de 2000 no campo de Chilbolton. Figuras semelhantes em outros campos foram encontradas ao longo dos anos. Algumas foram provadas fraudes.

Note que a aparição súbita de desenhos vegetais como este já tinha ocorrido em várias outras ocasiões no planeta. Que eu saiba, esse enigma nunca foi resolvido ou contestado.

E, aparentemente, nunca foi repetido, os alienígenas devem ter se desinteressado de um povo atrasado como o nosso. Entrementes, o instituto SETI continua ativo como uma ONG, hoje com uma centena de cientistas afiliados.

Os papagaios falam, ou seja, são capazes de vocalizar, inclusive e principalmente entre si. Eles têm um órgão no peito que funciona como uma laringe. Esta contém nossas cordas vocais e é a responsável pela fala humana.

No caso deles, é o avanço ou recuo de suas longas línguas que produz o som. Além disso, eles praticam pequenos intervalos audíveis entre sons, que são característicos de cada ave e que compõem uma espécie de dialeto.

Nem todos os papagaios são falantes. Entre estes, o mais notável é o Amazona Aestiva, por ser mais inteligente, falar mais e ter vida mais longa.

O estudo de sua genética mostrou que ele tem conexões neurais duplicadas ligadas à fala, apresenta modificações que retardam o envelhecimento e possui genes que permitem o maior crescimento do cérebro e da cognição. O pesquisador Cláudio Mello diz que o papagaio está para as demais aves assim como o ser humano está para os primatas.

O papagaio verdadeiro (Amazona Aestiva) é considerado o mais inteligente e longevo da espécie, sendo também especialmente falante.

Entre as aves, os papagaios se distinguem por conexões neurais robustas, que lhes permitem desenvolver a memória e o aprendizado.

Os pesquisadores dizem que sua inteligência é superior à dos chipanzés ou golfinhos e equivalente ao de uma criança de dois anos. Penso que isto está ligado ao fato de serem aves sociais, que dependem da interação de grupo para aprenderem.

Irene Pepperberg é uma cientista norte-americana que, desde criança, conviveu com papagaios. Ela se pós-graduou nas melhores universidades do país e participou a seguir de aulas, palestras e pesquisas em meia dúzia de universidades.

Embora formada em química, ela desenvolveu competências em psicologia, biologia evolutiva, ecologia e neurociência. Uma mulher esbelta e falante, autora de um trabalho brilhante sobre a linguagem e a inteligência animal.

Durante trinta anos, Pepperberg trabalhou como tutora de Alex, um papagaio cinzento africano. Ela usou uma técnica chamada modelo/rival, com ajuda de uma outra pessoa, que poderia acertar ou errar os comandos fornecidos, sendo então premiada ou punida.

Alex aprendia ao observar esta auxiliar – e tornou-se capaz de distinguir formas, cores, quantidades e materiais, bem como de nomear e contar. Surpreendentemente, conhecia o significado e a relação entre as palavras. Alex não meramente repetia, ele entendia – inteligência, não imitação.

Irene Pepperberg e Alex (1976-2007), uma parceria de três décadas.

É impressionante o momento quando Alex alcançou de forma espontânea o conceito de nulidade (ou seja, a quantidade nula ou zero). Foram os hindus que criaram o conceito de zero ou vazio, mas seu símbolo só surgiu no século VI.

Alex foi também capaz de intuitivamente soletrar palavras pequenas. Sua morte prematura ocorreu em 2007, mas Peppereberg continuou trabalhando com muitos papagaios. Outros trabalhos com corvos e pombos mostraram o mundo desconhecido e admirável da inteligência animal.

O escritor de ficção científica Ted Chiang comparou o incrível aparato da mensagem de Arecibo para detectar a vida além da Terra com a existência próxima dos papagaios nas selvas de Porto Rico.

Esses cientistas, tão curiosos em relação aos sons do espaço, foram entretanto surdos para os sons da vida inteligente à sua volta. Um dia, esses pássaros estarão extintos – por isso, Chiang chama seu conto de O Grande Silêncio. Vão sendo emudecidas as vozes dos animais, dos índios, dos pobres, dos loucos e dos poucos.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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