Muito tempo atrás, eu subia no verão amazônico um rio difícil, quando avistei as cabeças curiosas e os longos pescoços de um grupo de ariranhas. Navegando em nossa direção, elas nos miravam alertas, assustadas e mesmo ferozes. E começaram a gritar – com o tempo, tornou-se um insuportável alarido. Pareciam nos perseguir, quem sabe queriam nos expulsar daquelas águas.
Pensei como eram diferentes das araras, com seu belo e alegre colorido. Elas nos sobrevoavam em grandes curvas, entre as duas margens, aparecendo e sumindo no alto das copas das árvores. Era como se nos dessem as boas vindas, uma saudação ao sol que aparecia naquela tarde depois da chuva.
E agora volto a escutar o apelo de uma ariranha. Não estou mais embarcado, pois me abrigo num acampamento de selva. E também a ariranha não faz parte de um grupo – ao contrário, está sozinha e seu grito é dolorido, um lamento de quem pede socorro. Um filhote desgarrado de sua prole, que cruza o rio na sua busca.
E ela consegue vencer a ágil correnteza de ondas brancas e enfim alcança a nossa margem. Corre pela orla do rio e penetra na mata para encontrar sua família.
É um lugar estranho onde estou. Havia no começo do rio uma população ribeirinha, com suas casas precárias e suas pequenas roças, como se fosse uma ocupação improvisada. À medida que subimos o rio, fui gradualmente notando casas abandonadas, clareiras vazias, poucos e cada vez menos moradores.
Eles quase nada penetram na mata – percebo que, no fundo das suas posses, a floresta parece retomar o seu domínio e se fechar sob a sombra espessa. Não entendo este abandono, sempre achei que o homem cobiçasse a terra como sua.
Mas não é tão inocente este abandono: certamente as árvores de cerne foram cortadas e os animais valiosos foram caçados, antes que esses sertanejos fossem embora.
No dia seguinte, encontro um esplêndido angelim ao atravessar a floresta. Seu tronco grosso e sinuoso sustenta uma altura imensa e uma copa distante, numa existência que talvez se tenha estendido por séculos. Imagino como essa árvore tão forte será uma vítima tão indefesa frente ao primeiro lenhador que a encontrar.
Pois este foi o destino das madeiras nobres que o antecederam – os jacarandás, os mognos, os cedros e ipês extintos ou escassos, tragados pelo incessante consumo das cidades prósperas.
E é inútil plantá-las, sua maturação exigiria várias gerações humanas – nem a paciência nem a economia permitiriam que fosse viável. Então, você só as verá no futuro nas reservas naturais, como se fossem espécies de museu.
Conversamos depois sobre os caçadores. Os que conheci me pareceram movidos mais pelo desejo da aventura do que pela vantagem do ganho ilícito.
Meus companheiros discordam. Falam de gente que furta aves da floresta por seu canto e peixes decorativos por sua beleza. Que abate animais por sua carne saborosa, suas penas coloridas ou suas peles preciosas.
No silêncio agora fresco da floresta, penso que esses homens que aleijam a floresta e chacinam os animais têm uma estranha necessidade de devorar a vida.