As rochas na escalada brasileira

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Atualmente deve ter aproximadamente 30 mil linhas de escalada em todo o Brasil, tendo como base o livro “A Escalada Brasileira” e publicações especializadas na Internet. Essas linhas foram abertas em diversos tipos de rochas, e sobre elas, dezenas de milhares de escaladores(as) e montanhistas passam boa parte da vida escalando e isso já deveria ser justificativa para um melhor conhecimento sobre as características das rochas. Não se trata apenas de adquirir cultura, tais informações podem ser úteis na escolha das melhores linhas de escalada e pode ajudar na avaliação dos riscos geológicos nos ambientes de montanha.
As regiões geológicas brasileiras que concentram linhas de escalada são muito antigas e estáveis, com rochas resistentes, e o clima nacional não é rigoroso. Esses fatores associados fazem a prática da escalada no País ser relativamente segura. O contrário ocorre nas montanhas de ambiente alpino. A ação do gelo quebra rochas resistentes, como o granito, e gera grandes quantidades de fragmentos soltos que caem das encostas periodicamente, ou são mobilizados por avalanches. No entanto, apesar
do risco menor no Brasil, grandes placas e blocos rochosos caem das montanhas brasileiras, a frequência é comparativamente baixa, mas depende da forma do relevo, do tipo de rocha, do ângulo das camadas ou bandas da rocha, da inclinação da vertente, da orientação em relação ao sol e do tipo de fraturamento.
No ambiente de montanha, para a escalada os fatores geológicos e geomorfológicos que importam são: se a rocha é resistente; a dureza para a fixação das ancoragens; forma de como a rocha se quebra (clivagem); e a estabilidade dos tipos de apoio para mãos e pés (agarras) encontrados nos diferentes tipos de rochas.

As diferentes formas de agarras associadas aos tipos de rochas

É preciso levar em conta que do total aproximado de 30 mil linhas de escalada, apenas 30% são vias conhecidas e escaladas periodicamente, os 70% restantes são vias desconhecidas ou que estão fora de uso por motivos como: linha de baixa qualidade, sistema de proteção ruim e risco de queda das placas e blocos rochosos. Para se ter ideia, dentro de uma área com raio de 100 km no entorno de Belo Horizonte (MG) tem mais de 5000 vias de escalada. As rochas escaláveis dentro desse perímetro são: mármores, quartzitos, gnaisses, meta-conglomerados e itabiritos. A segunda maior concentração de linhas de escalada no Brasil fica no Rio de Janeiro. Dentro de uma área com raio de 100 km centrado na cidade, tem aproximadamente 3000 linhas sobre
gnaisses e granitos.
Associando os mapas geológicos com a distribuição das linhas de escalada no País, o resultado aproximado é o seguinte: gnaisse (39%), mármore (18%), granito (14%), quartzito e meta-arenito (13%), conglomerado (5%), basalto (4%), arenito (3%), sienito (1%). O restante (1%) está sobres as rochas: diabásio, fenólito, itabirito, pegmatito e traquito. Existe grande variedade dentro de cada um destes tipos de rocha e que influenciam no estilo de escalada, podendo ser aderência, agarras de todos os tipos e fendas. Por exemplo, no gnaisse granitoide do Pão de Açúcar (RJ) são comuns agarras em cristal de feldspato, já nos paragnaisses da Pedra do Baú (SP) geralmente as agarras são formadas no que restou da esfoliação e do desplacamento, além da erosão entre faixas distintas da rocha.
Na geologia, a textura da rocha significa o tamanho dos grãos dos minerais e o diâmetro dos sedimentos, mas para a escalada o que importa é a rugosidade da superfície da rocha que forma apoios para mãos e pés, denominados de “agarra”, conforme a Tabela 1.

Tabela 1. Quadro dos tipos de agarras e rochas associadas

Os mapas geológicos têm pouca utilidade para a escalada porque o nível de detalhe não é aplicável. As rochas são muito diversas e podem mudar dentro de pequenas áreas e também em profundidade. Por exemplo, uma mesma montanha pode ser formada por mais de um tipo litológico, como é o caso do Pão de Açúcar (RJ), que é
uma montanha muito pequena formada por seis tipos de rochas: ortognaisse (gnaisse granitoide), paragnaisse, migmatito, pegmatito, granito e diabásio. Cada tipo favorece o desenvolvimento de agarras diferentes. No entanto, mesmo fora dos mapas não é tão simples identificar rochas sem examiná-las de perto, porque fungos e líquens cobrem a superfície criando tonalidades de marrom. Por isso todas as rochas parecerem iguais. Por tudo isso o conhecimento geológico do escalador é importante (Figura 1).

Figura 1. Granito branco contrastando com a cobertura de cor marrom produzida por
líquens e fungos. Praticamente todas as vertentes rochosas expostas às chuvas são
cobertas por essa película orgânica, apenas as áreas protegidas da água ficam livres e a
verdadeira cor e textura da rocha aparece. Este gigantesco desplacamento ocorreu em
Castelo (ES) e é comum. Basta olhar os grandes diedros e tetos presentes em muitas
paredes rochosas para perceber que a origem foi por um processo semelhante. Foto: Antônio Faria.

Rochas Magmáticas e Vulcânicas na Escalada Brasileira

Granitos e granitoides

As rochas magmáticas (ou ígneas) intrusivas são formadas pelo resfriamento e solidificação do magma no interior da crosta, e os granitos são os tipos mais comuns. São gerados em profundidade entre 1,5 e 50 km. Existem ainda rochas parecidas denominadas de granitoides, como o sienito, monzonito, diorito, etc. A formação das rochas magmáticas intrusivas geralmente ocorre no interior das faixas de convergência de placas tectônicas, onde são formadas grandes cadeias de montanhas (orogenia).
Existe grande variedade de granito que são compostos principalmente pelos minerais: feldspato, quartzo e mica, além de outros em menor volume. Existem algumas dezenas de categorias de minerais, cada tipo tem muitas variações e o número total passa de 5000. Uma mesma rocha pode ter diferentes denominações, basta entrar um mineral diferente ou alterar o volume de algum para surgir um nome diferente, e isso traz dúvidas mesmo para os geólogos. A cristalização do granito ocorre quando a temperatura do magma diminui gradativamente, de 900°C para 600°C, e cada tipo de mineral é formado dentro de determinadas temperaturas. Esses minerais são
distribuídos por igual no corpo da rocha, mas aproximadamente a metade do volume do granito é formada pelo feldspato. Por isso quase que a totalidade das agarras de cristal é formada por este mineral, e existem diversos tipos.
Os diversos granitos possuem texturas distintas que influenciam na rugosidade da superfície. Em uma mesma montanha pode existir dois ou mais tipos de granito, um exemplo é o Pico Maior de Friburgo (RJ). Nesta montanha tem granito com textura fina que forma superfície “lisa”, e outro com textura grossa produzida por cristais de feldspato com comprimento entre 1 e 3 cm. Existem outros tipos de granito formados por megacristais maiores que 3 cm, como os que afloram em Quixadá (CE). O tamanho dos cristais depende da profundidade (pressão) do ambiente de formação da rocha e o tempo de resfriamento do magma. Assim, quanto maior o tempo de formação, maiores são os cristais (Figuras 2, 3, 4 e 5). Os granitos são cortados por veios que são faixas que podem conter apenas um tipo de mineral (quartzo ou feldspato), ou pode ainda ser veio
de um granito diferente que corta o principal e mais antigo. Quando os veios são formados por megacristais de feldspato, quartzo e mica, eles passam a ser denominados de pegmatito e em certas montanhas eles são comuns, como nos Três Picos de Friburgo (RJ) e no Pão de Açúcar (RJ).
No Brasil os principais afloramentos de granitos, que concentram linhas de escalada originaram-se durante a formação de uma antiga cadeia de montanhas, aproximadamente entre 600 e 400 milhões de anos atrás, e que se situava entre a América do Sul e a África. A erosão dessa cordilheira e a separação dos continentes
proporcionaram a formação da Serra do Mar, da Serra da Mantiqueira e das serras menores que se alongam pela Região Nordeste. Hoje esses granitos afloram nas partes centrais dessas serras. Seguem alguns exemplos de áreas com morros e montanhas com granitos e granitoides: Florianópolis (SC), Maciço do Marumbi (PR), Pedra de São Domingos (MG), Andradas (MG), Maciço da Pedra Riscada (MG), Serra dos Órgãos (RJ), Três Picos de Friburgo (RJ), Pancas (ES), Vitória (ES), Quixadá (CE) e Brejo da Madre de Deus (PE). No nordeste do Amazonas e sudoeste de Roraima também tem relevos de granito com algumas linhas de escalada.

Figura 2. Erosão diferencial entre dois granitos distintos, produzindo agarras enormes e
buracos. Parque Estadual dos Três Picos (RJ). Foto: arquivo do autor.

Figura 3. Granito com megacristais de feldspato (granito porfirítico). Os grãos que se
sobressaem na superfície rochosa, formando as agarras, podem ter raiz rasa ou
profunda, e isso implica na resistência. Os cristais com raízes profundas suportam bem
o peso do escalador. Quixadá (CE). Foto: Antonio Faria.

Figura 4. Nos granitos com textura fina são comuns agarras do tipo reglete formadas
pela esfoliação da rocha. Os desplacamentos maiores formam batentes, platôs e tetos.
Quixadá (CE). Foto: acervo do autor.

Figura 5. Evolução de pequeno desplacamento comum em granitos e gnaisses
microgranulares. A rocha se expande e se contrai devido à oscilação repetida da
temperatura ao longo do tempo. Este processo gera microfissuras paralelas à superfície
(A) e que com o tempo, se dilatam arqueando a rocha em forma de “bolha” (B). O
processo de dilatação-contração continua e forma fissuras que rompem a “bolha” (C), gerando lacas soltas e regletes (D). Este mesmo processo serve para desplacamentos
maiores que geram platôs, diedros e tetos. Ilustração: Antonio Faria.

Sienito

É rocha predominante do Maciço do Itatiaia (RJ/MG). É um granitoide muito parecido com o granito, porém, os grãos minerais são pequenos (Figura 6). Os diversos tipos de sienito também se formaram pelo resfriamento e solidificação do magma no interior da crosta, mas em ambientes geológicos distintos. Os granitos brasileiros
formaram-se em zona de colisão de placas tectônicas e os sienitos foram produzidos em zona de divergência. Isso quer dizer que os magmas são diferentes, com propriedades químicas distintas. Logo após a separação entre a América do Sul e a África, aproximadamente há 60 milhões de anos, grandes volumes de magma basáltico entraram na crosta ao longo de extensas falhas geológicas, conhecidas como rift. Esse tipo de magma dá origem a feldspato alcalino, que pode chegar a 65% do volume da rocha. Os exemplos mais famosos e que tem escaladas são as Agulhas Negras e as Prateleiras, no P.N.I. (Figura 7).

Figura 6. Sienito rico em feldspato alcalino (nefelina). A estrutura da rocha é parecida a
do granito, mas a composição mineral é diferente e é raro encontrar agarras de cristal
devido ao tamanho reduzido dos grãos de feldspato. Nesta rocha tem até 1 cm de
comprimento. Foto: Antonio Faria.

Figura 7. Sienito do Pico das Agulhas Negras (RJ-MG). A quase ausência de quartzo e
mica e abundancia de minerais mais solúveis favorecem a formação de canaletas
produzidas pela a passagem da água. Foto: Antonio Faria.

Basalto

No Brasil quase 1% das linhas de escalada foi aberto neste tipo de rocha. Os basaltos que afloram hoje na parte continental do País foram produzidos por gigantescos derrames de lava que geraram camadas distintas, principalmente entre 137 e 127 milhões de anos atrás, quando a América do Sul e a África começaram a se separar.
Esses derrames que saiam de inúmeras extensas falhas geológicas cobriram boa parte da Região Sul do Brasil, partes de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, produzindo uma variedade de rochas vulcânicas, sendo o basalto a mais resistente. Esta rocha é muito densa e dura, e com textura microgranular, grãos menores que 1 mm. Em certas camadas podem surgir muitas bolhas de tamanhos variados (basalto vesicular) e quando expostos se transformam em buracos. São comuns fendas horizontais desenvolvidas entre as diferentes camadas, e quando ocorre rápido resfriamento e cristalização do magma derramado (lava), a rocha sofre contração formando fraturas verticais produzindo colunas hexagonais (basalto colunar), como é visto em um trecho do litoral
da Ilha Fernando de Noronha. Porém, a origem é diferente e muito mais recente, entre 3 e 2 milhões de anos. Neste caso a lava teve origem no vulcão que formou a ilha (Figuras 8 e 9). Os exemplos mais conhecidos com escaladas são: Monte Malakoff (RS), Gruta Terceira Légua (RS), Torres (RS) e Ortigueira (PR).

Figura 8. Basalto com dois tipos de textura. A parte superior é maciço e colunar, e a faixa
abaixo tem padrão vesicular (buracos). Ilha Fernando de Noronha. Foto: Antonio Faria

Figura 9. O basalto que aflora em Torres (RS) é denso e duro. Tem fraturamentos
verticais e horizontais que produzem clivagem do tipo placa retangular alongada e cubo,
tornando essas paredes instáveis. Foto: Antonio Faria

Diabásio

Algumas dezenas de milhões de anos atrás existiam muitos vulcões entre o Rio de Janeiro e Santa Catarina. Todas essas montanhas vulcânicas foram erodidas, mas sobraram algumas rochas resistentes que servem como referência, como o diabásio. As correntes de magma se dirigiam para a superfície através das fissuras e falhas geológicas, mas com a interrupção dos fluxos solidificou-se dentro dos dutos, extinguindo os vulcões. A cristalização relativamente rápida do magma dentro dessas fendas forma o diabásio, que é rocha com microcristais difíceis de serem observados sem instrumentos. É ainda dura, densa e cores que variam entre o amarelo e o preto.
Os diversos tipos de diabásio formam diques que cortam as rochas mais antigas. Os exemplos mais conhecidos com escaladas são: Campo Escola das Paineiras na Floresta da Tijuca (RJ), e a Escada de Jacó, que corta o Pão de Açúcar (RJ). No litoral de Santa Catarina algumas linhas de escalada também foram estabelecidas sobre esta rocha (Figuras 10 e 11).

Figura 10. Diabásio de cor clara. Não é possível observar cristais sem instrumentos
devido ao tamanho reduzido dos grãos minerais, geralmente formados de plagioclásio
(feldspato), piroxênio, magnetita e ilmenita. Vale da Utopia (SC). Foto: arquivo do autor.

Figura 11. Dique de diabásio cortando granito de cor vermelha. O intenso fraturamento
é causado pela diminuição do volume da rocha no processo de resfriamento do magma.
A cor deste diabásio é preta, a superfície se encontra avermelhada devido à oxidação e
ao intemperismo. Palhoça (SC). Foto: Antonio Faria.

 

Fenólito e traquito

O fenólito possui gênese parecida a do diabásio, mas são muito diferentes. É formado pelo magma estagnado na parte superior das chaminés vulcânicas, próximas à superfície. Por isso se solidifica mais rápido, sem tempo para formar boa cristalização, gerando uma rocha de baixa resistência. As últimas grandes atividades vulcânicas
ocorridas no Brasil, há poucos milhões de anos, formaram os arquipélagos de Fernando de Noronha e da Trindade. As ilhas principais eram enormes vulcões que tiveram as partes emersas erodidas. Parte dos fenólitos foram preservados e geram relevo em forma de torre ou agulha (neck vulcânico), e como exemplos: o Morro do Pico em Fernando de Noronha, e o Pico do Monumento na Ilha da Trindade (Figura 12). Existem algumas linhas de escalada em ambos. O traquito tem formação parecida a do fonólito, mas o magma é um pouco diferente, gera minerais distintos e consolida-se em rocha mais resistente. O Pico do Picú e a Pedra do Camelo, situados no Maciço do Itatiaia, são exemplos de formação de traquito com linhas de escalada.

Figura 12. O Pico do Monumento é uma formação de fonólito que sobrou da parte
central do vulcão erodido. A imagem foi feita quando escaladores foram abrir as
primeiras linhas de escalada desta formação e também da Ilha da Trindade. Foto: Sandro
Souza.

A importância das rochas metamórficas na Escalada Brasileira

Aproximadamente 90% das linhas de escalada no Brasil estão sobre vários tipos de rochas metamórficas. As que importam para os escaladores e montanhistas brasileiros são as que sofreram modificações de granitos antigos e recebem o nome ortognaisse ou gnaisse granítico. Os gnaisses que sofreram metamorfismo de rochas
sedimentares lamosas (lamitos) e arenitos não quartzosos, são denominadas de paragnaisse. Arenito quartzoso se transforma em quartzito e os conglomerados em meta-conglomerado. O calcário se transforma em meta-calcário ou mármore (Figura 13).

Figura 13. Mosaico de rochas ígneas e metamórficas. Esta formação foi gerada em zona
de convergência de antigas placas tectônicas, quando foi criado o supercontinente
Gondwana. Nessas zonas de “choque” de placas continentais as rochas sofrem grandes
transformações e surgem novas entrecruzadas. Nesta imagem aparece um escalador
como referência. Arraial do Cabo (RJ). Foto: arquivo do autor.

 

Gnaisse

Cerca de 20% das linhas de escalada no País foram abertas nos gnaisses, porque são muito comuns na Região Sudeste do Brasil. Por exemplo, este tipo de rocha cobre a maior parte do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, aflora pontualmente em alguns trechos da Região Nordeste. A rocha mais antiga da América do Sul é um paragnaisse encontrado na parte central da Bahia, com idade de 3,65 bilhões de anos. Uma parte dos gnaisses é produzida em zonas de convergência de placas tectônicas, onde ocorre intenso vulcanismo e dobramento de espessas camadas de rochas, gerando as cadeias de montanhas. Grandes volumes de magma granítico (ácido) com temperatura superior a 1000°C e altíssima pressão subiram e atravessaram a crosta rochosa. O contato desse magma fez derreter as rochas antigas, e o posterior resfriamento proporcionou a cristalização de novos minerais, como feldspato, quartzo, mica e outros, criando assim a rocha metamórfica. Cada mineral é formado dentro de certa faixa de temperatura e pressão, assim se cristalizam em faixas distintas e também seguindo planos de fuga em meio aos fluxos de material viscoso. Na medida que a temperatura abaixa os minerais
vão se formando, cada um em determinado intervalo de temperatura. O quartzo é o último a se formar, o que ocorre quando o magma chega a 600°C. O feldspato é o mineral mais abundante com mais de 50% do volume da rocha e se concentra em bandas de cristalização específicas (Figuras 14, 15, 16 e 17). As faixas que concentram
mica biotita são pretas e tendem a ser menos resistentes, a erosão delas pode formar pequenos buracos e depressões, gerando boas agarras. A perfuração da rocha para fixar grampos e chapeletas é mais fácil nessas faixas de concentração de biotita.

Figura 14. Gnaisse granítico facoidal. Estas faixas paralelas onduladas foram produzidas
pelas “linhas de fuga” durante a fase de cristalização. Feldspato e mica se concentraram
em faixas de acordo com as suas densidades, seguindo a direção do fluxo do magma.
Esta situação favoreceu a formação de cristais de feldspato maiores, dando origem a
boas agarras. Foto: Antonio Faria.

Figura 15. As agarras de cristais nos granitos e gnaisses são quase todas de feldspato
(ortoclásio e plagioclásio). Os grãos com raízes rasas são instáveis e podem se soltar com
o peso da pessoa. Muitas vezes os cristais parecem pequenos e frágeis, com menos de
1 cm exposto (para fora), porém, a maior parte do cristal pode estar dentro da rocha
formando raiz longa e resistente. Os cristais quando são expostos pela erosão da rocha
se dilatam formando microfissuras, tornando-os instáveis, e muitos se quebram não
importando do tamanho – Ilustração: Antonio Faria.

Figura 16. Paragnaisse oriundo do derretimento de alguns tipos de rochas sedimentares
e posterior cristalização. A erosão das faixas menos resistentes gera agarras excelentes.
Este tipo de rocha é comum ao longo da Serra da Mantiqueira, incluindo áreas
adjacentes, e também em outros maciços no litoral entre o Rio de Janeiro e Santa
Catarina. Este exemplo aflora na Urca (RJ). Foto: Antonio Faria.

O dobramento das camadas de rochas de dezenas de quilômetros de espessura e outro processo que causa metamorfismo. A profundidade do dobramento influencia no grau de metamorfismo, porque além da rocha estar sendo comprimida, a temperatura do planeta cresce em relação direta à profundidade. A 10 km abaixo da
superfície a temperatura supera os 800°C e a pressão chega a milhares de atmosferas.
Em antigas bacias sedimentares formadas em depressões (mares) com milhões de quilômetros quadrados e vários quilômetros de espessura, o peso das camadas de sedimentos afunda as camadas mais profundas e isso também promovem metamorfismo.
O gnaisse com alto grau de metamorfismo que apresenta faixas de minerais dobradas e retorcidas, recebe o nome de migmatito. Como exemplo a Pedra do Baú (SP). Alguns gnaisses são ainda mais complexos porque misturam elementos de várias rochas antigas que foram fundidas e se misturaram, e podem gerar jazidas de minerais metálicos. No Campo Escola de Itabirito (MG) e no Pico da Cartuxa, em Mariana (MG), tem várias linhas de escalada que passam por faixas ferríferas onde as agarras são de Hematita (Fe2O3). As áreas mais conhecidas com escalada em gnaisses estão situadas em: Pindamonhangaba (SP), São Bento do Sapucaí (SP), Itajubá (MG), Pedralva (MG), Aiuruoca (MG), Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Itatim (BA) e Serra Caiada (RN), entre outras.

Figura 17. O Migmatito é um tipo de gnaisse com alto grau de metamorfismo que
apresenta faixas dobradas e retorcidas. Barra de Guaratiba (RJ). Foto: Antonio Faria.

Meta-calcário ou mármore

O Brasil tem uma das maiores áreas de afloramento de mármore do mundo, tecnicamente conhecido como calcário dolomítico metamórfico. Esta rocha cobre vastas áreas da Bahia, Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Ceará e Mato Grosso do Sul, e áreas menores em outros estados. Muitos setores de escalada foram desenvolvidos nesses afloramentos. Entretanto, existe também diversidade dentro dos mármores e cada área de escalada pode apresentar características próprias, como exemplos: o Morro da Pedreira na Serra do Cipó, Bauzinho e Arcos, todos em Minas Gerais.
As rochas calcárias que passaram por metamorfismo e se transformaram em mármores, são muito duras, porém, são solúveis à água. Esses mármores foram produzidos por processos químicos que fizeram os carbonatos contidos na água crescer no fundo de um oceano, extinto no intervalo entre um bilhão de anos e 542 milhões de anos atrás. A espessura do depósito no Brasil mede entre 200 e 300 metros. Essas rochas cobriram outras, mais antigas, compostas de arenitos e conglomerados depositadas durante um longo período glacial. Depois da formação dos carbonatos, um novo ciclo geológico se instalou e o calcário foi coberto por espessas camadas de sedimentos com várias centenas de metros de espessura, predominando areias quartzosas. Os
carbonatos e os sedimentos foram depositados em situações ambientais completamente diferentes, e em épocas em que a Terra não se parecia em nada com o planeta que conhecemos hoje.
Com o tempo esse antigo oceano foi se fechando e desapareceu por completo, porque as antigas placas tectônicas convergiram-se para formar o supercontinente Gondwana. Com isso as camadas de rochas, incluindo o calcário, foram derretidas, solidificadas e posteriormente foram dobradas, conforme exposto anteriormente. Foi nessa fase que ocorreu o metamorfismo, transformando arenito quartzoso em quartzito e calcário em mármore. Nesse processo foram formados alguns veios de quartzo nos mármores e hoje podemos vê-los na superfície da rocha porque são mais resistentes e formam algumas agarras.
A partir de aproximadamente 300 de milhões de anos atrás, a antiga cadeia de montanhas foi erodida e nivelada, e logo depois uma nova fase de soerguimento se instalou pelo processo de rift. O Gondwana se dividiu em alguns continentes, entre eles, América do Sul e África. Posteriormente a esse último soerguimento, outra fase
geológica foi iniciada há 200 milhões de anos, quando milhares de blocos da crosta rochosa deslizaram-se lentamente no sentido vertical pelas falhas geológicas. Assim foram originadas as serras, como a do Espinhaço, e por isso podemos observar o Morro da Pedreira (mármore) abaixo dos quartzitos que ficam no alto da Serra do Cipó.
O mármore é muito solúvel e por isso existem nesta rocha muitas canaletas verticais produzidas pelo escoamento da água da chuva. As arestas afiadas que se formam entre as grandes canaletas são conhecidas como “lapiás”, e muitas deram origem a ótimas linhas. São também muito comuns redes de cavernas formadas por pequenos rios subterrâneos. As quedas dos tetos das cavernas formam dolinas e com o tempo, toda a caverna desaba dando lugar a vales cársticos. Nessa evolução são formados pequenos cânions, arcos, torres, “falésias” e outros tipos geomorfológicos.
Dentro das cavernas e em alguns cânions a passagem da água pelas fraturas dissolve o mármore e forma a calcita, entre outros minerais. Quando a cristalização desses minerais ocorre nos tetos e nas paredes das cavernas e cânions, formam-se espeleotemas como estalactites e cortinas. Assim, algumas linhas de escalada foram abertas sobre essas estalactites e cortinas mortas (pararam de crescer), e ficaram conhecidas pelos escaladores como “chorreiras” (termo espanhol). Todavia, essas formações são mais frágeis que o mármore, às vezes elas se soltam e caem. A decomposição dessas formações é também mais rápida, por isso podem produzir agarras que quebram com facilidade (Figura 18).

Figura 18. Boca de uma caverna na Serra do Cipó com formações de espeleotemas. As
estalactites podem crescer muito podendo gerar instabilidade. Por isso se fraturam e
caem. Na esquerda aparece o mármore com pequenos dobramentos. Foto: Antonio
Faria.

As camadas de mármore que compõem o Morro da Pedreira se apresentam mais dobradas e contorcidas que as encontradas em Arcos, no Bauzinho e na Lapa do Antão, e isso influencia a morfologia da superfície da rocha exposta e na qualidade das linhas de escalada. Entre as camadas de mármore puro tem camadas finas com impurezas ou outros tipos de rochas menos resistentes. O intemperismo e a erosão formam sulcos e fendas que seguem as direções dessas camadas menos resistentes (Figura 19). O Morro da Pedreira apresenta dobramentos complexos e em muitos setores as camadas estão orientadas no sentido vertical, produzindo sulcos na rocha que formam agarras em forma de pinça (Figura 20). Em outros setores as camadas de rocha apresentam-se inclinadas e também com estruturas em forma de “S”, que podem ser pequenas ou
grandes. Quando estão no sentido diagonal e horizontal os sulcos produzem pegas abauladas nessas camadas menos resistentes, e também são comuns buracos com formas e tamanhos variados. Alguns apresentam cristais de quartzo no interior.

Nas camadas de mármore menos resistentes também se formaram fendas de tamanhos variados que cruzam fraturas produzidas pelo quebramento das rochas e as canaletas verticais produzidas pela passagem da água da chuva. O cruzamento entre essas fendas e canaletas produzem grande quantidade de blocos soltos e podem tornar alguns pontos em área de risco. Quando estão no sentido horizontal ou ligeiramente em diagonal, essas fendas expõem as bordas das camadas de rocha à água da chuva, e o impacto das gotas gera muitos buracos verticais de tamanhos diversos, produzindo os copinhos que servem de agarra para muitas linhas de escalada. Eles também são formados pelo represamento da água dentro das canaletas.
Alguns setores são mais propícios à formação de placas rochosas soltas que podem ter vários tamanhos, algumas pesando várias toneladas. As quedas das pequenas placas formam agarras do tipo reglete e batente, e as grandes geram pequenos platôs. Não é raro encontrar placas soltas que estão na iminência de cair, inclusive em algumas linhas de escalada. Portanto, as pessoas precisam estar atentas a isso porque já ocorreram vários acidentes.

Figura 19. Mármore típico de Arcos (MG). Nesta área a rocha sofreu dobramento de
menor intensidade. Canaletas e fendas verticais cruzam as fraturas e camadas planas e
horizontais produzindo agarras fartas de vários tipos. Foto: Antonio Faria.

Figura 20. Mármore da Serra do Cipó apresentando camadas dobradas no sentido
vertical, formando canaletas e buracos rasos, que geram agarras do tipo pinça e
abaulado. Foto: Antonio Faria.

Arenito, Meta-arenito e Quartzito

Os termos arenito, meta-arenito e quartzito causam confusão . Existem diversos tipos de arenitos, neles são visíveis os grãos de areia e nas rochas mais friáveis eles podem até se soltar. Contudo, alguns são sólidos e resistentes. Como o nome diz, arenito é formado por areias de qualquer tipo mineral, como quartzo e feldspato, ou mesmo areia de conchas trituradas. Esses sedimentos são cimentados por substâncias distintas, como sílica, óxidos e carbonatos, e que podem determinar a resistência da rocha. As áreas com escaladas mais conhecidas são: Campo Escola do Behne (RS), Cuscuzeiro (SP) e Pico do Mané (SP). Além destas, vários setores estão sendo desenvolvidos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins e Amazonas (Figura 21).

Figura 21. Arenito com resistência mediana. A superfície avermelhada foi criada por
óxido de ferro que desenvolveu uma capa mais resistente, de aproximadamente 1 cm
de espessura. A erosão desta capa forma regletes e batentes e expõem as camadas
originais do arenito, onde são produzidos buracos. Campo Escola do Behne, Novo
Hamburgo (RS). Foto: Antonio Faria.

Os termos meta-arenito e quartzito dizem respeito ao grau de metamorfismo que os arenitos sofreram. Por exemplo, as rochas do Paraná do período devoniano (entre 400 e 350 milhões de anos) se apresentam compactadas, muito duras e modificadas para serem denominadas simplesmente como arenito, elas são metaarenitos, como exemplo dos setores de escalada situados em Piraí do Sul e em Ponta Grossa (Figura 22). Existem ainda arenitos quartzosos muito antigos que passaram por processos de dobramento e/ou contato com grandes volumes de magma. Essas rochas foram completamente derretidas e se recristalizaram posteriormente, formando uma massa quartzosa sólida. Por isso são conhecidas como quartzitos e são extremamente duras e resistentes. Na Serra do Espinhaço, na Chapada Diamantina e no Monte Roraima existem quartzitos com idades que chegam a quase 2 bilhões de anos (Figuras 23 e 24)

Figura 22. Meta-arenito com a erosão pluvial criando canaletas que cortam as
depressões horizontais paralelas, formadas pelo desgaste diferencial entre as camadas.
Este cruzamento gera enormes agarras do tipo cogumelo, entre outros tipos. Setor
Corpo Seco, Piraí do Sul (PR). Foto: Antonio Faria.

Figura 23. Quartzito maciço, com várias camadas distintas. Apesar da extrema dureza,
entre as camadas são geradas faixas menos resistentes onde a rocha se quebra. Este
processo cria muitos batentes e platôs de diversos tamanhos. Morro do Pai Inácio,
Chapada Diamantina (BA). Foto: arquivo do autor.

Figura 24. Quartzitos com cruzamento de fraturas produzindo blocos. É a rocha que
apresenta o maior risco para escaladores no Brasil devido ao tamanho dos fragmentos.
Fotos: Antonio Faria.

Para a escalada não existe muita diferença entre meta-arenito e quartzito, eles possuem características idênticas. São comuns fendas verticais e horizontais que se cruzam gerando blocos de tamanhos variados. Eles também se quebram em ângulos retos, formando agarras do tipo reglete, batente e platô. Nos meta-arenitos e quartzitos parcialmente intemperizados é comum formar buracos e grandes agarras em forma de cogumelo, como ocorre em áreas como: Ponta Grossa, setor macarrão (PR), Corpo Seco em Piraí do Sul (PR), Serra do Lenheiro (MG) e Cambotas (MG).

Conglomerado e meta-conglomerado

A formação do conglomerado é muito parecida com o do arenito, a diferença está no tamanho dos sedimentos. O arenito é formado pela consolidação dos depósitos de areia e cascalho fino (diâmetros entre 0,006 a 10 mm), e o conglomerado por sedimentos com grãos maiores que 10 mm, podendo alcançar várias dezenas de
centímetros. São comuns camadas de arenito e de conglomerado se alternando uma sobre a outra, existindo uma associação entre estes dois tipos de rocha. Os conglomerados comuns são rochas instáveis porque os seixos podem sair com facilidade, como ocorre em algumas poucas linhas de escalada abertas no Parque
Nacional da Serra da Capivara, onde tem camadas de cascalho fino na ordem de 1 cm de diâmetro. O conglomerado metamórfico ou meta-conglomerado geralmente é muito resistente e muitas linhas de escalada no Brasil foram abertas sobre este tipo de rocha.
Existem vários tipos de meta-conglomerado, ou simplesmente conglomerado. Na chapada Diamantina (BA) os sedimentos tem cores variadas: verde, vermelha, rosa, lilás, branca, cinza e amarela, formando belos mosaicos. Eles são fragmentos mais grossos de rochas antigas variadas. Os seixos têm entre 6 e 20 cm de diâmetro, alguns podem chegar a ter um metro (Figura 25). Isso mostra a alta energia do ambiente que existia quando esses sedimentos foram depositados há mais de um bilhão de anos.

Provavelmente vieram das encostas de montanhas muito altas e foram transportados por fluxos de alta energia no fundo dos vales. Na Região Sul do Brasil existem extensas áreas com meta-conglomerado, mas são diferentes e mais novos que os da Chapada Diamantina. Em Caçapava do Sul (RS) o sedimento comum é da fração cascalho de quartzo fino e médio, com diâmetros entre 2 e 4 cm. Em Ponta Grossa (PR) os conglomerados são finos, geralmente formados por cascalhos de quartzo com diâmetro menor que 2 cm.
Os meta-conglomerados são excelentes rochas para a escalada porque são muito resistentes, mas quando entram em decomposição inicial formam condições ainda melhores. Isso ocorre porque cascalhos e seixos formam agarras arredondadas, tipo meia-esfera (bola), e quando eles saem da rocha ou são erodidos, são formadas no lugar buracos e agarras-de-bolso. As áreas mais conhecidas com escalada neste tipo de rocha
estão em: Caçapava do Sul (RS), Bagé (RS), Corupá (SC) e Lençóis (BA). A porção superior do Pico das Almas também é formado por este tipo de rocha e talvez seja a montanha mais alta da Bahia, com 1958 metros de altitude.

Figura 25. Meta-conglomerado grosso em Lençóis (BA). Foto: Antonio Faria.

Bibliografia

Faria, A.P. A Escalada Brasileira. Edit. Cia da Escalada. 2017.
Gill, R. Rochas e Processos Ígneos: Um Guia Prático. Edit. Bookman. 2014.
Hasui, Y. Geologia do Brasil. Edit. Beca. 2012.
Hollocher, K. A Pictorial Guide to Metamorphic Rocks in the Field. Edit. Kindle. 2012.
Mason, R. Petrology of the Metamorphic Rocks. Edit. George Allen. 1978.

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Sobre o autor

Antonio Paulo escala há tanto tempo que parece que já nasceu escalando... 30 anos. Até o presente, abriu mais de 200 vias no Brasil e em alguns outros países. Ele gosta de escalar de tudo: blocos, vias esportivas, vias longas em montanhas, vias alpinas... Mas não gosta de artificiais, segundo ele "me parecem mais engenharia que escalar propriamente". Além disso, ele também gosta de esquiar, principalmente esqui alpino no qual pratica desde 1996. A escalada influenciou tanto sua minha vida que resolveu estudar geografia e geologia. Antonio Paulo se tornou doutor em 1996 e ensina em universidades desde 1992. Ele escreveu sobre escalada para muitas revistas nacionais e internacionais, capítulos de livros e inclusive um livro. Ou seja, ele vive a escalada.

1 comentário

  1. Aloysio Carvalho em

    Excelente artigo, eu sempre destaquei a variedade de rochas e escalada ao redor de BH. E o AP Faria deu show nessa matéria!!

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