Mais rústico e esportivo do que Itatiaia, mais variado e extenso do que os Órgãos e mais acessível e cênico do que o Marumbi, o Parque dos Três Picos é a meu ver o mais radical dos parques de montanha do Brasil. E, no seu extremo norte, existe um enorme penhasco onde o encantamento visual faz companhia aos riscos da aventura. São as magníficas Torres de Bonsucesso.
Bonsucesso é um distrito de Teresópolis, que no passado já pertenceu a Nova Friburgo, quando era chamado, imagine, de Sebastiana. Você sabe, esses são importantes municípios serranos do Rio de Janeiro.
Bonsucesso era puramente rural, mas suas lavouras foram cedendo espaço às plantações de hortaliças e à criação de cavalos de raça. As belas paisagens e o clima ameno atraíram depois vários hotéis fazenda. Vejo isso acontecer em muitos lugares, quando próximos das cidades turísticas.
Teresópolis e Friburgo são dois dentre os cinco municípios formadores do PE dos Três Picos. Ele alia a densa vegetação das encostas e as cachoeiras de águas cristalinas na sua parte baixa aos maciços de paredes com formatos incríveis de sua parte alta. Eu escrevi um dia que ele inspira e emociona os amantes da natureza, da contemplação e da aventura.

O por do sol no Parque (Fonte – WillingToLive.com).
O Três Picos é frequentemente comparado à Patagônia – pois existem em comum as emocionantes verticalidades e os cenários espetaculares. Ele abriga o Pico Maior, ponto culminante da Serra dos Órgãos.
Durante quase seis décadas, suas duas rotas de escalada foram as maiores do país, uma e depois a outra – antes de serem ultrapassadas pelas supervias mineiras e baianas do século atual. O Parque é enorme e continua crescendo por anexação de áreas.
Seu maciço principal abrange as deslumbrantes três pedras irmãs que lhe deram o nome. Bem como uma sucessão de formações espetaculares, como Pedra do Faraó, Caixa de Fósforo, Cabeça de Dragão, Mulher de Pedra, Branca de Neve, Chapéu da Bruxa, Pico da Caledônia. Ao norte delas fica um outro maciço separado, que contém as chamadas Torres de Bonsucesso. É delas que quero agora lhe falar.
Se você deixar a estrada entre Teresópolis e Friburgo um pouco antes de sua metade, logo chegará ao Distrito de Bonsucesso. E, se seguir pela igrejinha de N. Sa. do Bom Sucesso, alcançará não muito depois o Vale dos Lúcios.

As Torres de Bonsucesso e o Vale dos Lúcios.
São suas cabeceiras que recebem as águas das formidáveis Torres que você contemplará à distância, sua escarpa vertical fechando todo o vale. Então, lá embaixo você terá de se aproximar frontalmente da parede, numa situação que causa uma certa ansiedade.
A menos que voe, chegará lá em cima de duas maneiras: escalando as vias da Torre Central ou contornando por trilha a encosta à direita. Não sou escalador, então apresento a seguir um resumo do caminho de ascensão ao maciço:
Altitudes e Distâncias das Torres
Torre | Altitude¹ | Distância² | Tempo² |
Ferro de Passar | 1.630 m | 2 km | 1-1 ½ h |
Menor (Sul) | 1.700 m² | 2 ½ km | 1 ½-2 hs |
Central | 1.860 m | 3 km | 3 hs |
Maior | 2.020 m² | 4 km | 4 ½ hs |
Oculta (Bessa) | 2.060 m² | 4 ½-5 km | 5 ½ hs |
Notas: (1) A altitude da base é indicada como 870m-1.115 m. (2) As altitudes, distâncias e tempos (de ida) são estimados.
Embora pertença ao PETP, você não encontrará nenhuma portaria ou sinalização – e também ingresso. Mas o início é um tanto óbvio, a partir de uma inocente porteirinha junto a uma captação de água – aliás, será a última vez que você verá esse precioso líquido, pois a trilha alta é toda ela seca.

Saindo afinal da trilha das Torres (Fonte – amochilaeomundo).
A sequência será a tradicional: mata de encosta um tanto rala, vegetação arbustiva aberta com muita samambaia, campo rupestre bastante irregular e finalmente apenas solo frágil e rocha dura.
As distâncias que você leu acima vão parecer ilusórias, pois esta é uma das trilhas mais verticais que você conhecerá. Veja que o aclive médio é da ordem de 30%, fortíssimo – os montanhistas costumam dizer que a trilha sobe, sobe e … sobe.
Uma vez fiz uma trilha com essa inclinação, foi exaustiva mas era bem mais curta. A rota mais vertical que conheço fica no Marumbi (PR) e tem um aclive de 40%, porém é basicamente uma via ferrata.
Mas não esta, que não possui qualquer proteção. Acho que há nisso um descaso da gestão do Parque. Degraus de madeira e fitas nos troncos irão facilitar seu movimento e orientação, até que você enxergue 1 ½ h depois a primeira torre, já no campo aberto. Agora você está na crista e começará a aventura.

O Ferro de Passar (Fonte – Rio Radical).
Você está vendo o incrível Ferro de Passar, que alguns chamam (a meu ver erroneamente) de Torre Menor. Ela permite uma visão de todo o Vale dos Lúcios, bem como um panorama completo do Parque.
Contornando esse acidente, você passará pela Torre Menor e avistará a absurda Pedra Entalada, um grande matacão apoiado entre dois penhascos. Sim, há um acesso até ela, para fotos que podem ser as últimas de sua vida.

A Pedra Entalada no início da crista das Torres.
Queria fazer alguns comentários. Esta não é uma crista retilínea, como muitas costumam ser. O terreno é muito irregular, com solo desagregável e trechos inclinados e erodidos, que sobem ou descem. Por não ser uma trilha técnica, não há proteções, ela é basicamente feita em aderência. Muitos visitantes inclusive calçam tênis comuns.
E seu progresso será necessariamente lento, pela necessidade de segurança, pelo caminho difícil e pela insolação, pois as únicas sombras na cumeeira serão as das rochas. Há passagens com exposição, onde você avançará por uma crista estreita entre abismos. Então, seu ritmo será de miseráveis 1 km/hora.
Passadas quase 3 hs, agora será a vez de se aproximar do cume da Torre Central, a mais cobiçado de todas. Você já a tinha avistado há algum tempo.
É mais uma subida cruel, naturalmente com o incrível visual do Parque à sua volta, com tantos picos, cadeias e vales decorando o amplo panorama. Repare que esta torre, como as demais, possui livro de cume. E, antes que você pergunte, não é permitido acampar.

Visão da crista, com a Torre Média ao fundo.
E agora você deve descer e atravessar uma fenda, penetrar num caminho desorientador, fechado por mato e bambu, buscar apoio sucessivamente em quatro cordas fixas (se ainda estiverem lá), passar por baixo de uma pequena gruta e subir uma última parede em oposição, um pouco trabalhosa se você for pequeno. Enfim, você alcançou a Torre Maior depois de mais 1 ½ hs, mas o visual apenas repetirá o anterior.
Você pode (se ainda estiver vivo) percorrer o caminho recoberto por capim navalha para alcançar … mais uma torre. Desta vez será a Torre Oculta, situada na direção oposta à da Torre Central.
Ela é escondida pelo corpo da serra e indicada por uma sucessão de tótens. Aparentemente, é mais elevada do que a Torre Maior. Sua recompensa será uma visão privilegiada daqueles três picos mágicos que nomearam o Parque.
Ela é também chamada de Panorama a Bessa, uma homenagem engraçada à montanhista do CEB Cláudia Bessa, que se dedicou a pesquisar esse maciço.
Acho que terão sido umas 5 ½ hs do início, convém retornar com cuidado, em especial nas descidas. Não menos de 8 a 10 hs depois, você voltará a encontrar o vale, a água, as hortaliças e o seu veículo.

A vista dos três picos, a partir da Torre Oculta.
Bem, se você quiser escalar ao invés de caminhar, irá encontrar vias trabalhosas, de grau geral 6⁰ ou eventualmente 7⁰, com crux (passagens críticas) até VIIb.
Lembro que uma escalada graduada por exemplo como 9⁰ ou 10⁰ já será especialmente difícil. Aqui não existem tantas vias (acredito que uma dúzia), talvez devido ao acesso mais afastado do maciço. Normalmente requerem um só dia, porém com exposições arriscadas.
Como a parede é muito alta, a ascensão total será da ordem de 850 a 1.000 metros, o que ocasiona vias bem longas. O mais reconhecido escalador do Parque é Sérgio Tartari, hoje com quase meio século de experiência. Aliás, ele tem a felicidade de residir num refúgio ao lado daqueles três picos maravilhosos … e de beber a sua própria cerveja, produzida naquela natureza selvagem.
Mas fico pensando se hoje o PETP não terá ficado distante e difícil para mim. Quando a gente pensa que não vai mais voltar, começa a recuperar as memórias. E então me vieram três delas.
Antes de nossa viagem para Machu Picchu, resolvemos Myriam e eu visitar Teresópolis, num inverno de um frio terrível. As águas do Paraíba do Sul ficaram até viscosas e o planalto de Itatiaia foi invadido por uma multidão à busca de neve.

A gélida Cachoeira dos Frades.
Ficamos num abrigo onde uma inglesa chamada Ivone cantava lindamente trechos de ópera (Casta Diva, se você quer saber). Todas as tardes eu tomava banho nu na Cachoeira dos Frades para me aclimatar. Mas, ao chegar na Trilha Inca, encontramos dias mornos e noites frescas – ficamos com saudades daquele frio serrano. E também da Ivone, que acabou deixando o Brasil.
Estamos na trilha do Pico Menor num dia enevoado. Sinto dores horríveis na coluna, são antigas e vêm piorando. Já não vejo meu companheiro Jorge Natureza na neblina. Resolvemos voltar, escapando de um touro escuro que quer nos devorar.
Estamos num abrigo lá embaixo, Alessandra saiu levando as chaves e eu sequer consigo pular a janela. Alongo o corpo, acabo melhorando e, no ano seguinte, opero a coluna. São três meses para voltar a calçar uma bota e subir manquitolando uma montanha. Pois quase exatamente um ano depois, subimos com algumas dificuldades o Pico Menor. Foram sete horas sofridas, mas me senti um herói.

Morro do Cabrito no Vale dos Frades, Teresópois, RJ.
Agora volto ao Vale dos Frades, num passado imemorial. Saímos de novo Myriam e eu sem destino definido, numa fria manhã. Chegamos a um campo alto, onde vemos na bruma uma casinha isolada, parece saída de um conto de fadas. Há fumaça na chaminé e então batemos à porta.
Ao entrar, encontramos uma menina pequenina, ela cozinha para sua família, que saiu para trabalhar. Assim são todos os seus dias, sozinha no trabalho à espera dos outros. Tenho pena de sua pobreza e solidão, mas não posso ficar lá e nem posso levá-la comigo. Só posso mesmo me despedir dela.