ASSALTO NA TRILHA EM PARANAPIACABA

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A Serra do Mar q cerca a capital paulistana na sua borda leste prima por oferecer surpresas de tds os tipos aos aventureiros q se embrenhem em seus verdes domínios. Mas nem tds são surpresas agradáveis ou relacionadas à beleza natural c/ q este belo rincão remanescente de Mata Atlântica brinda à maior metrópole do país. Eis o relato em 4 atos de uma inesquecível incursão à região serrana entre Paranapiacaba e Cubatão, datada de anos atrás, q por sua natureza pitoresca há de ficar guardada entre as + emocionantes q já tive. Regada a adrenalina involuntária, este registro tb serve de alerta aos futuros andarilhos e às autoridades da região perante os riscos q se está sujeito ao pernar próximo de gdes metrópoles. Riscos q não têm nada de natural ou agradável. E sinal q algumas mazelas sociais não poupam nem as matas q a cercam.
Fotos: Leila, Renata e Rex


A REUNIÃO
A semana fora agitada, trocando infos de roteiros interessantes p/ por em prática no fds!! E após muito discutir, optamos por uma trilha light, a “Trilha&nbsp, do Laguinho”, no alto da serra entre Paranapiacaba e Santo André. Levantei então as 6hrs naquele domingo promissor, preparei meus badulaques e parti rumo ao pto de encontro, na Est. Brás do metrô. Para minha surpresa, tds já estavam à minha espera!! Pontualidade britânica é isso aí, 7:45hrs!!! Feitas as devidas apresentações, tomamos o trem rumo Rio Gde da Serra, pois saltaríamos em Santo André, onde encontraríamos o resto do povo.

A viajem transcorreu s/ interferências e o tempo passou&nbsp, num piscar de olhos. O clima era de descontração e, apesar de poucos conhecidos, me enturmei bem c/ os agregados e caras novas que vieram à tiracolo. Éramos ao td 18 pessoas, c/ ampla diferença no quesito idade, gostos e tipicamente urbanas, rumando p/ matas da Serra do Mar!

Descemos em Sto André, onde não esperamos muito, pois lentamente o povo foi aparecendo. Na seqüência, fomos tomar condução que nos deixasse no inicio da trilha. Nosso grupo era a vedete dali, chamava a atenção por onde passava, fosse pela animação e empolgação, visivelmente estampada&nbsp, no rosto de tds. Tomamos o bus às 10hrs, perto da est. ferroviária, onde o coletivo foi “rasgando o asfalto” durante td seu breve trajeto, rumo Paranapiacaba.

Saltamos no meio da estrada, em frente a Solvay&nbsp, (industria petroquímica) e, seguindo um dos conhecedores da trilha, adentramos gradativamente na mata: 1º seguindo larga trilha de terra bem batida, q estava enlameada em função das chuvas recentes, p/ depois começar a fechar quando se toma uma bifurcação à esquerda.

A TRILHA
À medida que nos afastávamos da estrada, a mata adensou-se +, e a vegetação arbustiva deu lugar a arvores de Mata genuinamente “Atlântica”!! No trajeto, topamos ate c/ um carro do exercito atolado na&nbsp, lama, que nos deu uma sutil sensação de segurança, mesmo q psicológica. Isto devido aos rumores de ocorrências de assaltos pela região. Alias, onde já se viu assalto no meio da mata!?

Pois bem, seguimos mata adentro onde nem mesmo um espesso nevoeiro conseguiu tirar nossa animação!! Passamos por torres de alta tensão, q se elevavam do verde denso e sinalizando o ultimo vestígio de civilização!! Típico de passeios assim há os apressados e os retardatários, e eu estava na 1ª leva não por auto-afirmação, mas sim pela vontade mesmo de explorar e marcar caminho!! Ainda assim, soubemos respeitar o ritmo dos “atrasildos” no decorrer do percurso. Né, Guga?

Após quase 40 min, chegamos ao leito de um rio onde tivemos um breve pit-stop. Embora o nível de dificuldade da trilha fosse ideal p/ iniciantes, paramos mesmo foi p/ “rebolar o queixo”. Um riozinho de águas límpidas cortava a trilha no meio do mato e formava de acordo c/ as pedras no caminho, enorme variedade de piscininhas e poços naturais! Pelas infos do nosso “guia”, a trilha agora seguia pelo rio e teríamos que enfiar nossos pés na água, por sinal, geladíssima. Bem, nem tanto, mas a idéia de molhar o calçado não era lá mto agradável. Pior ainda saber que nalguns trechos a água chegava à cintura. Paciência. Quem ta na chuva é p/ se molhar!!!

Após o lanche, lentamente entramos no rio, uns s/ cerimônia, outros sob mta reclamação. Começava então a jornada rio adentro. O engraçado aqui era que sempre havia o cuidado em se molhar o mínimo possível, cheio de frescuras, mas depois de um tempo já não se está + nem aí, joga td p/ cima e molha-se à vontade! A mata ao redor é fechadíssima, e o rio parecia uma avenida em meio aquele arvoredo, q por sua vez filtrava belamente a luz solar por entre suas folhas. Nalguns trechos havia trilhas q acompanhavam o rio por bancos de areia que nos poupavam de andar nele. Não em fção da água, mas pelos trechos pedregosos, q se mostravam besuntados de limo. Enqto isso, conversas e cânticos alternavam impropérios habituais, q rompiam o silencio sagrado do lugar.

Seguimos no rio por meia hora ate dar no tal piscinão (laguinho) que nomina à trilha!! Hora do tchibum! Os q já conheciam o local subiram um barranco e pularam s/ dó! Eu me limitei apenas a entrar devagarzinho naquela água gelada, perpetuando a dura agonia de sentir ouriçar/empipocar cada poro e pêlo do meu corpo, até finalmente mergulhar por completo!!! PQP!!! Procurei me mexer o máximo p/ aquecer o corpo, obvio! Nessas, mergulhei e constatei q ali deveria ter uns 5m de profundidade, c/ o ouvido já doendo! Ficamos então lá um pouco curtindo, nadando, pulando barranco, etc. Se bem que a maioria ficou de platéia mesmo, observando os doidos-de-pedra se divertir naquele gelo!!!

Após o banho, resolvemos dar uma descansada. Deixamos nossos pertences numa clareira c/ visíveis sinais fogueira e fomos explorar os arredores. Descendo um pouco + havia uma pequena cachoeira, onde a queda d´água propiciava agradável massagem, que dispensei pois minha cota de água daquele dia tava consumada!!! Mais adiante, pisando pedras cautelosamente, chegamos num belo mirante!!! De lá tínhamos um visão linda da serra!! Se não estivesse encoberto por nuvens, poderíamos divisar perfeitamente o litoral!!! Ali, a água do rio terminava despencando por inúmeras quedas d´água, para retomar seu curso, serpenteando o vale logo abaixo.

Enqto uma parte permaneceu descansando no mirante, o resto desceu a encosta da mata p/ ver as cachus de baixo!! Desci c/ + 6 pessoas através da piramba íngreme, enlameada e escorregadia, sempre me apoiando nos galhos e arvores + firmes à mão, e logo estávamos na base da cachu! Andei sobre algumas pedras e pude constatar que o visu dali não era menos fantástico que lá de cima!! O conjunto formado pelas cachus, o povo descansando e a mata emoldurando td isso mereceu mtos cliques! Andei um pouco e vi que seguir em frente seria perigoso, visto que as pedras eram + escorregadias, optando por retornar pelo mesmo local que chegara ate ali. Imaginei que a subida fosse +&nbsp, difícil, mas não foi. Cheguei lá em cima c/ o povo e, após permanecer + um&nbsp, pouco apreciando a bela paisagem e jogar conversa fora optamos por retornar à clareira onde deixáramos nossas mochilas. Eram 14hrs e a fome tava apertado.

Retornamos e demos inicio ao sempre bem-vindo ritual da comilança!!! Nutris, frutas, pães, chocolates, biscoitos, cereais e toda sorte de porcarias eram degustados c/ prazer naquele local de rara beleza. De um lado o poção natural, do outro um mirante lindo!!! Quer mais? Conversamos animadamente, c/ direito até a apresentação particular, troca de e-mails e tudo +. Realmente, a trilha estava sendo bem produtiva e gratificante, e ate ali tudo transcorrera na maior paz, tranqüilidade e descontração. Tudo certo mesmo. Perfeito demais até aquele momento.

O ASSALTO
Tudo ocorreu muito rápido. Na hora que me dei conta não havia + nada a fazer. Estava em pé recebendo em mãos o pedaço de papel de alguém, quando subitamente vi vultos emergirem da mata, resmungando algo. Imaginei que fosse gente acampada nas proximidades, entretanto, essa idéia logo se dissipou quando notei&nbsp, que os vultos, agora + próximos e visíveis, estavam c/ os rostos cobertos, armados, e as palavras que nos dirigiam não eram somente palavras e sim ordens: “Mãos pro alto! Ninguém se mexe!!”

PQP, era o que faltava!!!! Não acreditava no que tava acontecendo!!!!! A 1ª coisa que veio à mente era do aviso de levar poucas coisas de valor em fcao daqueles “boatos”. E duro era constatar q era td verdade. Na tentativa de manter o controle, comecei a rir baixinho… de nervoso! Instintivamente, escondi minha máquina fotográfica na pochete de cintura, c/ as mãos p/ trás, me valendo de um povo q tava na minha frente ocultando meu gesto, ainda naquelas de “será-mesmo-que-isto-está-acontecendo?!”.

“Ei, o que é que ce tem aí?? O que ce tá escondendo??”, gritaram na minha direção. O pessoal na minha frente já não me cobria e agora via nitidamente os responsáveis pelo diferencial pitoresco deste fim de trilha: 2 sujeitos de cor parda, na faixa dos 30 anos, c/ camisetas cobrindo o rosto no estilo rebelde-Febem, agora apontando um reluzente revólver na minha direção!! Como tenho apego à minha miserável existência, levantei as mãos calmamente, deixando claro que não tinha nada que pudesse usar contra eles.

“Levanta a camisa aí!!!”, ordenaram. Levantei lógico, nem precisava pedir. “Tem alguém armado aí?”, perguntaram demonstrando preocupação. Deixamos claro que estávamos desarmados e que fazíamos apenas uma trilha por ali, numa tentativa de diluir o receio deles diante do meu gesto meio “suspeito”.&nbsp, C/ domínio total da situação, ordenaram que nos amontoássemos, sentados, num canto à beira do rio e deixássemos tudo de valor junto nossas&nbsp, mochilas, no outro extremo daquela pequena clareira na floresta.

Sentados de costas p/ eles – já que não queriam ser reconhecidos – permanecemos em silencio, naquela situação inesperada e inusitada até!!&nbsp, Silêncio este apenas quebrado pelo zunido de zíperes das mochilas, bolsas e tudo +, abrindo e fechando freneticamente!!! Às vezes um deles dirigia a palavra p/ nós, mandando p/ não olhar, p/ ficar quieto e que tudo ia acabar bem, s/ ninguém machucado. Quiçá pq tenham reparado q uma das meninas chorava silenciosa e comedidamente. Outra, por sua vez, começou a fumar e seu nervosismo era evidente na mão q segurava o cigarro, que tremia feito britadeira!

Num momento encanaram c/ um dos integrantes + velhos do grupo diante de sua recusa em entregar a carteira e o relógio. Mas logo o dissuadimos a não reagir, pq ai senão a coisa ia complicar. Nesse meio termo – enquanto um deles revirava as coisas o outro ficava de olho na gente – afirmava em alta voz o qto éramos estúpidos por estarmos ali, numa região onde&nbsp, fugitivos se escondem, do qto eles não prestavam e o qto nós éramos trabalhadores q tínhamos q ser roubados mesmo!? Vou anotar isso p/ direitos do ladrão. Curiosidade: um deles se “apropriou indevidamente” da bota de um dos caras do grupo, pois achou q era “maneira”, o outro, ao ver isso procurou algum calçado entre nós que tb lhe servisse, perguntando quanto calçávamos. Como ninguém tinha o numero dele, tivemos ainda de ouvi-lo se queixar: “Porra, não tem ninguém aqui c/ meu número??”.

Nem Dali pintaria algo surreal assim..Numa tentativa de minimizar nossas perdas, uma das integrantes do grupo pediu p/ q ao menos deixassem&nbsp, nossa documentação e trocado p/ retornar, pois seriam necessárias 4 conduções! Eles responderam que deixariam o suficiente em determinada&nbsp, parte da trilha, próximo do lugar X, etc. Estavam visivelmente c/ pressa, embora aquele momento realmente parecesse não ter fim!!! E eu torcendo p/ eles não se interessarem pela minha maquina fotográfica.

Enqto se preparavam&nbsp, p/ partir – após enfiarem td do interesse deles dentro de uma outra mochila maior, nossa! – disseram p/ permanecermos um tempo sentados e quietos, p/ depois sumir. Dito e feito: ouvimos eles partirem a passos ligeiros, enquanto o som de mato pisoteado e galhos quebrados foi substituído outra vez pelo da nossa respiração ofegante. Ficamos lá um pouco até q alguém&nbsp, teve iniciativa e se levantou, seguido então pelo resto.

Qdo me virei p/ local onde estavam nossas coisas, a 1ª impressão que tive foi a de que um furacão passara por ali!!! Estava tudo (re)virado do avesso!!&nbsp, Documentos misturados c/ alimentos, meias, agasalhos, toalhas e tudo mais no chão!!! Fui de encontro à minha pochete e meu receio se consumara: minha máquina se fora! Revirei aquela zona de bolsas e mochilas pela minha carteira, na esperança de que ao menos minha documentação e algum trocado tivesse sido poupado. Os documentos achei, a grana não. Palavra de ladrão é isso aí.

Diante daquela bagunça não nos restou opção senão lamentar as perdas, que felizmente não foram tão exorbitantes assim, mas lamentar sim o valor sentimental que alguns objetos tinham em si. Celulares, botas e tênis, artigos de trekking, mochila importada, relógio e até comida haviam sido “subtraídos” naquele “arrastão ecológico”. Enfim, o povo ia contabilizando o que faltava!! Da minha parte, o sentimento de impotência deu lugar ao de revolta. Mas, a medida que via as expressões dos demais c/ algum resquícios de bom humor, o desgosto ia lentamente dando espaço ao de conformismo. “Vão-se os anéis, ficam os dedos”, diz um ditado q serve ao menos de consolo.

A (RE)VOLTA
Apressados, arrumamos td e zarpamos dali. Queríamos sair o qto antes diante da possibilidade deles retornarem e levar + alguma coisa. A passos largos, voltamos pelo mesmo rio que anteriormente vínhamos apreciando, ao mesmo tempo que cada um dava sua versão do fato. Alentávamos ate a probabilidade deles terem deixado mesmo alguns pertences “subtraídos” na tal torre que haviam mencionado e apressamos o passo. Hipóteses eram levantadas: que os larápios já estavam de olho na gente desde o início da trilha, graças a infos de um povo q a gente cruzara ao descer do bus, ate de q eles já estavam de marcação de dentro do busão. Ja os + otimistas diziam que td fora uma simples infelicidade.
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Novamente em terra firme, deixamos p/ trás o rio e, quiçá, nossa animação e empolgação iniciais. Uns amaldiçoavam os marginais (eu!) enqto outros buscavam uma solução prática p/ retornar, pois estávamos s/ grana suficiente. Ao passar pelas torres, nada.&nbsp, Somente no caminho é que havia uma chave sumida, pertencente a alguém da trupe. Deixamos p/ trás a mata fechada e fomos de encontro os milicos q topamos no inicio. Explicamos o ocorrido e nos encaminharam à delegacia da cidade, pois aquela região não era jurisdição deles, dando uma de “João-sem-braço”.

No asfalto aguardamos qq bus q nos levasse onde fosse q felizmente não tardou em passar. Graças à lábia do cara + velho do grupo, garantimos nossa ida vip até Rio Gde da&nbsp, Serra, onde imediatamente fomos à delegacia registrar queixa, embora de lá tb nos empurrassem p/ outro município. De novo não!!! S/ dinheiro? Avisaram à estação de trem que passaríamos ali e que, portanto, nos liberassem da passagem. Como estávamos cientes da morosidade e dor-de-cabeça q viria, resolvemos pegar o trem e voltar p/ sampa, s/ dar queixa! Tem q ter saco até p/ isso! Francamente, pior q o assalto foi esse “empurra-empurra” da lei!

Explicamos nossa situação ao guarda da estação, que nos deixou entrar no 1º trem que passou. Dentro dele, a maioria permanecia em silencio. Tentávamos em vão levantar o ânimo rindo da nossa situação ridícula, c/ algum êxito. Alguém alí disse q ao menos a trilha foi legal, pois teve “emoção”. E teve mesmo! Lentamente, os integrantes daquele grupo – tão desconhecidos naquele inicio de dia e que agora eram quase meus amigos íntimos – se despediam conforme desciam, de estação em estação. Alguns ainda registrariam ocorrência perto de casa, outros pela internet. Mas eu queria apenas voltar p/ casa! E graças à “contribuição solidaria” de uma colega, arrumei grana suficiente p/ tomar metrô e busão. Antes de chegar em casa, não pude deixar de passar no boteco e mandei ver 2 brejas! Fiado, claro!
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Isso ocorreu em março de 2001, mas o episodio permanece vivo na minha mente ate hj. O fato foi q isso me desestimulou totalmente a explorar àquela região desde então, embora sempre permanecesse atento às noticias locais, buscando garantias q me motivassem p/ lá voltar. Aquela região é fantástica, repleta de belos lugares e incontáveis opções de passeios p/ tds gostos! Seria uma pena abrir mão dela por causa de temores s/ fundamento. 7 anos então se passaram p/ q o filho pródigo a casa voltasse. E retornei em 5 ocasiões, constatando q hj a região aparenta bem + segurança q outrora.

De qq forma, esse é um risco inerente de pernar próximo de gdes centros urbanos, onde quer q seja. Atualmente nunca levo nada de valor, apenas o essencial. Deixar de trilhar? De forma alguma. O direito de ir e vir se estende tb à mata, assim como o direito de ir e ver. Basta ter a mesma cautela e “sexto sentido” q se tem na cidade grande. E pé-na-trilha.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/l_trek.html
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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