Bate e volta na Cachu da Usina

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Próximo da capital paulistana, mais precisamente na região de Marsilac (município de Parelheiros), a Cachoeira da Usina é um dos gdes espetáculos que o Rio Capivari proporciona ao serpentear a acidentada Serra do Mar na forma de impressionantes quedas e muitos poções refrescantes antes de desaguar em Itanhaem. Como nosso plano inicial de descer a serra até o litoral fora subitamente cancelado, resolvemos tornar proveitoso este ultimo sábado de sol forte na forma de explorações (e mta curtição) nos arredores desta grandiosa e imponente cachu. Uma queda d“água intimamente ligada com a E.F. Sorocabana e q ainda guarda resquícios – na forma de muitas ruínas – de uma época em q o transito entra a baixada e o planalto era mais intenso, feito exclusivamente por trilhos.


O dia estava perfeito qdo saltamos na estrada de terra q marca o pto final do bus, as 8:40, no bairro semi-rural de Barragem, subdistrito de Parelheiros. As 3 baldeações consecutivas tomadas desde as 6hrs haviam passado desapercebidas diante da empolgação geral do pessoal, composto por este q vos escreve, Danilo, Laureci, Mamute, Roberta, William e Rose. O tempo passara voando, ainda mais embalado pelos animados “causos” do Danilo, especialmente os do “Vô Rafael”. Incrível tb como a apenas 2hrs de viagem já nos víamos longe da verticalidade cinza da paulicéia e agora estávamos nos ares semi-interioranos do ultimo município do extremo sul da capital, com mto mato de ambos os lados. Inclusive, com direito até a uma aldeia indígena assinalada por uma placa da Funai como “Aldeia Barragem”.

Após algumas compras numa vendinha do lado de um quiosque do pto final e algum alongamento básico, pusemos pé-na-estrada no sentido sul, nos distanciando cada vez mais daquele bairro afastado e pacato. Acompanhando a estrada de terra, não tardou a tomarmos um caminho q dela derivava pela direita e q imediatamente nos levou à linha férrea, ou pelo menos ao q restara dela: vinda de Jurubatuba, dormentes desalinhados e carcomidos s/ viga alguma ou apenas um aterro de cascalho amontoado indicava q por ali já passara uma composição ferroviária nalguma ocasião. Contudo, bastou acompanhar esses restos em linha reta, p/ sul, por precária estradinha de terra através de uma larga planície s/ maior desnível, sendo q a pouca morraria presente se encontra desnuda de vegetação e contrastava com a dos morros forrados de verdejante pinus.

Andamos quase uma hora neste local ermo, cruzando apenas c/ 2 pessoas sob o mesmo céu azul isento de nuvens e um sol de rachar cachola. Mas as 9:50 caímos num entroncamento, onde a estradinha prosseguia p/ esquerda, adentrando ao lado duma placa anunciando “APA Capivari-Monos”, o trilho, por sua vez, juntava-se a outro (em bom estado, oriundo da linha Embu-Guaçu) q nos obriga a apenas acompanha-los, sempre em frente. Entretanto, nos chama a atenção uma nova e pitoresca placa presente q com os dizeres “Aviso: é proibido transar sobre a linha férrea”, placa esta q não estava presente das outras ocasiões em q aqui estivera. O conteúdo nos causa certa estranheza, ate o momento em q percebemos q td não passa de brincadeira de desocupados q apenas reagruparam os caracteres da mesma.

Não tardou e logo adiante alcançamos o posto da Guarda Ambiental, onde um jovem camuflado (sempre eles!) nos interrogou pra saber do nosso destino. Explicamos nossa intenção de descer a serra, o q ele já de cara alegou ser proibido, seja por trilho ou trilha, sem guia ou alguma autorização. Aleguei q conheço bem a região e q já fizera o trajeto mais de uma vez, mas o “Rambo” se manteve irredutível. Na verdade, não pode adentrar com cargueiras por aquelas bandas por ser parque, fato reforçado pelas novas placas na linha férrea (aquela q proíbe “transar”). Pois bem, por estarmos num grupo numeroso desistimos de descer a serra “na ousadia” e buscamos uma alternativa pra não perder a viagem, e essa alternativa foi a de apenas dar um rolê na Cachu da Usina. Mas acontece q ate isso o cara encrencou, afirmando q não poderíamos seguir pelo trilho do trem, apenas por trilha na mata e q se fossemos pegos andando rente a linha seriamos conduzidos à delegacia. Daí ele nos deu a alternativa de seguir rumo o Sitio do Jamil, lá “acampar” e fazer os passeios dos arredores. Paciência, q assim fosse então.

Meio q frustrados com essas novas “normas” e mudança súbita de planos, acompanhamos os trilhos – sujos do farelo q cai dos vagões – e logo caímos na Est. Evangelista de Souza, simpático pit-stop de trens q ganha este nome em homenagem ao Barão de Mauá. Alem do óbvio lixo ferroviário e mtos vagões detonados pelo tempo, algumas casinhas habitadas e a presença de um simpático boteco dão alguma dignidade ao local, q nada mais é p/ manutenção aos trens e linha, propriedade da ALL (América Latina Logística).

No final da estação, à direita, tomamos uma discreta picada q desce um pouco em meio a mata e logo nos deixou num alambrado, onde um tal de Eduardo (q apelidamos de “Bola Sete” devido à sua enorme pança) nos recebe no tal Sitio do Jamil. Lá explicamos nossa situação e o gorducho nos deu algumas dicas de como proceder pra conhecer os arredores sem problemas, mas claro, “puxando a sardinha” pra si. Em suma, sacamos as sgte “regras informais”: não pode andar de cargueira pelos trilhos q vc vai ser parado, mas mochila de ataque pode, se for andar pelos trilhos, evitar dar na vista de maquinistas, pois estes irão te dedurar à Guarda Ambiental por radio, q virá te buscar na seqüência, se for parado, dizer q ta apenas indo pra algum sitio próximo, como o do Rosalvo ou do Elias (a frente do Jamil). Pronto. Assim, após perder um tempão conhecendo o tal Sitio/Camping do Jamil tb decidimos não permanecer ali de jeito nenhum pois o lugar era tosco demais, sem infra alguma, tinha carrapatos e td era mto distante. Apenas deixaríamos ali o excedente de peso e seguiríamos pra cachu, conforme previamente combinado. Entretanto, nem isso bastou pra não sermos desfalcados de um dos nossos integrantes, o Danilo, q diante da mudança súbita de planos resolveu voltar.

Pois bem, deixamos nosso excedente no Jamil e pegamos apenas o necessário pro dia nalgumas mochilas menores pra em seguida nos lançar com pé-no-trilho, literalmente. Ao nos afastarmos da estação logo estamos sós, num piscar de olhos a paisagem muda completamente em relação à pernada inicial, e a verdejante e exuberante Mata Atlântica se faz presente com força, salpicada de esporádicos reflorestamentos de pinus. Assim, as primeiras curvas&nbsp, vem sucedidas do q parece ser um cânion forrado de pinus, c/ os trilhos sendo emparedados pelas montanhas, nos providenciando refrescante sombra naquela tarde quente e ensolarada.

Após um pé-de-ameixa aparece nosso primeiro pontilhão, onde apreciamos as belas panorâmicas da região. Olhando pra baixo, o Rio Monos serpenteia a mata em meio a rocha e praias fluviais p/ se perder no Capivari, mais adiante, à sudoeste. A pernada prossegue apenas pra encontrarmos + lixo ferroviário e vagões descarrilados, pra logo em seguida darmos de cara c/ o enorme trem passar pela gente, vindo do litoral, trepidando as proximidades dos trilhos! Afinal, estamos na Ferrovia Ferro-Norte (ou Mairinque-Santos), a qual hoje passa somente trens de carga, ligando Santos e Cubatão ao resto do país.

Mais adiante uma nova ponte, desta vez sobre o cristalino Rio dos Campos, q marulha sinuosamente serra abaixo. No final da ponte, uma lacônica placa nos lembra sem necessidade q estamos nos domínios do PE Serra do Mar. Antes, porem, o forte calor nos obriga a uma breve parada à sombra de uma pequena arvore a fim de nos proteger do forte sol daquele inicio de tarde.

As 13hrs e 6km desde a Est. Evangelista, avistamos ao longe o túnel 27. Antes, porem, a quase 100m (antes) do mesmo, saímos dos trilhos e entramos numa picada à direita, ornada por um colorido jardim de marias-sem-vergonha. Esta sobe um pouco na mata fechada, a oeste, mas depois bordeja um laguinho e um morro pela direita, através de matacões de samambaias, p/ logo a seguir descer suavemente em direção ao som de água, q vai aumentando conforme nos aproximamos. É uma trilha bem batida e larga até, c/ cara de ser trilha de manutenção.

Quase 20min após sair dos trilhos emergimos da mata diante de uma “ponte” sobre o Rio Capivari, cujas águas calmas contrastam c/ o rugido das corredeiras e de sua enorme cachu, + adiante. Claro, “ponte” é apenas uma forma gentil de nos referirmos àquilo, q nada mais são restos do q outrora fora uma, caindo aos pedaços, o alto não tinha piso firme e fixo, e o mesmo se alternava em vigas de ferro e tabuas podres. Atravessa-la certamente deixaria Indiana Jones orgulhoso! Pois bem, cruzamos a dita cuja c/ cuidado, apoiados num cabo de aço esticado em td sua extensão, pisando nas tabuas menos podres (e mais confiáveis) q restaram, ou seja, nem a metade, pq vc anda se equilibrando numa viga a maior parte do tempo, observando o rio 20m abaixo. Só assim pudemos passar pra outra margem. Bem, quase todos. Como a Roberta e a Rose não sentiram firmeza em cruzar por cima, o Mamute tentou buscar algum acesso raso por baixo, pelo rio, sem sucesso. Daí restou pras meninas cruzarem por baixo da ponte mesmo, se segurando com força num cabo de aço disposto entre as margens justamente pra essa finalidade, com água ate a coxa, sem gdes dificuldades.

Após a “ponte Indiana Jones”, a picada desemboca nas ruínas da pequena vila operaria da Usina de Capivari, espécie de “Machu Picchu” tupiniquim! O mato parecia invadir o q restou das pequenas acomodações de quem outrora trabalhou ali, mesmo assim, havia resquícios de fogueiras, arapucas e pichações nas paredes daquele tesouro de valor histórico, já q ali era uma usina pra gerar energia p/ telegrafo, a vila operaria e a ferrovia no inicio do século! Das ruínas partia outra trilha q levava à uma comporta da barragem e a poços em meio às corredeiras, cujas águas furiosas caiam de cima da mesma, a 10m de altura! E foi ali q fizemos nosso primeiro pit-stop de relax, nos rochedos em meio aquelas águas selvagens a fim de descansar e beliscar alguma coisa. Eu e mais um povo ate andamos pelo leito rochoso ate o alto da cachu, perto dali, apenas pra nos deslumbrarmos com o belo espetáculo q se descortinava a nossa frente! O rio despencava ruidosamente numa imponente cachu por mais de 70m, pra cair sucessivamente noutras quedas menores garganta abaixo e se afunilar cada vez mais, garganta abaixo. Realmente, o Vale do Rio Capivari q ali se abria com td seu esplendor era uma visão bastante inspiradora, suscitando ate novas idéias de empreitadas..e quem sabe uma nova descida de rio?

Pois bem, após aquela exploração inicial, hora do tchibum! Como ali as águas não permitiam banho, tomamos a bifurcação da trilha q nos levava às prainhas fluviais da parte represada, com águas mto mais calmas, e bem próximas da base arenosa da ponte q havíamos vencido corajosamente minutos antes. E lá td mundo mergulhou na água e se refrescou de acordo, zombando do sol forte de meados daquela tarde. Eu ate me presenteei com um breve cochilo, mas não por mto tempo.

Como já havia estado aqui noutras duas ocasiões, mas sempre minhas estadias haviam sido breves o suficiente pra me limitar apenas às prainhas, sem maiores ataques as redondezas. Pois bem, desta vez quis fazer a diferença! Vendo q o pessoal tava de bobeira e no relax, resolvi me embrenhar na trilha q partia atrás da vila operaria, acompanhando o curso do rio, cachu abaixo em meio à mata. Já de cara surge uma bifurcação e tomo a esquerda, q não tarda a me levar noutras comportas de represamento até terminar numa precária escadaria de cimento (tomada por limo e mato) q acompanha as tubulações serra abaixo. Num desnível bem acentuado, estas tubulações vão dar numa “casinha de maquinas” escondida na mata, visível do alto da cachu. Retornando à bifurcação tomei então a ramificação da direita, q se manteve em nível e um tempo depois emergiu da mata numa espécie de mirante de onde se tem um visu espetacular de boa parte da Cachu da Usina, assim como de td Vale do Capivari! Prosseguindo pela picada logo a mesma se estreita e torna a se enfiar na mata, ate dar nas fundações cimentadas do q deve ter sido outro antigo aqueduto. Daqui a picada bordeja uma encosta florestada de serra ate dar num belo riachinho (afluente do Capivari) despencando em vários poços e mini-cachus pro se perder nas entranhas do Vale do Capivari. A partir de então a picada ganha bifurcações na mata, mas a principal parece acompanhar o curso deste riachinho, montanha acima.

Retornei rapidamente ao mirante onde me pareceu ter visto outra bifurcação mais interessante. E realmente era. Daqui parte uma picada com gde declividade (superior a 45 graus!) q desce forte ao longo de mais de 50m montanha abaixo! A picada nada mais é o q sobrou de um trilho com alguns dormentes remanescentes (q agora servem de escadas!) do q deve ter sido um bondinho ou teleférico q dava acesso à tal “casinha de maquinas” supracitada. Ao lado desta despencava em varias cachus e poços o riachinho encontrado na picada acima, e seguindo cuidadosamente pelo seu leito pedregoso deu noutro belo mirante com vista privilegiada de td Cachu da Usina, com td seu volume d´água despencando ruidosa e furiosamente serra abaixo! A “casinha de maquinas”, por sua vez, é outra historia: tomada de umidade e barro até o tornozelo, vc só circula em seu interior pulando pelas pedras, lajes e tabuas dispostas pelo seu chão alagadiço, no qual há alguns buracos fundos, e onde não duvido q o local sirva de moradia pra td sorte de bichos. O local é meio sinistro, o constante gotejamento e o jogo de luz/sombra nas janelas lembram aquela fabrica do Freddy Kruger (de “A Hora do Pesadelo”) mas tem seu charme, embora td pixado, o velho maquinário ainda guarda restos do antigo fogão e da caldeira, de parte da cozinha e do azulejo ornamental original.

Voltei td novamente pra reencontrar a galera as 17hrs, no mesmo momento em q retornávamos pro Jamil, decididos a voltar pra capital ainda naquele dia. A volta pelos trilhos foi feita a passo de lesma-com-preguica em virtude do cansaço acumulado e pela dificuldade de andar em trilho de trem propriamente dito. Embora largos, andar pela linha do trem é algo q requer ótimo calçado, coordenação e atenção, mas q após certo tempo se adapta facilmente, embora exija bastante do joelho. Felizmente, a volta foi mto mais agradável em virtude da sombra q a ida, e assim alcançamos o Jamil as 19hrs. O Bola-Sete bem q tentou nos seduzir a pernoitar lá, seja com bebida, uma suculenta feijoada, com visita ao Mirante e Cachu dos Pilão, mas não teve jeito. Queríamos mesmo voltar pra dormir casa. Bye, bye! A aventurinha já tinha valido a pena.

Dessa forma, voltamos td percurso feito pela manha com direito a cruzar com uma elétrica cobra no meio da estrada, ate dar no Bairro da Barragem as 20hrs, a tempo de tomar o ultimo busão q partia repleto de crentes. Em Parelheiros estacionamos num boteco pra bebemorar o dia produtivo e ter noticias do Danilo pelo celular, q nos contou q desceu pela linha férrea ate o litoral s/ maiores problemas, c/ direito ate a carona de trem por quase 6km. Isto é, tds saíram satisfeitos daquele sabadão de muito sol e calor! E q imprevistos e mudanças de planos de ultima hora podem ser tão interessantes qto as intenções originais, com direito a novas idéias pras próximas incursões na região. Afinal, alguém já não havia sugerido parágrafos acima uma descida de rio pelo Vale do Capivari? Pois é, e q programas e circuitões na Serra do Mar paulistana é o q não faltam. Sejam eles por trilhos ou até mesmo por trilhas.

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Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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