Bate-volta no Parque Mata dos Godoy

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Já ouviu falar do Parque Estadual Mata dos Godoy? Pois é, nem eu. Até o mês passado, claro, qdo estive la de passagem. Resumidamente, o PEMG consiste numa das últimas e importantes reservas florestais do Paraná, não apenas devido a sua área continua de mata nativa como tb ao seu estado de conservação da biodiversidade. Situado a 20km de Londrina (norte do PR) e cujo nome homenageia a família proprietária do terreno no qual está inserido, o lugar é mais um daqueles obscuros roteiros injustamente pouco divulgados e com freqüência quase nula de visitação. Isso se levarmos em consideração a escassez de áreas de mata nativa numa região onde a horizontalidade geométrica de lavouras domina a paisagem desta região do Terceiro Planalto do estado.

Após rodar pelo Terminal Central e estacionar no Terminal do Shopping Catuaí, não tardou mto pra eu e a Lau embarcar no busão q nos levaria fora dos limites de Londrina. O “Regina – São Luiz (211)” partira pontualmente as 8:30hrs e deixava a cidade pra trás num piscar de olhos, tomando rumo inconfundivelmente pro sul, em linha quase reta, pela Rod. Est. Álvaro L. Godoy (PR-528). O cinza e verticalidade tipicamente urbanas cediam então lugar à horizontalidade esmeralda da paisagem, emoldurada pela janela do coletivo sob o forma de roças, lavouras de cafezais e plantações de perder a vista. Td isso espremido no horizonte pelo firmamento límpido e translúcido, isento de qq vestígio de nuvem. Um típico domingo de tempo perfeito.

Viagem breve, os 18km passaram quase q desapercebidos e após cruzar o minúsculo vilarejo rural de Vila Regina, as 9hrs saltávamos a beira do asfalto na frente de um enorme pórtico de madeira no meio da estrada. A sinalização é bem eficaz e bastou andar um pouco pra tocar num estradão de terra saindo pela direita, na sequencia. Contudo, uma coisa nos chamou a atenção já logo de cara do emplacamento do parque:  o esdrúxulo horário de visitação, sendo q domingos e feriados o mesmo era das 13:30hrs ás 17hrs!? Nos demais dias o expediente comecava pela manha, e ainda assim a visita devia ser agendada. Peralá, como assim? Bem, sem guarita nem nada entramos assim mesmo e seja o q Deus quiser.

Com seus inconfundíveis estridentes piados, duas simpáticas corujinhas protadas no gramado ao lado pareciam nos dar as boas-vindas aquele improvável lugar situado no meio do nada e lugar nenhum. E assim fomos avançando pelo já mencionado estradão, q se distanciava cada vez mais da PR-528 e parecia ir de encontro num gde foco de mata q já era avistável desde longe, q por sinal devia ser a mata nativa q nomina o lugar. A Lau, por sua vez, já se animou com frondosos pé-de-manga e de goiaba repletos do fruto no caminho, da mesma forma q um simpático pulguento (q depois revelou-se “menina”) resolveu colar conosco. Não bastasse isso, ao intrépido trio juntaram-se mais 3 cachorrinhos, q por sinal eram crias do primeiro integrante animal da trip. Pronto, o “sexteto explorador” estava formado.

Não demorou muito e o estradão desembocou num gde estacionamento e noutra casa de guarda-parque, aparentemente vazia. Bem q tentamos passar desapercebidos, mas outro estridente cão fez questão de nos anunciar. Foi ai q apareceu o Clóvis, com cara q havia recém-levantado, guarda-parque do lugar q solicitamente desfilou informações pertinentes ao lugar. Nos contou q o parque é recente (foi criado em 89) e antigamente fazia parte da Faz. Helena, cujo proprietário fez questão de conservar td mata original ao invés de devastá-la em favor de cafezais, e tinha como aliado a UEL, q ajudou a garantir esta preservação; q apenas 10% dele é aberto ao público (o resto é pra pesquisa ambiental); q era proibida a permanência de animais domésticos (os pulguentos q nos acompanhavam haviam sido abandonados por alguem ali); e q havia 3 trilhas interpretativas sendo q apenas duas poderíamos percorrer sem necessidade de guia ou monitor ambiental, as quais nos indicou a direção.

E lá fomos nós, após passar rapidamente no cto de informações aos visitantes onde assinamos um livro, nos embrenhar numa trilha q havia logo atrás do tal centro, as 9:40hrs. E claro, sempre com os quatro pulguentos na nossa rabeira. Mergulhamos então no frescor da mata, q aquele horário era mais q bem-vinda pois a temperatura aumentava rapidamente. Sem saber, palmilhávamos os menos de 800m da tranquila “Trilha do Projeto Madeira”, q sinuosamente se esgueira em meio a farta vegetação atraves de uma vereda ora de chão ora calçada com pequenos paralelepípedos. A picada ganha este nome pois durante td trajeto se observam plaquinhas identificando o arvoredo dali. Exemplares como Canafístula, Sobrasil, Gurucaia, Louro-pardo, Guaritá, Jacarandá e Ipê-roxo surgem em cada canto, embalados no canto metálico das arapongas.

Desembocamos, enfim, numa choupana (na verdade, uma área de descanso) com alguma infra, de onde partiam duas picadas bem próximas, a “Trilha dos Catetos” e a “Trilha dos Perobas e Figueiras”, sendo q a primeira estava sinalizada e a outra não. Claro q tomamos a dos “Catetos” e la fomos nós, sempre acompanhados pela cachorrada a tiracolo. Esta vereda é larga e sem desnível algum, tem menos de 1km e basicamente acompanha um trajeto linear e retilíneo q rasga a mata fechada sentido noroeste. Portanto, alguém se perder aqui é algo bem improvável, ou se por ventura conseguir esse feitio por favor me avise pra notificar o Guinness. Há alguma mata tombada no trajeto mas nada q não possa ser contornado sem arranhões ou maior esforço.

Além da farta flora, dizem q a noite a bicharada dá as caras por aqui, como por exemplo tamanduá-mirim, tatu, macaco-prego, onça-parda, lontra, quati, anta, capivara, o quase extinto gato-mourisco, jacús, papagaios, tucanos, anambés, veados e cotias…ufaaa! Mas até lá nos contentamos apenas em ouvir a cantoria dos pássaros nalgum lugar do arvoredo do entorno, quiçá reclamando da nossa intromissão em seu território. E lá continuamos nós andarilhando em linha reta, descompromissadamente e sem dificuldade nenhuma. E a cachorrada sapeca logo atrás. Como se já não bastasse a facilidade da trilha, no trajeto ainda há algumas marcações de fitas em caso de alguma duvida em relação ao “sentido” a ser tomado, alem de um marco de cimento (repleto de musgo) comemorativo da inauguração do parque.

Mas é ao atingir o final da trilha, por volta das 10:30hrs, após ser contemplados pelo frescor e silêncio da mata fresca, q se tem um tapa na cara q nos traz de volta a realidade. A picada dá num gigantesco descampado, com vestígios de lavouras secas recém-colhidas. Estéril e vazio q contrasta com td verdejante  e pulsante vida avistada até ali. Noutras, estávamos nos limites do parque. Retomamos o fôlego e iniciamos assim o retorno pelo mesmo caminho, claro. Só depois, em casa, tomamos conhecimento q próximo daqui há outras duas picadas não muito divulgadas mas igualmente interessantes: a “Trilha do Peter”, q retorna quase q em paralelo á dos “Catetos”, e num piscar de olhos nos leva de volta a choupana; e outra q vai dar nas margens encachoeiradas do Ribeirão Apertados, o curso dágua importante q rasga o parque de leste a oeste e é a principal fonte do precioso liquido a fauna e flora local. Pois bem, fica a dica pra quem vier aqui com mais tempo e disposição de ir atrás dessas veredas.

Uma vez de volta a “choupana divisora de trilhas”, resolvemos tomar a outra picada não sinalizada, mas q corresponde a “Trilha dos Perobas e Figueiras” e revelou-se muito mais interessante q a outra. Pq? Simplesmente por ser mais estreita, maior (quase 2,5km), sinuosa e ter mais aspecto de picada no mato mesmo, além de ser considerada a mais importante de tds pois mostra a parte mais conservada do parque, havendo uma maior diversidade de flora, onde é possivel apreciar a exuberância da Mata propriamente dita. Dizem q esta trilha precisa de guia-monitor-qq-coisa-q-o-valha justamente por ser mais confusa (e é mesmo), e quiçá por este motivo tenham removido a sinalização dela. Entendeu agora pq particularmente gostei mais desta picada?

Pois bem, eu e a Lau enton nos pirulamos por essa picada q mergulha fundo na mata, sempre acompanhados pela cachorrada td serelepe logo atrás. E la fomos serpenteando o caminho q as vezes parece se perder, mas logo adiante reaparece firme e forte. Mata tombada surge vez ou outra, mas nada q não possa ser contornado. E de fato, esta vereda merece o nome q ostenta pq durante td trajeto somos brindados com belos e enormes exemplares de Perobas Rosa, Figueiras Brancas e Figueiras do brejo! Raizes tubulares enormes servindo de base pra troncos maiores ainda surpreendem pelo tamanho, portanto não duvido muito q estas raizes tenham servido de abrigo aos pioneiros, pois comportam facilmente uma família inteira segundo as infos do folder local. Outro destaque é uma imponente peroba caída, onde este gigante da floresta resiste a decomposição quase 30 anos após seu tombamento…

A pernada prossegue nesse mesmo compasso, inipterrupta, qdo vou percebendo q lentamente vamos mudando de direção, como q retornando. De fato, o trajeto desta vereda é circular e logo nos deparamos com um decrépito portal de madeira, q caindo aos pedaços e parcialmente engolido pelo mato, devia ser o antigo acesso de entrada á trilha. Num piscar de olhos estamos novamente na choupana e, na sequencia, no centro de visitantes, onde como legítimos donos-do-pedaço naquele dia lindo e ensolarado, nos prostramos pra descansar e beliscar alguma coisa. A cachorrada não se faz de rogada e, como se tivesse tido seu quinhão de aventura matinal, desaba no fofo gramado do entorno.

Pra nos então a aventura terminara. Passava do meio-dia e tínhamos compromissos pendentes pelo resto do dia, e por este motivo fomos embora naquele mesmo horário, porem satisfeitos por ter conhecido de sopetão e mesmo q superfialmente aquele pequeno oásis local. Dureza foi ter de aturar quase uma hr de espera o busao passar pelo asfalto da PR-538, enqto cozinhávamos  sob aquele sol escaldante, onde o calor parecia emanar do chão. Pois é, se soubéssemos com antecedência da dica da trilha q levava ao Rio Apertados estaríamos agora lá, nos refrescando a contento naquele calor infernal! Pra nossa surpresa, qdo deu 13hr – horário em tese do pq abrir – a porteira da frente ainda continuava trancada, numa clara mostra de desrespeito aos turistas (poucos, claro)  q ali chegavam motorizados, e iam embora não tendo onde estacionar. Uma pena.

Curiosamente, os sites anunciam q o PEMG, com td seu tamanho equivalente a 700 campos de futebol, como um dos grandes ptos de turismo em Londrina, recebendo trocentos visitantes de outros estados e países. No entanto, é de se espantar q ninguém de fato aqui o conheça. Mas o motivo é mais q claro. A divulgação quase nula e a ausência de uma forma decente de incentivar sua visitação, a começar pela mudança de horário (esdrúxulo!) de entrada, assim como a necessidade de guia/monitor pra trilhas facílimas são alguns destes fatores q desmotivam. Prum lugar q de fato é um oásis mais q bem-vindo em meio a horizontalidade de lavouras de perder a vista neste norte parananense, o PEMG pode ser um belo exemplo de conservação da biodiversidade, mas deixa muito a desejar no quesito de sua própria auto-promoção.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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