Prepare-se, esta sequência acerca dos animais será bem longa, ainda mais quando intercalada com algum relato sobre montanhismo.
O melhor de minhas férias quando menino na fazenda da família era o contato com os animais. Desde então, eles continuaram presentes na minha vida. Este hábito virou memória e afeição. Vou então falar longamente sobre eles, a começar pelos cães.
O cão foi o primeiro animal domesticado pelo homem e, diferentemente do que se possa pensar, isto aconteceu bem antes da agricultura. É possível que a domesticação tenha começado a partir de 30 mil anos atrás e há fortes indícios de que existia há 15 mil anos. A revolução agrícola data de menos de 10 mil anos.
Provavelmente a aproximação entre as duas espécies aconteceu quando os homens primitivos notaram que certos lobos, chacais e coiotes rondavam os seus acampamentos. Eles viram certa utilidade nisto, pois poderiam alertá-los da presença de animais perigosos.
Talvez os tenham capturado e selecionado, descartando os mais ferozes e procriando os mais obedientes. Estes animais passaram a ser usados na guarda, na caça e depois no pastoreio, em troca de alimento e abrigo. Uma relação vantajosa para ambos.
Os laços entre homens e cães foram fortalecidos pelo convívio milenar. Acredito que algumas de suas características foram fundamentais para favorecê-los e para atrair os humanos.
Como animais de força, têm a tendência inata de aceitar um único chefe, identificando o homem como o líder da matilha. Como animais gregários, desenvolveram o aprendizado a partir da imitação. E sua descendência dos lobos tornou-os vigorosos, resistentes e velozes – e também inteligentes, adaptáveis e comunicativos.
Alguns acreditam que os cães resultaram de cruzamentos entre lobos, chacais e coiotes. Mas é mais provável que sejam uma subespécie do lobo cinzento, do qual teriam se separado na Ásia há 100 mil anos.
O lobo teria surgido 300 mil anos atrás, no Pleistoceno. Ele descenderia do antiquíssimo eucyon. Existe também a suspeita de que cães não viriam de lobos e sim de um ancestral comum, do qual ambos teriam ramificado há um milhão de anos.
Lobos são maiores e possuem cérebros mais pesados que cães, por viverem em ambientes que exigem respostas mais rápidas e extremas. Entretanto, o desenho anatômico é o mesmo: pelos e ossos, músculos e nervos. E o comportamento é também semelhante: hábitos de povoamento e alimentação, qualidades de adaptação e comunicação.
Do Oriente Médio, os cães chegaram à Europa e depois às Américas, embora já lá houvesse outras raças. Mas existem estudos que afirmam ser a espécie originária não da Ásia, mas da América do Norte.
Ao longo da história, foram reverenciados como conhecedores dos segredos do além, associados aos deuses da cura, usados em espetáculos de luta ou em atividades de guerra, considerados como próximos às trevas e às bruxas, vistos como sinais de riqueza e, recentemente, tornados universalmente animais de estimação.
Existem hoje algo como 400 raças caninas, divididas em uma dezena de grupos – como os pastores, os terriers, os sabujos e os dachshunds. São provavelmente mais de 350 milhões de cães de estimação no mundo, sendo 50 (ou talvez 30) milhões no Brasil. Naturalmente, há muito mais cães falando chinês ou inglês do que português.
O sentido mais desenvolvido nos cães é o olfato, com 30 a 40 vezes mais nervos e células olfativas do que o homem. Suas narinas funcionam independentemente entre si e existe separação entre os fluxos de ar necessários ao olfato e à respiração. Isto os torna os melhores farejadores do planeta.
Sua audição é muito rápida e de alcance quatro vezes maior do que a nossa. Mas a visão e o paladar são um tanto pobres. Embora com visão noturna sensível, os cães apenas enxergam o azul e o amarelo, além do branco (conjunto de todas as cores) e o preto (ausência delas). O tato e o olfato são os primeiros sentidos usados pelos cães ao nascer.
Graças aos seus sentidos apurados, os cães provavelmente sabem muito mais sobre seus donos do que estes sabem deles: de onde vieram, se estão doentes ou nervosos, como se alimentaram, se têm pressa ou cansaço, com quem estiveram.
Mas há um aspecto nos cães que acho glorioso: o olhar. Ele é diferente de qualquer animal que conheço. Esse contato visual produz um hormônio (o mesmo das mães com os bebês) que aumenta a conexão emocional.
No homem e no animal ele gera sentimentos mútuos de confiança e proteção. A visão é 85% da percepção humana. Para eles, entretanto, a visão é secundária. É como se os cães tivessem se apropriado do nosso principal mecanismo de relação.
Infelizmente os cães sofrem de artrite e depressão, compartilhando também muitas das doenças humanas. E vivem pouco, com expectativa de apenas 10 a 20 anos. Portanto, procure aproveitar e retribuir o seu carinho e lealdade. Se tiver filhos, tenha também um cão, vai torná-los pessoas melhores. E seu cão continuará criança quando seus filhos não mais forem.