Canionismo no Índios Coroados

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O despertador do celular trina, pontualmente, no horário marcado. É noite ainda. Estrelado, o céu exibe, ainda, uma lua crescente. Eita planeta gostoso este onde vivo.

Maria, quando chego no refeitório, já está com meu desjejum pronto. Como 2 bananas, torrada de queijo e presunto, mais um copo de leite. Kaloca, atrasado, chega às 5:45.

Embarco no táxi e nos tocamos serra do Faxinal acima. Um pouco além do posto do ICMS, descemos e enveredamos pela trilha, uma curta caminhada, até a borda do cânion dos Índios Coroados. Vamos rapelar o vértice sul deste perau.

Logo alcançamos a primeira cachoeira. Kaloca, já ciente de que não gosto muito de cachoeira bombada, ancora a corda de modo a dar um balão na água. Assim, eu desço, no seco, pelo paredão de granito de 25m coberto de arbustos. Minha perna direita enreda-se nuns galhos, sem me atucanar, eu me desvencilho das ramagens e completo o rapel com facilidade. Quedo então, surpreendida pelo espetacular cenário do vértice norte, já visível do ponto onde me encontro.

As águas de sua primeira cachoeira despencam 30 metros até uma big e larga plataforma, e seguem jorrando por um paredão vertical de 80m, bifurcando-se em duas vertentes brancas e espumosas, uma paralela a outra. O rapel, Kaloca explica, é feito no meio delas.

Impactante a visão daquelas torres líquidas! A agressiva pirambeira suaviza-se um pouco e cede lugar a uma rampa – suave se comparada com o paredão que lhe antecede ? para, algumas dezenas de metros adiante, retomar, novamente, sua vocação vertical, escoando, em turbilhões nervososos, as águas do rio Molho Côco, noutra queda, esta com 60m. Uma bruma úmida paira no ar tal qual fumaça….fumaça líquida, bem entendido!

Impactante este cânion e seu vértice norte. Não o imaginava tão bonito assim, estou adorando estar aqui!

O próximo rapel também é feito no seco, pela lateral da cascata cuja altura é de apenas 10m. Dá pra sentir que estou ainda no início do cânion devido à profundidade de suas paredes. Caminhamos ao longo da margem direita do rio e atravessamos um pequeno túnel cavado nas rochas, super mimoso ele, até o rapel seguinte, cuja cachoeira, de 25 metros, forma uma rampa de pouca declividade. Suas águas, por isso, escorrem mansas pelas rochas.

Paramos mais adiante pra comermos algo. Kaloca pergunta se eu quero dar novamente um balão em duas cachoeiras de modo a evitar seus dois profundos e gelados poços. Não me faço de rogada, é claro. Aceito, sem piscar a oferta porque o ar ainda se faz fresco, afinal, são apenas 9 horas (oito pelo horário de verão). O paredão apesar de seco, está cheio de espessos e abundantes galhos. Enredo-me diversas vezes enquanto desço…..arre!!

As três cachoeiras seguintes, de 25, 10 e 30m, são feitas dentro d?água. A última, mais técnica, devido à concavidade de suas paredes, forma um escuro brete, quase em seu final, uma enorme rocha exige mais habilidade. Um pouco atrapalhada, com receio de pendular, bato com o cotovelo e esfolo levemente o dorso das mãos apesar das luvas. Putz, que merda! Quando chego ao poço tomo um caldo e entra água no meu ouvido….droga!

Agora, sim, me dou conta de que estou a centenas de metros abaixo da borda do canion, já ao nível do poço da cachoeira de 60m, pertencente ao vértice norte, que avistara de longe, há bem duas horas.

Passo ao largo de seu escuro poço, faz frio ali. Restam, ainda, mais três cachoeiras. Preparo-me pra descer a maior cachoeira do vértice sul com uma altura de 40m. Está muito cheia, arrepio-me ao ver o que hei de enfrentar. Contudo, meus receios diminuem à medida que a rapelo. O maior perrengue ocorre quando alcanço seu poço onde uma enorme rocha represa a água, criando assim uma espécie de redemoinho. Com certa dificuldade, saio daquele sorvedouro após enérgicas braçadas. Contorno a colossal pedra, abrigando-me, atrás dela, do forte vento que sopra.

Kaloca conta que foi aqui, neste poço, ao descer de outra cachoeira, situada ao lado e, igualmente alta, que Pimpa, há um mês (havia chovido três dias sem parar e o rio estava incomparavelmente mais cheio), porque largara a corda ao alcançar o poço, foi tragado pela correnteza, despencando pelas duas cachoeiras seguintes com, respectivamente, 6 e 12 m. Só teve uma costela trincada, dá pra acreditar?!!

Fico apavorada imaginando a cena. Não foi sorte o que aconteceu com Pimpa, foi um milagre, isso sim! Rapelo as duas restantes também pela água. A última, embora nada alta, exige certa técnica.

Tiramos as roupas de neoprene e sentamos pra almoçar. Preguiçosos, lagarteamos ao sol enquanto conversamos. Um dia perfeito! Os rapeis terminaram, agora apenas caminhada pelo leito do rio. E que caminhada! Conforme cálculo de Kaloca, serão 4 horas……aiaiaiai. Olho o relógio e os ponteiros marcam exatas 14 horas.

Este cânion é bem mais difícil de caminhar do que o Malacara. Mais agressivo, apresenta pequenas cascatas que tem de ser transpostas sem corda. Muitas rochas altas demandam escalada e desescalada. Passo um perrengue numa delas. Kaloca exige que eu treine meu equilíbrio, por isso não consente que eu me arraste de bunda, meu modo habitual de enfrentá-las. Que sufoco! Assevera a inflexível criatura que eu me judio bem mais “andando” desse jeito, porém eu prefiro à minha moda. Ele me dá uma dura e lasca: “é pro teu bem, Biazinha.” Este guri está me fazendo passar um sufoco……aiaiaiai, putz grila!!

Já quase na saída do cânion, Kaloca indica uma garganta menor que desemboca à margem esquerda do Índios. É o Molho Côco, canion de menor expressão na região. Quando estamos pra deixar o cânion, prestes a pegar uma trilha lateral, escutamos uma voz a nos chamar do outro lado do rio. É seu Osvaldir, morador de Vila Rosa. Roçava uma plantação de banana por aquelas bandas, segundo comenta no decorrer do trajeto. Conversamos os dois, enquanto Kaloca, à frente, usa o facão pra cortar um pouco da mata que se encontra bem cerrada.

Seu Osvaldir, ao encontrar uma pequena muda de palmiteiro, oferece-me-a. “Pra usar como decoração”, responde, após saber que moro em apartamento. Recuso, entretanto, o gentil presente. Alcançamos a moto às 18:30 e nos despedimos do simpático homem que segue em frente (ele usa umas botas de plástico branco, de cano alto, e tem as pernas todas lanhadas e sujas de sangue).

O termo mais adequado pra definir meu estado físico, não é cansada, mas apaziguada! Bom início de ano, no frigir dos ovos estou tendo, hein?! Sinto-me energizada e pronta a enfrentar a rotina de trabalho que me aguarda amanhã, em meu retorno a Porto. Que venga 2009!

Beatriz Azevedo mantém o blog Cuca de Prata. Não deixe de visitar!!!

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