Espremido entre o Malacara e o Índios Coroados, dá pra vê-lo da estrada geral da Vila Rosa. Com uma extensão de 2 km, é bem menor que esses dois. E pra lá vamos num sábado nublado embora os búzios meteorológicos não anunciem chuva. Surge, na banda ocidental, o olho vermelho do sol, colorindo a barra do horizonte. Pouco dura, entretanto, o espetáculo. A breve trégua do nuvaredo pouco dura, e, logo, o céu reassume aquela desconsolada tonalidade acinzentada.
A caminhada de aproximação até o vértice da parede norte dura 1 hora e 30 minutos. A primeira cachoeira tem 105 metros. Vamos fazê-la em três cordadas. Olhando de cima, nem parece tão alta. Rapelo apenas 10 metros dum trecho cheio de degraus até alcançar uma platibanda onde fazemos uma pequena parada, com ancoragem num grampo P, enquanto Kaloca prepara nossa descida até o próximo ponto. E assim desço mais 45 metros de rapel vertical negativo. Estaciono, dessa vez, num diminuto platô, se assim se pode chamar o rebordo de rocha onde as pontas dos dedos de meus pés mal se firmam. A parada aqui é pra Kaloca instalar um grampo P, de modo a evitar carregar 200 metros de corda.
Distribuir, em mais de um lance, um rapel, quando as cachoeiras são altas, dispensa o uso de cordas longas, e, consequentente, alivia o peso na mochila. Embora seja uma queda com pouca água, vez por outra, o vento bate de tal jeito que a água nos atinge. E olha que estamos afastados do percurso por onde o riacho escorre. Decorridos 30 minutos, Kaloca, depois de muito cavoucar com o martelo na rocha, fixa o grampo lá dentro. E resolve pregar mais um grampo já que os bons costumes aconselham dois como garantia duma melhor segurança. E mais 25 minutos, pendurada como carne em açougue, sentindo aquela friaca. Mas o tempo passa rápido. Conversamos bastante os dois, dando risadas das bobagens ditas. E, finalmente, eis eu descendo os 50 metros restantes dum rapel, positivo, na saída, pra, logo, logo virar negativo.
Quando a corda gira fazendo com que eu vire de costas pra parede, me dou conta de quão alta é a cachu, situação que o rapel em trechos positivos não proporciona. E pinta aquele friozinho na barriga, uiiii. Cuidando pra não dar soquinho na corda, chego, no chão, encarangada. Tremo ao segurar a máquina, minha boca até meio travada está enquanto descrevo o cenário durante a filmagem. É bem bonita essa parte do canyon cujas paredes, afastada uma da outra, formam uma ampla concavidade, como se fosse um gigantesco salão a céu aberto.
Mais adiante, entretanto, se afunilam, assumindo o perau uma feição bem mais estreita. Na segunda cachu, com 20 metros, o rapel, com ancoragem em árvore, é feito num barranco ao lado. Sem condições de meter o corpo n´água porque baixou um frio danadinho. Tudo porque a tal de frente fria, prevista pra dar as caras na segunda, se antecipou e deu pinta hoje. Ah, e os búzios não mentem jamais, é? Tsk tsk!!
Uma desagradável surpresa nos aguarda quando chegamos na terceira cachu: encontramos os grampos detonados por uma avalanche. Danificados do jeito que estão, é muito arriscado ancorar a corda neles. Kaloca, todavia, não se aperta. Usa o método da ancoragem humana. Pra tanto prende a minha corda na sua cadeirinha de modo que eu possa descer os 10 metros em segurança. E quando Kaloca desce, descobre uma passagem subterrânea por baixo dos matacões, a fudê de legal, evitando, assim, rapelar a cachu.
Na quarta cachoeira, com 30 metros, nos deparamos, outra vez, com os grampos amassados. Mas, bah, essa foi uma avalanche de respeito! Kaloca fica em dúvida se me clipa nele novamente pra que eu possa descê-la. Como a inclinação da queda é suave, com muitos degraus cobertos por um limo espesso, resolvemos arriscar a ancoragem nos grampos. Usa-se então, uma fita tubular pra prender a corda nos grampos. Eu desço com o maior cuidado, procurando não forcejar muito a corda, cuidado desnecessário porque os grampos resistem ao meu peso, sem contar com a proteção extra oferecida por Kaloca, servindo, pela segunda vez, de ancoragem humana. E depois foi só caminhada nas pedras molhadas e escorregadias porque a chuva, embora fina, aparece e some a seu bel-prazer.
De fato, agora, sou obrigada a concordar com Kaloca quando ele, há dois anos atrás, me disse que o Molha Côco não era dos canyones mais bonitos existentes na região. Mas eu tinha de conferir isso com meus próprios olhos. Embora seja uma mulher de pouca fé, hajo como São Tomé: ver para crer, hehe!!