Circuitão Metaleiro do Tobogã

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A Cachu do Tobogã é uma daquelas pequenas quedas de encosta q se vê superficialmente na tradicional “Volta na Serra“, na região serrana de Paranapiacaba. De poucos atrativos e tb conhecida como Cachu do Banquinho, do Carvoeiro ou até do Peixão, é tb dela q nasce outro circuito radical pouco conhecido q – em formato de “ferradura“ – desce à junção do Rio Anhangabaú e Quilombo pra depois vencer um desnível abrupto de mais de 300m em seu retorno à pitoresca vila inglesa, via picada do “Rancho 71“. Circuitão este q se vale de antigas veredas de carvoeiros, cristas sucessivas, bom senso e pouco vara-mato.


Show do Iron Maiden sábado a noite ou trilha domingo bem cedo? Ó, duvida cruel. Mais da metade do contingente feminino confirmando presença no bate-volta desistia em virtude de sedutores convites obtidos de última hora, um deles inclusive repousando na minha mão. E agora, José? Pesando bem prós e contras da questão: levando em conta q nesta vida trilheira vc curte ou dia ou a noite, q a banda do Dickinson já teve dias melhores, e q a previsão prometia dia radiante na serra tomei finalmente a decisão. Mandei o Eddie catar coquinho, afinal já bastavam minhas boas lembranças daquele saudoso Rock in Rio. Não os genéricos e sim aquele q dera origem à série, claro.

Nostalgia adolescente à parte, sobraram pra empreitada apenas eu, a Myrna e o Carlão, q agora nos víamos atravessando a vila inglesa rumo a Estrada do Taquarussu, logo após as 9hrs. Maravilhosamente bucólica noutras ocasiões, a estrada agora era corrompida por muito lixo espalhado em suas margens. Copos de plástico aos montes denunciavam alguma prova ou competição de bike pela região, q infelizmente não primou pelo sumiço de seus próprios dejetos. Sujeira light não raramente costumeira dos shows do Motorhead.

40 min depois mergulhávamos no frescor da mata de uma trilha já cantada em verso e prosa noutras tantas ocasiões, ladeando os contrafortes serranos rumo Vale do Quilombo. Pra não dar uma volta enorme através da tradicional “bifurcação das bananeiras” resolvemos cortar caminho pelo alto da serra, tomando a “trilha da comunidade” as 10hrs. Dito e feito, bastou subir suavemente o alto do morro, cruzar um aceiro ignorando o ramo sentido a “Machu Pichu” local, e começar a descer já quase do outro lado da serra. Além de pouco utilizada, a picada estava repleta de mata tombada nos obrigando a desviar aqui e ali pra prosseguir, mas felizmente nada algo q dificultasse o compasso de nossa pernada. Alem do sol filtrado lindamente pelo alto da vegetação, o destaque deste trecho ficou por conta dos vários macucos reclamando de nossa intromissão, como de uma elétrica cobra verde no meio do caminho.

Após cruzar dois córregos e começar a descer em largos ziguezagues, desembocamos noutra picada maior de carvoeiros q logo reconhecemos como sendo aquela q dá a volta na serra (pelo meio). Retrocedendo um pouco por ela vamos de encontro com o som de muita água correndo nalgum lugar, cruzando a trilha. O Carlos já havia-me o contado q agora o local é visado pelos guias e monitores da vila em virtude da restrição de acesso ao Vale do Mogi. E isso, alem de outros fatores, pode ser constatado no pouco de lixo encontrado como nas enormes clareiras abertas q final do ano passado inexistiam, clareiras de deixar palco de show do AC/DC no chinelo.

Mas vamos à cachu propriamente dito. Acompanhando o riacho serra abaixo por outra trilha menos obvia, logo as 11hrs caímos na parte alta da Cachu Tobogã, queda q sempre ouvi nas tantas ocasiões em q por aqui passei, e q nunca explorei com mais atenção. Este córrego é um dos vários cursos d´água q despencam desta encosta e alimentam as nascentes do Quilombo. Ele despeja sua agua sobre uma pedra num pequeno poço, q corresponde ao primeiro nível da cachu. O segundo nível lembra muito a Pedra Lisa, pois a água cai de uma laje arredondada por um alto paredão, q lá em baixo se afunila num pequeno cânion.

Pois bem, daqui teríamos q chegar ao fundo do vale de algum jeito. O Carlos já tinha feito umas explorações pelos arredores e sugeriu descer inicialmente através da continuidade da picada de acesso ao primeiro nível da cachu. Ladeando a mesma há de fato vestígios de trilha q descem a encosta íngreme repleta de bambus, uma vez q é impossível fazê-lo pela cachu em virtude de seus altos paredões rochosos quase verticais. Desescalaminhando então a encosta e nos firmando na vegetação à disposição damos na base da cachu, uns 30m abaixo. La se tem uma vista geral do lajedão enorme pelo qual escorre a água, afunilada por um pequeno cânion ate ser represada num poço, ao final. Dali o rio prossegue sua rota serra abaixo alternando trechos verticalizados com outros menos pirambeiros. Por conta disto preferimos evitar andar rente o mesmo optando pelas encostas q o bordejam, q são mais suaves e menos abruptas, por assim dizer.

Dessa forma perdemos altitude num piscar de olhos, vencendo íngremes encostas aos ziguezagues e cristas sucessivas, onde o terreno parece suavizar pra logo verticalizar e seguir no mesmo compasso anterior. Felizmente, o rabicho de trilha é quase evidente (embora mtas vezes tomado pelo mato devido ao desuso) sempre acompanhando o rio em seu trajeto morro abaixo, ora afastado ora próximo. As vezes o rastro se perde nos ombros serranos com mais vegetação, mas farejando aqui e ali reencontramos sua continuidade. No caminho, sempre o visu das corredeiras encachoeiradas e enormes quedas d´água do rio ao lado, assim como a presença de imponentes arvores e grandiosas formações rochosas do outro.

Após um tempo nesse mesmo compasso o terreno arrefece, a vegetação aumenta e a suposta picada some de vez. Capitaneados pelo Carlos, vamos avançando sem gdes dificuldade em meio a mata alta, acompanhando o q pode ser a continuidade da trilha mas q na verdade é um curso d´água seco, desviando das pirambas, voçorocas espinhentas ou trechos mais acidentados. Vontade de descansar não falta, mas os pernilongos não permitem pausas demoradas, apenas o suficiente prum gole do precioso liquido pra refrescar a goela. Mas o som cada vez mais alto de água em profusão indica q já estamos próximos do nosso destino. Ate q uma enorme cachu no rio nos recebe com um som tão ensurdecedor qto a guitarra do Metallica.

Dito e feito, após um ultimo trecho de vara-mato e pouca escalaminhada, desembocamos nos rochedos q pontilham a confluência dos rios Anhagabaú com a junção das nascentes do Quilombo, as 13hrs. A dia de sol radiante deu lugar a uma nebulosidade clara e o alto da serra é encoberto por uma serração q parece engrossar cada vez mais. No entanto não há pressa alguma agora, o momento é de descansar e beliscar alguma coisa. De fato, estávamos bem adiantados uma vez q nossa previsão era de termos mais dificuldades pra chegar ate ali. Menos mal.

Refeitos, começamos o retorno as 13:45 apenas subindo a encosta na qual nos encontramos, acompanhando o rio. Já estivera ali noutras duas ocasiões e imediatamente reconheci as lonas e vestígios do ” Rancho 71″ , um antigo acampamento da caçadores (ou palmiteiros, não sei) desativado.. Daqui bastou tomar uma picada obvia q foi ganhando altitude rapidamente através de íngreme piramba.

Apesar de irmos sem pressa o suor não tarda a correr farto pelo rosto, e inúmeras paradas são feitas em td trajeto pra retomada de fôlego. Devagar porem sempre, claro.

A neblina tomou rapidamente conta do vale no momento em q ganhamos a crista serrana, por volta das 15hrs, onde podemos ouvir os dois rios em vales opostos uma ultima vez. Meia hora depois alcançamos a “bifurcação das bananeiras”, cruzamos com nossa segunda cobra na trilha e, ainda abraçados por uma névoa q parecia saída de um clipe do Ozzy Osbourne, nos brindamos uma breve parada pra apreciar um enorme pé-de-cambuci, cujo fruto resulta numa pinga e trufa espetaculares.

As 16:50 finalmente caímos na estrada pra, sem pressa alguma e já visivelmente cansados, chegar na vila inglesa envolta em seu tradicional “fog” londrino e desabar no Lgo dos Padeiros, as 17:30. Zarpamos dali beeeem depois, uma vez q lá encontramos o Nando proseando animadamente com o Cazuza, riponga-ermitão ilustre e figurinha carimbada de Paranapiacaba, q nos brindou inclusive com um “dueto acústico” dos Ramones. Yeahh! Peralá, com um som ao vivo desses quem precisa de show da “Donzela de Ferro”, não é?

E entre goles de pinga, cerveja e refris, beliscando pasteis e um “Xis-miséria”, e com musica ambiente beirando o mais puro rock (embora meio desafinado, diga-se de passagem) assim finalizou nosso circuito trilheiro punk-metaleiro dominical, com direito até bis no quesito gorós. Enfim, eis o “Circuitão do Tobogã” ou do “Banquinho”. Uma trilha q começou no Tobogã e terminou de um jeito ou de outro, no metal.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos´

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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