Leia a primeira parte do relato
Chegamos nos 1134m da Garganta as 13:30, onde reencontramos as benditas marcações q nos levam pro lado da Graciosa e onde tivemos mais um breve descanso e tempo de beliscar alguma coisa. Agora nosso rumo despenca pro outro lado em meio a um leito seco, pedras imensas, grotas, alguns deslizamentos e muito mato caído, mas logo surge um córrego q basta acompanhar. São as nascentes do Rio Mãe Catira, q corre numa encosta q descamba íngreme em meio a muitas pedras, mas q um tempo depois nivela quase q verticalmente com o rio correndo tranqüilo, , mais largo e com volume maior.
E assim prossegue nossa marcha pelo leito pedregoso do Mãe Catira no mesmo compasso q o Forquilha, com Fiori desembestando na dianteira e eu e o Mamute bem atrás, alternando caminhada e desescalaminhada, eventualmente desviando/escalando gigantescas arvores tombadas no meio do rio. No caminho, andando apressadamente pela margem em meio a mata, acabei tropeçando numa maldita raiz escondida q me fez beijar o chão, alem de presentear minha canela com um tremendo corte q ficou latejando pelo resto da viagem!
As horas foram passando sem mta variação da paisagem, a chuva ia e voltava, e a gente naquele ritmo já quase de saco na lua! Foi aí q o Mamute cortou caminho pela mata e descobriu um acampamento abandonado de palmiteiros/caçadores, nos idos dos 814m, com direito ate a panelas, talheres e Bíblia (!?) a disposição!! Pelo horário avançado, pelo espaço disponível, o cansaço geral e como andar de noite tava fora de cogitação, foi ali mesmo q resolvemos estacionar, as 17hrs. Diante do inferno verde q percorríamos, aquele local cunhava de razão nossa decisão de pernoitar ali! O único porém não eram as temidas onças da região ou as trombas d´água e sim era se os donos legítimos do acampamento resolvessem aparecer não pensariam duas vezes em meter chumbo na gente! Montamos nossas barracas e improvisamos varais pra estender nossas tralhas encharcadas. Havia ate espaço pro Mamute estender sua rede, mas q levou uma eternidade pra armá-la de fato.
A penumbra alcançou logo aquele vale úmido, e logo os sons da mata deram lugar ao chiado de fogareiros ansiosos por preparar alguma coisa! Destaque pro estupendo macarrão q o Fiori preparou e dividiu conosco! A noite nos envolveu rapidamente e antes de pegarmos no sono amotinados em nossos casulos de poliéster, tivemos tempo de jogar muita conversa furada e dar muitas risadas! De noite choveu horrores, tornando o sono dos justos bastante úmido e frio. Mas ainda assim consegui dormir muito bem, embora o corpo reclamasse com razão das dores e contusões daquele exaustivo dia. Qdo a chuva cessou, os únicos sons reinantes durante a madrugada foram o do rio marulhando ao nosso lado, de sapos coaxando próximo da gente, de veículos correndo na Graciosa e o de uma “onça” roncando dentro da barraca do Fiori.
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A CACHU, O CÂNION E A GRACIOSA
A umidade deixara opaco o visor do meu celular, mas este marcava 6hrs qdo acordei naquela segunda de feriado td dolorido,mas nada q um bom alongamento não resolvesse. A manha estava bastante úmida, porem São Pedro desta vez era generoso e nos brindava c/ um firmamento totalmente isento de nuvens, e os raios do Astro-Rei já começavam a se debruçar nos contrafortes serranos e logo penetrariam nas frestas do arvoredo acima nosso.
Prontamente arrumamos nossas coisas, engolimos nosso desjejum e partimos as 8:30. Antes, porem, o Mamute improvisou um cinto com um cipó de modo a sua calça não continuar caindo, nos poupando assim da visão medonha de sua cueca totalmente encardida. Detalhe: Ao invés de nossas mochilas estarem mais leves no decorrer dos dias, elas pesavam quase o dobro devido à chuva e umidade acumuladas.
Retomamos a pernada rio abaixo com suave desnível, ora pelo seu leito pedregoso ora por dentro do mesmo, tateando c/ cautela as pedras q pisávamos e desviando das enormes arvores tombadas se interpondo no caminho. Eventualmente a margem da encosta na mata mostrava-se plana, c/ pouco mato e viável de ser percorrida e por ela avançávamos c/ mais agilidade. Mas não demorou pro rio voltar a correr violentamente ate ser espremido por altos paredões de pedra negra q se elevavam dezenas de metros acima do nível das águas. Estávamos no “Dique Diabásico”, um majestoso cânion q emparedava o rio durante um bom trecho, formando um autentico corredor de pedra. Porem bastava continuar andando pelas pedras besuntadas de limo , depositadas na margem direita, ao sopé de um barranco quase vertical repleto de mata. Imagino q durante enxurradas este trecho seja impossível de ser transposto, o q felizmente não era o caso.
Mas logo o rio faz uma curva fechada, onde recebe um afluente pela direita,vindo do norte, q o Julio diz q seguindo por ele se acha a pta do esporão q leva ao cume do Arapongas em + 5hrs de pernada, outro pico de difícil acesso q vale a pena explorar noutra ocasião. Mas como nosso destino é outro, nos mantemos no rio principal, q logo se joga numa imponente grota de quase 60m de altura, onde nossos horizontes se ampliam num belo mirante rochoso, emoldurado pela exuberante mata, as 9:30. Estamos no alto da “Cachu da Santa”, cujas águas despencam quase q verticalmente pelos paredões rochosos ate formarem um belo piscinão, por onde o rio volta a serpentear mansamente a selva sentido sudoeste. Daquele mirante privilegiado tb pudemos estudar boa parte do trajeto a seguir, principalmente tendo o recorte esmeralda da serra silhuetada contra o céu azul imaculado, ao fundo, onde estaria nosso objetivo daquele dia, a estrada da Graciosa.
Descemos então contornando cuidadosamente a cachu pelo lado esquerdo, desescalaminhando raízes, nos segurando firmes na mata, bambus e xaxim em seu trecho inicial naquela encosta rochosa, lamacenta e escorregadia, totalmente vertical, pra depois a declividade suavizar em meio a pura e simples mata. Uma vez lá embaixo, nos demos o luxo de dar uma rápida visitada no belo poção da cachu pra algumas fotos. Ali pudemos constatar a razão do nome “Cachu da Santa”: a queda d´água desenha uma Nsa Senhora negra onde a pedra no alto faz a cabeça e a água completa o véu!
A pernada pelo leito pedregoso do Mãe Catira continuou no mesmo compasso q o trecho anterior, porem pontuada de mais tombos e escorregões nas pedras devido ao excesso limo acumulado, q por sua vez represavam belos piscinões. Eu e o Mamute quase despencamos por completo na água, molhando metade das nossas já pesadas cargueiras, aumentando o fardo em nossas costas. Já o Julio teve um tombo mais serio q lhe garantiu uma dorzinha incomoda no cóccix pelo resto da trip. Por esta razão, continuamos um bom pedaço costurando pela margem direita (sem trilha) na mata, onde mesmo assim o avanço era mais ágil e seguro, apesar dos cipós vez ou outra retardarem deliberadamente nosso avanço. Ate q novamente penetramos no rio, mais precisamente em seu ultimo trecho, onde uma oportuna prainha sugere um bom lugar de pernoite em caso de emergência.
As 10:30 deixamos o rio onde uma fita pendurada num cipó quase encostando na água (e mais adiante, um enorme totem de pedra) indicavam q era hora de sair pela direita. De fato, em meio à mata havia rastros de uma discreta picada q bastou acompanhar, sentido este reforçado por mais marcações de plástico amarradas na vegetação, indicando seguir pra oeste. De cara topamos com mais uma clareira com vestígios de caçadores, com direito ate uma enorme “jaula” feita de bambus. A picada envereda montanha acima, onde ignoramos outra q nela desemboca vindo pela direita, q leva ate a Faz. Taquari, onde há garimpo ilegal q quem adentra lá leva chumbo. E constatar isso não foi difícil pq ate ali mesmo já havia cartuchos , de espingarda espalhados pelo chão.
Uma vez no alto, começa a descida feroz através duma piramba lamacenta, íngreme e escorregadia, onde tombos são inevitáveis. No vale, damos no leito de um rio c/ gdes rochas e um enorme poço entre elas, q acompanhamos por 50m ate sair do mato antes de cruzá-lo. Na outra margem, novas fitas nos levam à encosta oposta em meio a densa mata, montanha acima. A picada segue agora p/ sudoeste, bordejando encostas inclinadas de serra q são vencidas em sucessivos sobe-desce, sempre cruzando com vários riachinhos caindo pelas dobras da montanha, q deságuam no Rio Mãe Catira, por sua vez audível a td momento, à distancia, em fundos vales à nossa esquerda. Eventualmente a trilha se perde com outras picadas recentes abertas de palmiteiros ou com gigantescas arvores tombadas no caminho q arrastam td vegetação junta possível pro chão, mas nada q um bom farejo e um bom olho clinico nas fitas deixadas por expedições anteriores não resolva.
Após costear um bom trecho da serra e descer a morraria ate dar bem próximo do rio, com direito ate a um belo vislumbre dos famosos lírios vermelhos q ornam as margens, a picada vira pra esquerda e envereda num trepa-pedra pela pequena cachu de um tributário, ate ganhar uma pré-crista, pra dali subir em definitivo pela mata, deixando o Mãe-Catira pra trás. Devido ao cansaço acumulado, este trecho foi feito a passo de tartaruga-manca, sem pressa alguma. Mas as 12:30 nos damos descanso de 5min as margens de um córrego afim de beliscar algo, pra em seguida prosseguir nossa marcha. Lenta, porem ininterrupta.
Destaque pros restos do q fora outrora um porco-espinho no meio da trilha, e um enorme buraco de tatu, onde não tivemos coragem de enfiar a mão pra ver se seu ilustre morador ali se encontrava. Contudo, a medida q avançávamos os sons de veículos trafegando nalgum local próximo já anunciavam a proximidade com a Estrada da Graciosa. Dito e feito. Após passar uma pequena clareira com despachos de macumba – onde antigamente havia uma santa nominando a picada ate a cachu de “Trilha da Santa” – emergimos finalmente no “Marco 22″ da Estrada da Graciosa, as 13:15! Eufóricos pela conclusão da travessia, nos prostramos ao lado daquele simbólico marco de pedra pra foto derradeira e dali seguir ate algum ponto ” civilizado”. A Estrada da Graciosa (ou PR-410), é uma via asfaltada q utiliza uma antiga rota q os tropeiros abriram ligando Curitiba ao litoral, repleta de atrativos no trajeto e q guarda nalguns trechos o calçamento original.
Fim de travessia mas não de trip, o reconforto da vitoria e do dever cumprido nos forneceu ainda energia extra pra caminhar o restante, costeando os belos canteiros de hortênsias e marias-sem-vergonhas q ornam as margens do asfalto. Mas não tardou pro bom tempo q nos acompanhara desde o inicio do dia despedir-se da gente na forma de densas brumas rasgando o firmamento. Felizmente já havíamos alcançado o quiosque do Recanto Engº Lacerda, um dos primeiros mirantes desta bela estrada (aos 867m de altitude), pois bastou pisar ali apenas pra apreciar a bela vista da baia de Paranaguá e dos enormes maciços do entorno q o mundo desabou num forte temporal. Antes, porém, pudemos nos gabar de nosso feitio estufando o peito de orgulho ao admirar tb as montanhas – uma delas, ostentando suas inconfundíveis “orelhinhas” no topo – e a distancia considerável q havíamos singrado ate dar ali, sob o olhar incrédulo e curioso da turistada presente. “Se liga, playboyzada.. somos os primeiros paulistas a palmilhar a Ciri-Graciosa!”, pensei em dizer, mas este pensamento diluiu-se assim q percebi q seria o mesmo q dizer nada.
Pois bem, como celular p/ acionar resgate ali não pegava, o Mamute teve q correr um pouco + acima p/ ligar p/ Solange, q ficou preocupada por não ser seu consorte do outro lado da linha. Enqto isso, comemos e bebemoramos ao sucesso da empreitada com refrescos e petiscos, alem de trocar de roupa nos sanitários a disposição. A Solange nos resgatou um tempo depois, e sem demora subimos o restante da estrada p/ tomar a BR-116 em direção a Faz. do Bolinha. Lá o Julio quase entalou o carro num terrível lamaçal daquela precária estrada de terra, mas como td final de trilha tem sempre algum perrengue de bônus, terminamos inteiramente besuntados de lama na tentativa de remover o veiculo do dito atoleiro. Com sucesso tb. A contragosto, tivemos q declinar do convite do Fiori em esticar pra casa dele em função de q não queríamos pegar transito. Na seqüência nos despedimos do Julio &, Solange pra ganhar o asfalto as 16hrs, onde fomos surpreendidos pelo transito infernal dos paulistas retornando à “Terra da Garoa” na Régis Bittencourt, mais um obstáculo , q demandou mta paciência e foi ate mais cansativo q a travessia em si. Travessia completa é isso ai, já q chegamos em casa apenas as 23hrs.
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E essa é a Ciri-Graciosa, a “Serra Fina” paranaense. É bem verdade q a comparação com a “travessia de montanha mais difícil do Brasil” – alcunha q a famosa pernada na Mantiqueira detém , - , é descabida e injusta, pois a Ciri-Graciosa faz esta ultima parecer um prosaico passeio no bosque. Embora carregar nas costas a própria água pra consumo seja um fardo q a Ciri-Graciosa não demanda, escalaminhar pirambas rochosas verticais e navegar em meio a rios e mata fechada são detalhes consideráveis q exigem tanto técnicas apuradas de escalada como de navegação. E se o termo travessia significa percorrer uma distancia entre dois pontos, então a Ciri-Graciosa é perfeitamente uma dessas travessias completas já q tb nos brinda c/ paisagens tão diversas como crista montanhosa, selva tropical, cânions e descida de rio, portanto o mais oportuno seria cunhá-la de “Travessia do Rio Claro às avessas”.
Independente de qq nominação, o mais importante é q taí mais uma opção de pernada legitimamente selvagem e perrengueira pra quem tiver disposição e verdadeiro espírito desbravador. Pois ali entre o extremo sul da Cordilheira do Ibitiraquire , – representados dignamente pelo Ciririca e Agudo de Cotia – e a Estrada da Graciosa encontra-se um verdadeiro santuário guardado silenciosamente pelo olhar altivo das montanhas ao redor. Felizmente inóspita, intocada e de difícil acesso, este estranho território esquecido pela civilização esta próximo da capital paranaense, oferecendo uma bela e inesquecível travessia reservada para poucos. Perto das montanhas e longe de tudo.
Leia também Ciririca-Graciosa_2009 na Coluna Julio Fiori, a outra versão desta mesma travessia
Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
Fotos: Jorge Soto e Carlos Filho