Clássico no estádio

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O calor abafado é infernal e não se anda além de poucos metros. Aliás, não se anda. Permanece-se sentado a maior parte do tempo. O sol da tarde cozinha os miolos sem dó, mas o calor da torcida compensa em parte o desconforto. O som em coro da massa inunda os ouvidos a cada jogada no centro do gramado. Sim, não se trata de nenhuma travessia não. É apenas mais um dia de clássico no estádio prestigiando o esporte bretão. Ao lado da “São Silvestre”, da “25 de Março” e da “Parada Gay” e outras crônicas pitorescas este é mais um relato da série “programas urbanos” cujo perrengue intrínseco não fica atrás de qq caminhada ilustre por ai.

Depois de enfrentar uma fila razoável e passar pela revista policial, a exatas 15hrs eu, a Lau, Lucimari, Nilton e o Raul (respectivamente irmã, cunhado e sobrinho da Lau) entramos de forma ordenada no Estádio do Café afim de encontrar um lugar privilegiado pra ver o jogo. Mas peralá! O q eu, notoriamente avesso a multidão, tumulto e principalmente futebol faço ali? O q me leva a estar ali, sendo q as únicas duas ocasiões em q pisei num estádio não foram nada agradáveis e datam da minha tenra infância? Pois é, esta é daquelas ocasiões em q a gente faz certas concessões e se rende a determinados programas de índio e tals, sacumé, né?
 

O jogo em pauta é Londrina versus Maringá, primeiro embate do clássico que define o vencedor do campeonato paranaense. Casa cheia, claro, pois o Londrina a mto q não chegava numa final, o q mobilizou td cidade a comparecer em peso ao estádio. E o povo vestindo as cores alvi-celestes do time da casa me deixam anda mais com aquela sensação de estar no lugar errado, trajado de modo normal, ou seja, bermuda azul e camiseta branca. Peixe fora dágua, embora o mascote do Londrina seja um tubarão.
 

Tudo espanta e impressiona, mas não chega a ameaçar. De certa forma, a entrada no estádio é um alívio. Enquanto fora dele e até na revista a maioria das caras – seja de torcedores, cambistas, ambulantes e policiais – parecem carrancas hostis, lá dentro, na arquibancada, as feições  são bem mais amigáveis. Mulheres, crianças, famílias inteiras que vão ao estádio simplesmente para assistir a um jogo de futebol. Em tempo, o comportamento do povo lembra a lógica do presídio: com mulher acompanhada não se mexe!
 

Sentamos no meio da arquibancada, ao lado da cativa, de modo a q o sol batesse nas costas e a sombra se debrucasse o qto antes sobre a gente. O calor daquele domingo ensolarado beirava os 31 graus e não demora pro suor escorrer pela ponta do nariz, mesmo estando com chapéu. “Nessas horas q deve valer a pena gastar os trocados a mais pra ver o jogo do conforto da cativa coberta!”, pensei.  Enqto isso, a bandeira do Londrina serve de toldo improvisado e um oportuno mini-travesseiro evita q nosso traseiro cozinhe no concreto do estádio.
 

Naquela hora interminável até inicio da partida presenciei de tudo e mais um pouco, desde as figuras mais pitorescas na torcida (um “torcedor-tecnico” q não pára de dar ordens aos jogadores e um pedinte bizarro, vestido de mulher e chapéu viking) até a venda de td sorte de comes, bebes ou lembrancinhas do clássico, nas idas e e vindas do isopor dos ambulantes “navegando” naquele mar de gente. Bonés e balões com formato de tubarão, camisas, bandeiras e até um sorvete alvi-celeste q mais parecia detergente com amaciante. Desnecessário dizer que o preço dum copinho d’água beirava os cinco pilas, o q nos fez levar água escondida na bandeira, q por sorte passou pela revista (levada pelo pequeno Raul, claro). Cerveja q é bom, nada! Só sem álcool era vendida ali dentro e a preços abusivos. To fora!
 

Não interessa se do seu time ou do adversário, as primeiras pessoas a pisarem no gramado parecem ligar o botão da torcida. Bandeiras tremulam por td parte, principalmente na concentração das organizadas, e td mundo começa a gritar e pular. Me limito apenas a observar ao meu redor td tipo de gente q literalmente se transforma, o q inclui a galera q me acompanha. O “torcedor-mirim”, que aproveita o semi-silêncio inicial para com o torcedor–tio, a seu lado, gritarem revoltados,“Juizladraofeladaputa!”, com dedo-médio levantado em ambas mãos. Há ainda, para minha diversão, o “torcedor-afetuoso”, que espera a atuação do craque para incentivá-lo e mostrar que nele residem suas esperanças de um bom jogo. “Menino de ouro!” e “Vai, meu nego, mostra para eles!” são manifestações típicas destes.
 

16hrs. Começa enfim a a partida. Seja qual for o tipo de torcedor, ninguém se senta durante os 90 minutos q ela dura. Bem quase todos. Mas a prática de sentar e levantar é quase q automática, conforme rolam jogadas mais decisivas. A tensão é total. O torcedor quer participar também da disputa e exclama, a cada lance, o que o jogador tem que fazer. É praticamente impossível passar  sem bater palmas pelo menos uma vez. O movimento é quase inconsciente. Mesmo a pessoa mais alheia ao futebol sente-se envolvida pelo coletivo e começa até a se interessar um pouco mais pelo assunto. Nem q seja até o final da partida.

Aos 18 do primeiro tempo vem o primeiro gol do Londrina, q causa fuzuê generalizado.
 

Mas a alegria dura pouco pq não dá nem 6 minutos de comemoração q o adversário empata, calando td torcida alvi-celeste no Estadio do Café. A impressão é q de repente td mundo entrou num funeral, pois apenas um pequeno punhado de torcedores alvi-negros (sentados apropriadamente na quina do estádio e fortemente protegidos pela segurança) saltita a bem-vinda igualdade no placar.
 

Na sequencia, a torcida fazia o de sempre: xingava, se desesperava, gritava, apoiava o time e tentava desestabilizar o adversário. Jogo tenso, com várias chances de gol desperdiçadas, os dois times buscavam o gol que lhes daria uma vantagem na segunda partida da decisão. Do meu lado esquerdo, uns moleques desferiam td sorte de impropérios ingênuos pra progenitora do juiz e pros jogadores adversários. À minha direita, a Lau, Lucimari, Nilton e ate o pequeno Raul entoavam o grito de guerra do Tutu como bons torcedores fanáticos, zumbificados.
 

Mas dá o final do primeiro tempo com placar igualado, e as esperanças da torcida são depositadas nos próximos 45min. Arrisco levantar pra ir no banheiro ou comprar aguma coisa, mas a fila lenta da massa indo justamente no mesmo lugar dilui qq tentativa nesse sentido. Enton me resigno a permanecer ali, sentado na cia da galera, não vendo a hora daquilo ali terminar o qto antes. Nesse intervalo, um sujeito vestido de Tubarão circulava pelo gramado, chamando gente dum sorteio, assim como um deficiente de muletas fazia algumas embaixadinhas com uma perna só, pra alegrar a galera. E assim passou o fugaz intervalo.
 

O jogo recomeça no mesmo ritmo q antes, com Londrina atacando e o Maringá contra-atacando. E nos 10min do segundo tempo o Tutu mete mais um gol, desempatando o placar. O estádio vai ao delírio, claro. Mas como alegria de pobre dura pouco, não deu nem mais 10min q o Maringá empata novamente. Td igual, pra sufoco dos taquicardiacos londrinenses. Dali o ritmo do jogo decaiu, vai ver q por conta do forte calor daquela tarde. Mas um pouco pelo cansaço, um pouco pelo nervosismo de ambos os lados, as chances de gol tornaram-se raras. Assim, apesar da luta, o jogo terminou mesmo 2 a 2.
 

Cabisbaixos, os torcedores começam a sair morosamente do Estádio do Café, esperando a turva se dispersar fora dele e conosco não é diferente. Particularmente, não vejo a hora de chegar em casa e mandar ver um banho no corpo e uma  breja gelada no gogó. Contudo, mesmo com empate a sensação geral é de derrota do dono da casa e vitória pros visitantes. Isto pq o segundo jogo será em Maringá e o “feroz Tubarão” terá q vencer na casa do adversário pra se sagrar campeão. Felizmente esse será um jogo do qual não devo prestigiar. Minha cota já deu, pois apesar do placar me senti vitorioso por chegar ao final dele, inteiro.
 

E pernada, afinal? Bem, esta se limitou a entrar no estádio, buscar lugar pra sentar e ir embora. E na boa, ir prum jogo não sendo fanático pelo esporte bretão é algo bem cansativo e desgastante, q vale apenas pelo teor antropológico q carrega. É verdade q de tempos em tempos a sociedade precisa, pra se entender como tal, compartilhar de momentos coletivos de gde comunhão. Momentos como os q uma partida de futebol proporciona. Contudo, esta descompromissada ida ao estádio apenas deixou mais claro q meu “ópio do povo” é outro. E na mesma medida catártica proporciona purificação, libertação e congregação. Ativa diversos sentidos e pode ser descrita por inúmeros sentimentos tais como paixão, alegria, êxtase, euforia, prazer, admiração, temor e transe. Como? Basta me mandar trilhar no mato na cia de amigos!

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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