Depois de 4 meses estou de volta ao único lugar do mundo onde me sinto em casa. Os sorrisos e gentileza de seus habitantes compensa tudo o mais. Caminho com meu lap top e uma certa quantia de dinheiro comigo e apesar disso me sinto seguro. Apesar da extrema pobreza do país aqui não há violência.
Tenho cinco dias para descansar e me preparar para a escalada do Manaslu após ter guiado um grupo maravilhoso no Kilimanjaro. Ao contrario do Elbrus onde não tivemos sorte com o clima e conseguimos fazer cume com muito esforço sob um vento inacreditável, desta vez os deuses da montanha nos favoreceram e tivemos durante toda a expedição um clima perfeito e dos 21 clientes 19 fizeram cume em um nascer do sol maravilhoso.
Apesar de grande e heterogêneo em todos os sentidos, o mais novo tinha 18 anos e o mais velho 62, o grupo não poderia ser mais harmônico e deixei a Tanzânia com o coração leve e feliz. Mas, já há muito temo que minha imaginação me trazia exatamente onde estou agora, em Katmandu me preparando para meu maior desafio deste ano, escalar a oitava mais alta montanha do planeta sem oxigênio e sem a ajuda de sherpas. Minha motivação para isto não é purismo já que não acredito que só exista essa maneira de escalar uma montanha ou que esta seja a maneira correta.
Escalei o Cho Oyu e o Everest com a ajuda de sherpas e usando oxigênio suplementar e não vejo nada errado com isso. Mas, como em qualquer esporte existe sempre a vontade de superação e no caso do montanhismo escalar sem oxigênio suplementar é exatamente para mim o próximo desafio após o Everest. Mas, além de superação e desafio tem uma outra razão para eu tentar o Manaslu desta forma. Existem alguns outras montanhas com mais de 8.000 metros onde não existe a estrutura como a do Cho Oyu, Manaslu ou Everest com sherpas, grandes expedições comerciais, cordas fixas etc.
O Gasherbrun 1 e o 2, e o Broad Peak no Paquistão e mesmo o Makalu no Nepal são montanhas muito menos populares e escalar sem sherpas e sem oxigênio é a norma. E eu em um futuro próximo gostaria muito de tenta-las. O que era para ser descanso se transformou em trabalho duro de pelo menos 14 horas por dia. Os detalhes da preparação são infinitos e o tempo curto. Passo os dias comprando o que preciso, desde sabonete para os previstos 40 dias de expedição ate um saco de dormir novo.
Vou atrás de máscara de oxigênio e regulador que não vou usar mas quero levar para deixar no acampamento base para uso em uma emergência medica. Busco cilindro de oxigênio. Compro um lap top pequeno para levar e através de um telefone por satélite poder enviar e receber emails. Checo as barracas individuais para o campo base, a barraca refeitório e a barraca banheiro. Coloco todo o equipamento de escalada, roupas, comida liofilizada para os campos altos em barris plásticos que serão levados pelas mulas em nosso trek de sete dias ate o campo base.
Nesses 3 dias desde que cheguei consegui dar conta de boa parte de minha enorme lista de afazeres. Agora falta a reunião no Ministério do Turismo e ajudar o Milton Marques e o Gilson Francisco, meus companheiros de expedição, a comprar o que falta para eles. O Milton, grande amigo e assim como eu guia de montanha, chega amanhã de manhã. Este será seu primeiro 8.000 e deve estar nas nuvens neste momento após meses de treinos e preparo. O Gilson chega depois de amanha. Ele, desde o começo do ano, esta sendo treinado por mim, pela Lisete e pelo Milton para em 2014 escalar o Everest.
Em dezembro do ano passado recebi um email dele me perguntando se eu aceitava treina-lo para o Everest. Ele tinha tirado dois anos sabáticos e se propunha a fazer o que eu achasse adequado par poder realizar seu sonho. Desenhei um programa de 20 módulos incluindo desde um curso básico de trekking, um de rocha e um de escalada em neve e gelo até a escalada dos Sete Cumes, as montanhas mais altas de cada continente. Hoje, depois de 8 módulos e tendo escalado o Kilimanjaro e o Elbrus com sucesso já progrediu imensamente e esta pronto para nos acompanhar até 7000 metros, ou seja, o campo 3 do Manaslu.
De lá ele volta para Katmandu e para o Brasil e eu e o Milton prosseguimos na tentativa de cume. Claro que nossos planos podem e provavelmente deverão mudar por causa de mil motivos desde o clima até nossa condição de saúde e de aclimatação, mas em linhas gerais devemos estar no campo base ao redor do dia 3 de setembro e após as tradicionais subidas a campos progressivamente mais altos e as descidas para o campo base para a recuperação, deveremos tentar o cume no final de setembro ou começo de outubro. Temos então mais cinco dias de trekkking de volta a Katmandu de modo que a expedição inteira deve tardar ao redor de 40 a 45 dias.
Ao escrever tudo isso noto o quanto estou emocionado com este projeto que venho acalentando durante todo este ano. Amo a vida de grandes expedições, o constante desafio de se manter saudável em um ambiente extremamente hostil, as conquistas progressivamente mais difíceis e sofridas de chegar a campos cada vez mais altos. De superar as marcas magicas dos 6000, 7000 e 8000 metros. Da alegria de compartir com bons amigos cada uma dessas conquistas. De voltar ao relativo conforto do campo base depois das agruras dos campos de altitude. E de finalmente, após muito esforço, dedicação e sofrimento estar lá, no topo de uma majestosa montanha vendo o planeta de cima.
Sim, a recompensa vale todo o esforço… Acompanhem comigo o desenrolar deste sonho. Tentarei enviar boletins a cada 2 ou 3 dias contando o que esta acontecendo, o que estou sentindo e nosso progresso.
Boa viagem!!