Uns dez anos atrás, quando embarquei para a França em janeiro para uma temporada de escalada nas cachoeiras congeladas de Chamonix, passei por uma situação bem chata saindo do país. Fui parar na salinha de revista depois de ter soado todos os alarmes na esteira do raio x. Ainda me multaram, confiscaram alguns itens e quase perdi o voo. Relembrei desse fato ontem enquanto embrulhava o meu par de piolets técnicos recém afiados como navalha para colocar na mala de expedição– que este ano é para as Dolomitas na Itália!- e pensei que esse episódio renderia um artigo. Afinal, a montanha nos ensina muito sobre compartilhar, e os aeroportos sobre… Burocracia.
Como todo Trad-Dad que se preza, sou um cara que aprecia a aventura no termo estrito da palavra. Quando decido entrar em alguma via nova para mim, gosto de ir no susto. Croqui, se eu ler é só as primeiras linhas da descrição como quem lê a sinopse de um filme mas evita qualquer spoiler. É um estilo. Não estou dizendo que é o melhor. Mas pra mim, funciona. Ok, as vezes não.
Tem gente que não gosta de deixar espaço para o improviso e antes de se lançar numa empreitada busca levantar o máximo de informações possível e tem gente que curte aprender as coisas na sifudência. Sou do segundo grupo, mas ironicamente escrevo para aqueles do primeiro.
Muito bem, quando eu morava na europa– vivi por cinco anos no pé dos Alpes em Grenoble- se eu quisesse escalar uma alta montanha, era bem simples, bastava colocar a cargueira nas costas, pegar um trem e em menos de duas horas eu já estaria cravando as piquetas no gelo.
Quando voltei a morar no Brasil, obviamente que quando eu resolvesse escalar algum pico nevado – seja por aqui nos países vizinhos ou no hemisfério norte invariavelmente eu teria que pegar avião. Mas como eu sou cara que não lê croqui, também sou o cara que em 2015 não leu as regras aeroportuárias no voucher da passagem.
Pois bem, pitons, canivete, piolets e crampons, por instinto eu despachei. Concordo que o Freddie Krueger das montanhas poderia facilmente sequestrar o piloto com um Nomic e jogar o avião no palácio da alvorada mas mosquetões, corda e jumar?! Como que ameaça alguém com isso? O Grigri então? Esse meteu medo nos caras. A moça da segurança me mostrou a plaquinha de regras: “Proibido pontiagudos.”- “Mas, poxavida, os mosquetões são ovais! Nada aqui na minha mochila de mão é pontiagudo.” indaguei.– “A corda também fica. Não pode embarcar com ela, senhor.” Frisou a moça, que na minha cabeça só podia estar de brincadeira. “Não sabemos se dentro destes aparelhos há alguma parte pontiaguda. Estes ítens não estão no catálogo. Além disso a corda é muito suspeita. Pode servir para enforcar alguém. Sinto muito, nada disso vai poder entrar.”
O avião decolaria em menos de 40 minutos. Liguei para o meu agente de viagens e perguntei se poderia embarcar no próximo voo.– “ Compramos a passagem com a promoção das milhas. Para o pegar o próximo voo você terá que pagar uma taxa de 120 dólares e ele não tem a mesma conexão, você terá que comprar o trecho Madrid-Paris e se você não embarcar em algum também não há reembolso. Além disso, por essas horas as suas malas já estão dentro do avião e se você não embarcar a companhia terá que removê-las de lá causando um atraso na decolagem e há uma multa para isso.” Caí de bunda.
Enquanto penso em alguma solução, três seguranças me cercam e me conduzem para uma salinha. Lá dentro o chefe deles joga minha 30L da LoweAlpine na mesa e me pergunta: “ Posso abrir a sua mochila?” Claro, respondo. Ele fuça, puxa minha cadeirinha pra fora e com um ar de quem bateu as cartas no pife, pergunta: “Que pó branco é esse?” Caí na gargalhada.– “É meu saquinho de magnésio, kkk ! ” Os caras testaram uma amostra com um reagente e me liberaram. Perguntei se eu poderia comprar uma mala ali na lojinha e despachar os itens barrados. Faltavam 15 minutos para a decolagem. Me autorizaram e por um milagre (ou pela taxa de 150 dólares de bagagem extra) consegui despachar e embarcar.
Moral da história, aprendi que ler as regras é importante, mas vital mesmo é saber que e o que você carrega ali está a mercê da cisma e da interpretação dos agentes. Portanto cuidado. Pra facilitar, fiz aqui um guia de como evitar problemas em terminais de aeroportos.
A mala de mão: O que pode e o que causa suspeita
De 2015 para cá muitas leis e regras mudaram. Algumas endureceram outras amenizaram. Na época, eu tive azar com a equipe de raio-x. Mais tarde me informaram que mosquetões nunca foram proibidos na cabine. E que eu simplesmente devo ter sido incluído numa amostragem de revista minuciosa por questão de meta interna da equipe de segurança e por algum motivo implicaram comigo. No entanto, hoje em dia equipamentos de escalada já integram os catálogos de itens exóticos permitidos e as equipes sabem que não se tratam de itens perigosos. Cantil, leve vazio.
Mas uma coisa persiste gerando dúvidas: a corda. Apesar de totalmente permitida, ela é suspeita aos olhos de muitos agentes, principalmente quando aparece como um “bolo denso” na tela do raio-x. Às vezes passa sem questionamento; em outras, gera revista manual e perda de tempo. Por isso, hoje em dia prefiro despachá-la na mala e recomendo que façam o mesmo. Magnésio idem.
Os itens que nunca entram na cabine
Se um equipamento pode perfurar, cortar, golpear ou se parece vagamente com uma arma medieval… ele não passa da segurança. Piolets, crampons, parafusos de gelo, pitons, bastões de trekking, estacas, brocas, cliffs, birdbeaks, specks, martelos — tudo isso pertence única e exclusivamente à bagagem despachada.
Nenhum argumento técnico muda essa realidade. Para o aeroporto, segurança coletiva vem antes da função esportiva e isso é totalmente compreensível. O mesmo vale para fogareiros, que só voam se completamente limpos, e para combustíveis e cartuchos de gás, que simplesmente não podem voar. Jamais. Em nenhum país.
Preparando a bagagem despachada sem risco de dano
Despachar equipamentos de montanha é quase uma arte. A forma como embalamos e acomodamos os itens pontiagudos pode ser a diferença entre uma mala intacta e outra rasgada no desembarque. Primeiro forre a mala com as espumas dos isolantes térmicos, depois enrole piquetas e crampons em peças de roupa– obviamente não no seu casaco de plumas, prefira usar as camisetas de algodão– e por fim, sempre fotografe a mala antes de despachar. Essa prática evita discussões e comprova integridade em caso de extravio. Equipamentos volumosos e metálicos chamam atenção no raio-X do sótão, então chegar cedo e manter tudo bem organizado facilita o processo e evita surpresas.
O que é melhor deixar para comprar no local ?
Nenhum cartucho de gás embarca — seja no Brasil, na Europa, na Ásia ou em qualquer lugar. É uma regra global. Comida também, é melhor deixar para comprar no destino. Trazer de fora requer cuidado. Alguns itens são retidos pela Anvisa como queijos por exemplo.
Retornando ao Brasil: alfândega, taxações e como evitar dores de cabeça
A alfândega brasileira pode ser um segundo crux da viagem. A regra é clara: Compras acima de mil dólares pagam imposto. Porém equipamentos esportivos claramente usados entram na categoria de uso pessoal —e não devem ser taxados. Portanto, a minha dica é a seguinte: Comprou coisa lá? Não traga nada na embalagem. Retire etiquetas e misture itens usados e novos na mala. Se um item for presente, guarde a embalagem dobrada dentro de um livro ou de uma revista junto com as notas fiscais. Por fim, fotografe você utilizando os itens na viagem e se o agente erra o enquadramento (acontece…), argumentar com calma e clareza quase sempre resolve.
A dica final:
Viajar com a tralha de montanha exige organização e previsibilidade. Carregamos ali itens caros, que muitas vezes são difíceis de achar no mercado, e precisam de um certo cuidado afinal são frágeis. Então para que a sua aventura não comece no aeroporto – ou se estenda até ele, siga as orientações que coloquei aqui.
Eu sei também que no final de uma expedição estamos geralmente exaustos e que se sobrou roupa limpa ela está toda emaranhada. Mas evite de pegar o avião sujo ou todo mulambento. Funcionários respeitam mais os viajantes educados que demonstram respeito pelas regras – bagagens nas dimensões certas, vestimentas apropriadas – e que demonstram domínio sobre o que transportam.
E nunca… Nunca! subestime a importância de uma pochete interna colada ao corpo, carregando seus documentos, cartões e dinheiro em espécie. Depois de ficar 1 mês “preso” na Argentina depois de ter sido roubado no acampamento base do Aconcágua sem nada além da generosidade de um mochileiro italiano que conheci em Mendoza, eu posso garantir: perder equipamento dá prejuízo. Mas, perder documentos é um pesadelo.
A energia que você economiza evitando essas dores de cabeça é exatamente a que você precisa quando estiver diante das paredes e do vento cortante da montanha que for enfrentar.
Boas escaladas e bon voyage

















