Conhecer para Preservar

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Recentemente, a pichação de uma das placas do Ciririca, que é uma montanha na Serra do Mar paranaense famosa por ser difícil e pouco frequentada, deu muita polêmica e o fato deu corda para muita discussão. Como brigas políticas, grupos com ideias divergentes no assunto preservação x conservação da natureza aproveitaram para apontar os dedos e achar os culpados neste fato lamentável.

Diante da situação, a única coisa que pude fazer foi observar e extrair o que pensam as pessoas, ainda que alguns indiretamente apontaram o dedo para mim, já que não escondo minha opinião. Antes de ressaltar o que penso, vou começar este texto escrevendo alguns fatos:
 1) A Serra do Mar paranaense é uma cadeia de montanhas muito próxima à cidade de Curitiba e sua região metropolitana.
 2) Curitiba e sua região metropolitana tem uma população de 3.7 milhões de habitantes.
 3) Cruzando a Serra do Mar paranaense há estradas muito importantes e movimentadas. A BR 376 liga Curitiba ao sul do país, a BR 277 é o principal meio de exportação de grãos do Centro Oeste e também é a estrada mais movimentada ao litoral, há também a estrada da Graciosa e a Ferrovia. Impossível não notar as montanhas e a paisagem. Há também, tangenciando a Serra do Mar, a BR 116, que simplesmente é uma das mais importantes estradas do país, ligando São Paulo ao Sul do país e os países vizinhos.
 4) O Estado de São Paulo tem 44.749.699 habitantes. Esse número representa cerca de 21,7% de toda a população do Brasil, o Sul do Brasil tem 27,38 milhões e seus 3 estados estão entre os mais ricos e produtivos do país. Daí pode-se imaginar a quantidade de carros e caminhões que passam pela BR 116 e a Serra do Mar é a paisagem mais marcante deste trecho da estrada.
 5) O montanhismo no Paraná começou em 1879, com a escalada do Marumbi e desde essa época subir montanhas por aqui é algo tradicional. Mesmo assim, o Pico Paraná, outra montanha marcante na paisagem, só foi escalado pela primeira vez em 1942. O Ciririca mais recentemente e isso porque, mesmo próximo, são montanhas que representam uma dificuldade grande. 
 6) A vegetação da Serra do Mar é densa. O clima é quase sempre ruim, com muita chuva. Os desníveis são grandes e os dois fatores iniciais pioram a superação do terceiro.
 7) Mesmo com tanta dificuldade, não se pode dizer que a Serra do Mar seja um local intocado. Pelo contrário, como o montanhismo por aqui é muito antigo, não há montanhas virgens, embora haja, pela dificuldade de acesso, montanhas pouquíssimo frequentadas. Há também montanhas massivamente frequentadas, como o Canal, Anhangava, Tucum/Camapuan e Pico Paraná. O Marumbi já foi extremamente massificada, mas nos últimos 20 anos foi deixando de ser.
 8) O Marumbi foi transformado em parque em 1996 e seu plano de manejo data desta época. Houve um controle de visitação, como a proibição de acampamentos na montanha, mas a redução dos visitantes se deu pela privatização da ferrovia (e consequente aumento da passagem de trem) do que pelo controle em si.
 9) A RFFSA foi privatizada em meados da década de 90. Antes uma passagem de Curitiba até o Marumbi custava R$2,00. Agora custa mais de R$50,00 e tem que pagar a volta.
 10) O preservacionismo é uma corrente de pensamento que acredita que a natureza não deve sofrer interferência humana. O homem deve ficar em seu lugar, alheio ao meio natural. Deve-se proteger a natureza do homem, impedindo que ele frequente locais com paisagens naturais originais, mantendo-as intocadas.
 11) O Conservacionismo é uma corrente de pensamento que acredita que o homem deve ter o direito a frequentar o meio natural, com regras. De acordo com os filósofos que defendem estas ideias, é na criação de uma relação entre homem x natureza que há um sentimento de preservar. Apenas se preserva aquilo que se conhece e aquilo que você gosta.
 12) Na Serra do Mar paranaense, os locais de natureza mais preservada, que ainda mantem uma condição de originalidade da paisagem, é apenas frequentada por montanhistas e por caçadores, palmiteiros e outros tipos de extrativistas. São estes grupos os únicos que abrem trilhas e penetram locais de difícil acesso.
 Agora que numerei alguns fatos, posso fazer algumas considerações que defendem meu ponto de vista.
 Sou um conservacionista, ou seja, acredito que é através de uma relação de identificação com o local que você gosta que haverá um esforço para mantê-lo preservado. Isso na minha opinião tem tudo a ver com o montanhismo. No montanhismo, frequentamos as montanhas para praticar nosso esporte, uma prática que ultrapassa o sentido esportivo e chega a ser cultural e um estilo de vida. Sem acesso às montanhas, não há montanhismo!
 Neste sentido, sempre incentivei o montanhismo, seja através de palavras e vocês sabem que eu gosto de escrever sobre as coisas que faço e do que penso, ou ensinando as pessoas a escalar. Milito a favor do montanhismo, já fui voluntário em clube e na federação de montanhismo. Criei projeto contra proibição da escalada no Parque Estadual do Monge, fui contra um projeto de lei que obrigava os praticantes de esporte de aventura a serem obrigados a avisar os bombeiros cada vez que fossem à montanha e também a ter que seguir normas de uma associação de empresários do turismo. Trabalhei também para as associações de montanhismo tivessem ela suas próprias normas e desta forma independência.
 No entanto, também comercializo a prática de montanhismo. Levo muita gente escalar montanhas, no Brasil (e muito mais) no exterior. Dou curso de escalada em rocha e no gelo, participei da formação de centenas de pessoas que hoje escalam por conta própria e muitos são destaque hoje em dia.
 Meu ponto de vista e meus pensamentos eu defendi inúmeros vezes neste espaço. Sem precisar repeti-los, deixo abaixo uma lista de artigos para vocês possam revê-los.
 No entanto, dentro do próprio montanhismo há pessoas que me atacam, pois não concordam com meu pensamento. Como briga de torcida num fla x flu, preferem ataques e chacotas do que discussão. Os discursos e as atitudes que muitos montanhistas nativos do Paraná tomam, que acabaram sendo denominadas de “obscurantismo” pelo desabafo publicado por Tarik Ekermann Pinto, têm um tom radical e se aproxima à filosofia preservacionista, o que é uma grande incoerência, uma vez se eles seguissem o que dizem, deviam eles próprios parar de escalar para não gerar impactos na natureza.
 Infelizmente no Brasil ainda prevalece outra visão relativa mais ao conceito de responsabilidade do direito do que uma filosofia ambientalista. De acordo com esta visão o indivíduo nunca é responsabilizado por suas próprias atitudes e a partir disso houve uma abertura de responsabilizar quem luta pelo livre acesso às montanhas pela pichação da placa do Ciririca. Como se isso fosse uma consequência do incentivo conservacionista ao montanhismo.
 Na minha opinião os responsáveis são unicamente quem cometeu este ato lamentável, eu, os conservacionistas, IAP, ICMbio, IBAMA, o Estado Brasileiro não temos nada a ver com isso. Embora os fatos 1,2,3 e 4 tenham grande influência para que isso ocorra.
 O texto que o Julio Fiori escreveu tem a ver com os fatos 5, 6, 7, 8 e 9. Traduzindo o que ele falou, é no facilitamento do acesso às montanhas que começa a haver o vandalismo. Ao invés de apenas meter o pau, poderíamos estar discutindo qual o limite ético nas intervenções na montanha, não é mesmo?
 Apesar de não ter uma solução para tudo, gostaria de finalizar com dois fatos até agora ignorados:
 13) A placa do Ciririca demorou mais de 50 anos para ser pichada
 14) A pichação não durou 15 dias
 Com estes fatos finalizo minha reflexão, com o fortalecimento de que minhas convicções conservacionistas foram as que melhor resultaram na preservação da Serra do mar até hoje (apesar de que algumas pessoas achem que o fato 8 seria a solução).
 Apesar dos conflitos, não podemos ignorar que a Serra está muito perto da cidade e seus problemas. Não podemos culpar o GPS, que é um aparelho do passado. Vivemos na era da informação e com um Smartphone você pode navegar por trilhas anteriormente restritas a um grupo seleto de montanhistas e que no cume ainda pega sinal 3G para você postar no facebook sua façanha montanhística.
 É o sentimento de gostar da Serra do Mar e conheça-la que resulta na manutenção de seu estado natural. Pode deixar sua opinião abaixo se acha que isso deveria ou não ser o fato número 15.

Pixação sendo removida no Ciririca.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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