Continuando a exploração do PNI – parte 2

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Acordamos e logo começamos a comer, nos preparando para o que pensavamos que seria uma piramba da braba. Depois do café nos informamos com os locais onde começava a trilha e não demorou muito, um senhor nos levou no início da trilha. Começamos a andar depois de agradecer, sob um sol meio escondido, meio aberto, e calor.

A trilha era, para nossa surpresa, bem aberta. Bastante erodida de início, lembrando muito a trilha da Pedra Furada de Itatiaia e em alguns momentos até mesmo a avenida do Pico da Bandeira no Caparaó. O calor começou a pegar logo depois, e o suor pingava. O calor começava a aumentar e a luz solar aquecendo o solo fazia com que as gotículas de água da serração evaporassem diante de nossos olhos, deixando o solo com um clima de filme de mortos vivos de Romero!

Em pouco tempo chegamos a uma bifurcação e um provável chiqueiro, onde passa um córrego que mais se limita a um filete de água certamente imprópria pro consumo. Pegamos a trilha da esquerda. Subimos facilmente evoluindo o caminho sem qualquer problema.

Depois de algum tempo saimos da floresta chegando a crista de todo o maciço florestado da Serra Negra, agora com vegetação mais rasteira e pouquíssimas árvores. Ali estávamos de frente para uma formação rochosa que, vista de baixo, parecia um falso cume da Serra Negra e, até então, acreditávamos ser o que os locais chamavam de Pedra Preta, estávamos enganados.

Procurando um caminho, saímos da trilha a direita em linha reta para a face rochosa. Não encontramos uma trilha visível e resolvemos escalar a rocha. Já na entrada dela era um crux, que o Pedro disse ser um quinto grau. Nos alertou que era bem exposto mas mesmo assim peitamos a convidativa parede. Pedro subiu fácil e em seguida foi o Dom, e depois fui eu em terceiro lugar, demorei um pouco até encontrar uma pisada mais confiante pra poder me virar (normal pra alguém como eu que não pratica escalada em rocha), mas assim que encontrei foi fácil, achei uma pegada de mão cheia e ali foi o que me faltava pra subir. Enquanto o Dom subia o agora fácil terceiro grau praticamente só em aderência, eu recolhia os bastões do Tácio e Paulinha, que viriam em seguida. Deixei ali mesmo (acabei dando trabalho pro Tácio hehehe) e segui pra cima apressado querendo ver o visual.

Três ou quatro minutos depois Tácio e Paulinha nos encontraram no topo desta formação e juntos caminhamos um pouco no topo, onde por sinal há alguns pontos perfeitos para barraca, pelo menos três, fizemos fotos e em seguida começamos a descer seguindo para o Serra Negra, já bem perto!



Montanhista Caipira!

Na descida chegamos a um bosque mais que agradável, úmido, praticamente sem vegetação no solo e coberto pela copa das árvores que impede a entrada da luz do sol. Ali passeamos sempre seguindo o rastro de trilha e os montes de bosta de vaca. Que curioso, proibem a trilha com a desculpa da recuperação do solo e da natureza impedindo ou restringindo a entrada de montanhistas, mas deixam gado passear livre erodindo mais a trilha com seu peso absurdamente superior ao de um ser humano, cagando pra todo lado e se alimentando da vegetação. Que recuperação o solo terá assim? Na descida da trilha no dia anterior passamos por três vacas fazendo a travessia. Tsc tsc tsc…

Avançando facilmente, chegamos a um curto campo de altitude saindo do bosque e ali estava ele, a alguns metros, o rochoso cume do Pico da Serra Negra, montanha de mais de 2.500 metros muito longínqua do Parque Nacional do Itatiaia. Minutos depois caminhávamos pelos lajeados de rocha seguindo totens em direção a escalaminhada final, depois disso um cume bem bonito e um enorme totem que guardava em suas entranhas um livro de cume do Pico da Serra Negra de 2.572 metros (medição do anuário do IBGE), a medição do Tácio no GPS deu 2.591 metros e a minha medição deu 2.581 metros.



Video no cume do Pico da Serra Negra

Bisbilhotamos obviamente, vimos a abertura do livro pelo CEB se não me engano em 2001, várias assinaturas mas de montanhistas mesmo, nenhuma. Só então percebemos que o pico só recebe mesmo visitação de turistas ou campistas que por ventura passam um final de semana no bairro da Serra Negra, acabam contratando um guia e fazem a trilha até o cume. Havia texto até em japonês! É triste perceber que o montanhismo passa batido sem atentar para esta bela montanha, e que o turismo chega lá facilmente sem ter que lidar com as proibições irritantes do parque.

Fizemos nossas fotos de cume, vídeos, mas infelizmente não tivemos visual. Muitas nuvens fecharam a paisagem que possivelmente deve ser uma das três melhores do parque inteiro, senão a melhor. Assim sendo não fazia sentido demorar muito lá. Começamos a descer pelo mesmo caminho que fizemos na subida.

Passamos de novo pelo falso cume, “Pedra Pequena”, e de lá decidimos entrar em outra trilha, mais direta, para descer. Resolvemos não subir por ela (opção à direita no chiqueiro durante a subida) pois o Tácio tinha no track log como “trilha ruim”. Mas, já que trilha ruim é nosso nome do meio, entramos assim mesmo. Na verdade a trilha não é ruim, só é menos aberta e óbvia como a que pegamos na subida, sendo fácil pra montanhistas. Rolaram uns dois ou três perdidos mas que rapidamente foram resolvidos e continuamos a descer rápido, bem rápido. Em pouco tempo a trilha se abriu e logo virou outra avenida também passando por bosques muito bonitos além de floridos!

Onde chegamos? Naquela mesma bifurcação do filete de água e do chiqueiro. Ali Pedro, eu e o Dom sentamos e esperamos pelo Tácio e Paulinha que viam minutos atrás. Seguimos todos juntos piramba abaixo até chegar na cerca da trilha que define a propriedade da casa onde as barracas estavam montadas. Dar a volta na trilha de mais de 500 metros de trilha? Que nada! Pulamos a cerca e descemos o barranco ali mesmo, saindo direto no jardim onde estavam as barracas.

Aliviados e felizes, comemoramos por encontrar um caminho tão fácil pro cume que julgávamos ser a picada mais problemática que pegaríamos no feriadão, foi incrivelmente fácil. Cada um preparou seu almoço enquanto o Pedro se enfiou na barraca tendo crise de abstinência de café, ainda durante a descida ponderamos sobre começar a voltar ou não naquela tarde ainda ou negociar um transporte. Não era mais tão cedo e mesmo que começassemos imediatamente, não faríamos nem metade do caminho de volta tendo que acampar em algum lugar e seguindo na manhã seguinte, perderíamos um dia a mais.

Conversando com a Vanessa, chegamos a um acordo de transporte até a portaria do parque por R$ 150,00 pra todos nós 5. Nada mal para dezenas de quilômetros de estrada que nos economizariam pelo menos 14 kms de retorno a pé. Ficamos então na espera do namorado dela chegar e nos pegar. A noite caiu e nada da figura chegar, mas na hora que a Vanessa decidiu ir atrás do rapaz ele chegou de moto, logo carregamos tudo na uno dele e seguimos de carro, só a Paulinha foi de moto com a vanessa logo atrás.

Faríamos esse retorno com certeza na próxima manhã, pegamos a carona por dois motivos, primeiro por pura preguiça, segundo pra ganhar um dia de outras atividades no parque! Chegamos na portaria 21:00h e as 21:20h estávamos no abrigo, onde reencontramos todos e agora também o Flávio e o Elias, que tinham chegado no dia anterior, enquanto fazíamos nossa aproximação pro Serra Negra.

Contamos nossa aventura pro pessoal, jantamos e fomos logo dormir, mas antes, combinei com o Flávio de acordar as quatro da manhã pra ir fotografar no Morro do Couto, mais uma caminhadinha pra não relaxar demais hehehe

Fui acordado às 03:50h pelo Flávio, que me confirmou céu estrelado! Levantei na mesma hora, me vesti, peguei a mochila e às 04:10h eu, Flávio e Elias saímos do abrigo na escuridão total indo pro Couto, do lado de fora do abrigo fazia 5°C e ventava pouco.

Caminhamos com pressa já que logo logo o sol iria nascer e o Flávio já havia planejado suas fotos, assim ficamos com calor mas isso faz parte. Chegamos na crista do Couto às 05:15h, pouco mais de uma hora depois de começar a andar, e assim que paramos o frio pegou. Ventava muito, o céu agora estava bastante nublado e a sensação era certamente de temperatura negativa, já que a real era de só 3°C. Fazia muito frio, mas ficamos ali firme e forte esperando uma janela entre as nuvens pra fazer uma foto boa. Não demos muita sorte, batemos foi queixo mesmo, mas alguma aqui e outra ali rolou. Não ficamos insatisfeitos, pelo contrário, seguindo uma idéia do Flávio nos divertimos fazendo foto do Parofito escalando uma canaleta!

Eu, Elias e flávio passando frio no Couto.



Ainda insistimos permanecendo lá mesmo meia hora depois do sol nascer, com certeza de que não haveria janela boa mesmo, desistimos e descemos. Chegamos de volta ao abrigo às 07:20h e todos ainda estavam dormindo, mas obviamente acordaram com nossa movimentação na chegada, em minutos todos estavam de pé conversando e planejando o dia.

Foi um prazer sair pra fotografar com o Flávio que é profissional assim como o Tácio, além da companhia, no local que o Flávio escolheu pra ficar eu tinha uma vista parcial e bem próxima da misteriosa Serrilha dos Cristais, lugar que nem o pessoal que trabalha lá conhece! Grande abraço Flávio!

Confome as horas passaram o tempo começou a melhorar devagar, muitas nuvens mas nenhuma chance de chuva, que bom! O pessoal chegou a conclusão de que sairiam pra escalar rocha em algum lugar no parque, resolvi sair e acompanhar pra fazer umas fotos a mais. A trupe seguiu toda pra estrada no parque sentido trilha do Prateleiras, mas ficamos na estrada mesmo. Flávio, eu, Cintia e Elias ficamos observando e fotografando enquanto todo o resto escalava as vias da parede. Ali deu pra fazer algumas fotos bem legais!

Davi com o ombro zuado no painkiller pra aguentar a dor, Dom com papo de advogado dando desculpas (rsrs), Rafael começando por uma via pauleira pra aquecer (quem pode pode), Tácio, Pedro e Patrick mandando ver na parede deixando-a colorida. A Paulinha foi caminhar pelo Morro do Couto mesmo com o tempo meio duvidoso. Nesse meio tempo, turistas passavam pra lá e pra cá de vez em quando parando e olhando curiosos a sessão de escalada que mais parecia um campo escola.

Depois de fazer fotos suficientes do pessoal escalando, desci sozinho a trilha pra cachoeira pra continuar com as fotos, fiz mais algumas por ali, sentei por alguns minutos e desfrutei de um momento sozinho pensando na vida e na liberdade que tinha ali, naquele momento. Pena que dura pouco…

Depois que as lagartixas terminaram as vias (4 naquela parede) resolvemos voltar pro abrigo, eu não tinha planos, na verdade pensava em almoçar e ficar bundiando por lá fazendo mais fotos, tinha a intenção de buscar mais aranhas. Mas não foi bem isso que rolou, quando cheguei lá comecei a preparar meu macarrão e o Pedro decidiu com o Tácio em cima da hora de fazer a via “Bira” do Agulhas, e me convidou. Aceitei é claro. Pegamos alguns equipos emprestados com o Davi, e as 13:20h deixamos o abrigo para uma aventura sem precedentes para nós três dentro do parque, mas isso eu conto na terceira e última parte do relato. A manhã anterior foi memorável, esta noite se tornaria inesquecível pra nós três!

Leia a primeira parte deste relato: Parte 1

Continua na parte três…

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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