Em apenas 15 minutos chegamos ao córrego Agulhas Negras e em 29 minutos estávamos já acima das primeiras rampas do Agulhas na base da via Bira. Começamos o trepa pedra e logo chegamos ao primeiro ponto de corda, onde um P era visível pouco acima. Um problema, Pedro e Tácio estavam de sapata, eu não, estava de bota! Obviamente não teria aderência pra fazer a escalada que era pura aderência. A nossa esquerda havia outro grampo sugerindo uma escalada em uma chaminé mais simples, então lá foi o Tácio guiando o lance, depois fui eu, depois o Pedro. Tranquilo e fácil.
Até esse momento checávamos após cada progresso no croqui encadernado do Tácio se estávamos corretos, e tínhamos confiança plena do caminho certo, afinal de contas, fomos seguindo os grampos e o caminho basicamente óbvio.
Agora, analisando com mais calma, cheguei a conclusão de que fomos muito sangue nos óio em querer começar a escalada após o almoço. Era óbvio que não chegaríamos com luz do sol, era óbvio que por mais que fossemos rápidos, ainda na decida das rampas já estaríamos usando lanternas. Este, penso eu, foi o nosso maior erro. A falta de bom senso em saber dizer NÃO, chega, fico aqui no abrigo e curto o final da noite com o bate-papo e um chá quente. Apertamos o botão do foda-se e fomos, como o Júlio costuma dizer, onde a criança chora e a mãe não escuta. Por isso, pagamos o preço que, cá entre nós, e meus parceiros na aventura certamente concordarão comigo, foi BARATO.
Sempre margeando a parede negativa enorme e óbvia do Agulhas, com tom amarelado, seguimos subindo rapidamente e com divertimento garantido, a francesa (escalando os três simultaneamente encordados sem paradas). O entrosamento foi bom e a falta da sapatilha pra mim não fez muita diferença já que a maioria era chaminé, então, progredimos bem. No final da parede invertida, seguindo reto pra cima, estávamos fora da via e não notamos a princípio.
Como nem tudo são rosas, no final desse paredão a via tende pra esquerda, seguindo os Ps acabamos errando a via e seguindo reto e pra cima. Já suspeitávamos estar errados pois não batiam mais os pontos com o croqui. Após mais uma chaminé longa de uns 12 ou 13 metros em diagonal, o que dá mais trabalho, chegamos definitivamente à conclusão de que estávamos errados, que infelizmente havíamos saído da Bira. Okay, ninguém ali era marinheiro de primeira viagem então sem exitar por um segundo sequer seguimos pra cima, para o alto e avante! Ainda a francesa, tentando ir o mais rápido possível, mesmo eu estando visivelmente cansado pois dos três, eu era o que havia caminhado mais pois andei quase 9 kms a mais pra chegar ao Urubu e pelo menos mais 6 kms naquela mesma manhã para passar frio no Couto. Estava cansado. Não é vergonha admitir.
Dei o máximo de mim para não nos atrasar mais. Sempre que eu chegava a uma parada confortável respirava, Pedro me incentivava mandando tocar pra frente e eu me esforcei ao máximo, seguíamos.
Em determinado momento, logo após essa longa chaminé em diagonal, chegamos a um matinho com inclinação a nossa direita de cerca de 40°, a nosa esquerda mais canaletas de aderência, perguntei pro Tácio a altitude e ele me disse 2.746 metros (lembro perfeitamente), depois disso ele me disse que estávamos a pelo menos 120 metros em linha reta do Itatiaiaçú. Naquele momento, guardei pra mim, mas havia chegado à constatação empírica: Estavamos não só errados, mas muito errados. Até aí tudo bem, sendo os três experientes e os dois infinitamente mais experientes do que eu, sabia e tinha confiança nos meus parceiros de que chegaríamos lá, mesmo que um pouco mais tarde, já contando com alguns perdidos pra encontrar o caminho adequado e mais seguro. A esse ponto era 16:30h.
Ali, o Pedro guiou uma enfiada longa de uma canaleta sem proteção de cerca de 30 ou 35 metros, bem longa em aderência. Em seguida fui eu e por último o Tácio. Lá, chegamos a uma região típica de cume do Agulhas, somente topos de rochas pouco acima de nós, alguma florestinha reduzida, um verdadeiro labirinto exuberante de rochas. Atravessamos o pequeno passo, também buscando um caminho acessível. Ali, o Pedro chegou primeiro a uma curta canaleta de uns 4 metros, chegando ao que parecia um cume. Disse: Cara, tem um livro de cume aqui!. Falando meio que aliviado.
Tácio subiu já preocupado e eu já sabia, não estávamos no Itatiaiaçú. Olhei este cume de frente 3 vezes antes disso, não se parecia NADA. Tenho memória fotográfica para locais e mais tarde comprovei isso pros meus amigos. Tácio chegou lá, o Pedro pegou o livro e mostrou pro Tácio e disse: Onde a gente tá cara? (ou algo similar), o Tácio sem olhar pro Pedro pegou o livro e disse (EXATAMENTE isso): Fudeu!. Completou segundos depois: Estamos no cume do Pontão Sul! O Itatiaiaçú é 100 metros adiante! Que merda!.
Foi frustrante. Depois de meia hora ou 40 minutos buscando, o Tácio me disse o que eu já pensava: Acho que devemos buscar agora um caminho pra descer. Eu completei dizendo Concordo, acho que chegou o momento de sabermos perder e voltar. Só tem um problema, fizemos uma via de comprometimento, não tínhamos corda suficiente pra rapelar! Era encontrar o caminho, ou encontrar o caminho! Opção 2: Bivacar ali mesmo e arriscar uma hipotermia, no mínimo passar bastante frio.
Custou, mas depois de uns 40 minutos, fizemos a última tentativa descendo uma canaleta pro lado oposto do Agulhas, chegando a uma subflorestinha mais abaixo cerca de 7 ou 8 metros. Ali, havia uma passagem fácil pro colo e a rocha enorme cheia de copinhos esculpidos (como o cume do Sino) que ficava praticamente de frente pra Quietude, via de escalada do Itatiaiaçú. Estávamos perto, muito perto. Cerca de 20 metros em linha reta. Mas que cacete, não encontrávamos o caminho pra chegar lá! Muito, muito frustrante!!!
Aí começamos a ficar aborrecidos, os sorrisos acabaram, não fazíamos mais brincadeira, a diversão virou trabalho, a água vinho. Dê-me meis dúzia de ovos e eu faço um omelete, mas preciso do fogo!
Nos separamos, eu buscando caminho por um lado, Pedro por outro, de repente o Tácio gritou firme que havia encontrado uma passagem! Ufa, eu estava mais próximo e avancei, cheguei lá e segui o Tácio. Pedro veio em seguida e chegamos lá. Era exatamente 18:35h quando chegamos na base da Quietude, já usando lanternas de cabeça.
Já de lanternas ligadas, no escuro, o Pedro guiou a Quietude, eu fui de segundo de bota (consegui escalar 80% do caminho mas sem aderência pro lance final, Batman!), Tácio por último. Enquanto o Tácio subia eu assinei o livro por nós três colocando blogs e sites, o mesmo que fizeram no Pontão Sul. Imediatamente rapelamos até o colo entre o Itatiaiaçú e o Cruzeiro. Lá, o Pedro já bem cansado e estressado escalou a chaminé pro cume, montando uma corda fixa pra eu e Tácio subirmos no punho mesmo.
Estávamos exaustos, mas aliviados por chegar ao Cruzeiro, ali era minha casa, conheço aquele cume muito bem. Fizemos um rápido lanche, um vídeo de cume já com o humor voltando, um frio danado, e começamos a descer. Era 18:50h mais ou menos.
Pronto, o humor foi pro lixo de novo, o cansaço pegou de novo, o frio pegou mais. Eu fiquei puto da vida. Descrevi com detalhes a rota de descida até a caverninha pro Pedro e pro Tácio, como disse, tenho memória fotográfica pra isso, mas não encontrava o lugar! Mas que cacete! Voltamos pro cume, recomeçamos. Aos poucos fui descendo pela direita em um caminho que achei pisado, tácio concordava comigo mas o Pedro não, normal já que não passava ali fazia 7 anos.
Desci, olhei, olhei, iluminei, pedi pro Tácio descer e me ajudar a iluminar. Falei putz, tenho 80% de certeza de que é aqui, espera!. Desci e encontrei o lugar exatamente como descrevi, uma rampa inclinada que desce pra esquerda, um grampo P, virada a direita e um pequeno platô à frente que tem visão pros dois lados do parque, entre ele e essa rampa em que estávamos uma pequena rocha encaixada e abaixo dela a caverninha onde começa a descida da Pontão. Quando chegamos ali vi, reconheci, e já respirei aliviado, feliz.
O psicológico melhorou, o perrengue morreu, Tácio ainda achava que era do outro lado porquê ele faz outra variante para descer e provavelmente pra ele o que ele pensava era o caminho certo, mas aquele eu conhecia e conhecia bem. Entrei na caverninha e foi até engraçado, pois ele ainda não acreditava que era ali, Pedro não lembrava por isso acreditou na minha palavra e veio, ainda brinquei dizendo Tácio, estou descendo, se quiser fica aí kkkkkkkk…
Mesmo eu dizendo que tinha já certeza, descendo rapidamente o trepa pedra inconfundível dali, o Tácio ainda tinha dúvidas, pelo mesmo motivo, não é a rota que ele faz. Repeti e agora dizendo meu apelido: Cara vem, confia no Parofes! ahahahahaha, foi bom porquê quebrou o gelo e acho que eles vieram com mais segurança. Foi bom, pois quebrou o gelo pra mim também e não significa ser melhor ou não, pra mim, foi tão bom ouvir o Tácio sorrindo quanto foi pra ele ouvir minha segurança, tenho certeza. Ali ninguém é melhor que ninguém, não queríamos passar a noite na montanha e não iríamos, nem pensar.
A essa hora, já era cerca de 20:00h. Descemos já tranquilizados, batendo papo e problematizando sobre nossos erros e acertos, e concluímos que mesmo em uma situação de perigo real, um perrengue sério, não entramos em pânico em nenhum momento, não abandonamos as tentativas, não desistimos, não pedimos por socorro, buscamos a solução para problema em grupo e ainda fizemos um vídeo comédia. Não existe hoje nenhuma outra pessoa em quem eu confiaria minha vida como confiei ao Pedro e ao Tácio, o companheirismo foi evidente. Situações como esta que lapidam o montanhista e mostram a nossa verdadeira cara. No final das contas, o amor à montanha vence e a harmonia entre nós e elas é palpável.
Todos já estavam preocupados, mas aliviados ao nos verem bem e sorridentes. Apesar dos pesares, fizemos o começo da Bira, saimos na vertente para a Chaminé dos Estudantes, fizemos 3 dos 5 cumes do Agulhas e voltamos sozinhos, aos trancos e barrancos, mas chegamos. Contamos pra todo mundo o perrengue, mesmo exauridos fisicamente e psicologicamente, e uma menção honrosa deve ser feita: Nosso companheiro Dom Miranda se encarregou de fazer um jantar de prima pra nós, usando a própria comida. Dom, já te agradecemos lá na hora mas aproveito a oportunidade pra deixar de novo o nosso agradecimento. SIM, FALO POR NÓS TRÊS.
Puta merda, que aventura…
Fomos dormir, na manhã seguinte foi só arrumar as tralhas e voltar, sem trânsito nem nada. Porra, tinha que ter um alívio certo?
Espero que tenham gostado do relato, procurei ser o mais detalhista possível. Um ou outro horário pode variar ou alguma descrição minha do início da rota. Indico aqui a leitura também do relato do Pedro e do Tácio:
Relato do Pedro, veja em seu blog: Pedro Hauck
Relato do Tácio, veja em seu site: Tacio Philip
Abraços a todos!
Parofes
Leia a primeira parte do relato: Parte 1
Leia a segunda parte do relato: Parte 2