por Rodrigo Granzotto Peron
MONTANHISMO EXTREMO INVERNAL
Um dos desafios mais extremos do montanhismo de alta altitude é sem dúvida nenhuma escalar no inverno, enfrentando ventanias com nível de furacão, nevascas que perduram vários dias e temperaturas incrivelmente baixas.
Para se ter uma ideia, acompanhei em alguns sites a temperatura no cume do Everest e do K2 durante esse inverno, e invariavelmente a sensação térmica oscilava entre -50ºC e -90ºC. Em muitos dias as ventanias estavam acima dos 60 km/h, chegando a 130 km/h em diversas ocasiões.
Todavia, alguns poucos alpinistas corajosos o bastante ousam testar seus limites e desafiar justamente essas condições pantagruélicas.
MANASLU 2016-2017
A francesa Elisabeth Revol é uma das poucas mulheres a se aventurar no inverno nas montanhas de 8000 metros. Após três intentos frustrados no Nanga Parbat, ela optou por tentar o Manaslu na companhia de Jean-Ludovic Giambasi.
Aportaram ao campo-base na antevéspera do ano novo. Até 13 de janeiro, ficaram parados no CB devido aos fortes ventos. Ainda assim, foram até 7300 metros, quota atingida em 22 de janeiro.
Em 23 de janeiro, contudo, a líder encerrou a expedição, uma vez que o acúmulo de vários metros de neve nas encostas do Manaslu, produto de vários dias seguidos de nevascas intensas, acarretou o que foi retratado como “um mar de avalanches”.
SNOW LEOPARD INVERNAL
Um dos invernos mais repletos de atividades nas cadeias do Pamir e do Tien Shan, que receberam nada menos do que quatro expedições distintas, todas exitosas.
Em janeiro, equipe do Quirguistão culminou o Khan Tengri (7010m), com cumes de Serguey Seliverstov, Mikhail Danichkin, Semion Dvornichenko e Alexey Usatyh.
Também em janeiro, o top climber Denis Urubko (que concluiu os 14 cumes sem oxigênio engarrafado em 2009), especialista em ascensões invernais, submeteu solo o Khan Tengri (7010m).
Prosseguindo na tentativa de serem os primeiros a escalar todas as cinco montanhas do Programa Snow Leopard no inverno, em fevereiro a equipe do Quirguistão completou um impressionante double-header (dobradinha), ao escalar o Pik Pobeda (7439m). Três curiosidades: a) essa foi apenas a segunda escalada invernal do Peak Pobeda, 27 anos depois da primeira; b) com esse cume, Seliverstov, Danichkin e Usatyh agora possuem cada qual três cumes de 7000 metros no inverno, faltando-lhes apenas o Pik Communism e o Korzhenevskaya para entrarem para a história definitivamente.
Ainda em fevereiro, time do Casaquistão ascendeu o Pik Lenin, com cumes de Vassili Pivtsov (todos os 14 oitomil no currículo), Dmitry Muraviev, Tursunali Aubakirov, Ildar Gabassov, Vitaly Zhdanov e Kirill Zenkov. Esta foi a 9ª ascensão invernal do Pik Lenin.
Para quem quiser conferir a lista completa de ascensões invernais às montanhas do Programa Snow Leopard, elaborei uma tabela que está hospedada no site Russianclimb: http://www.russianclimb.com/snowleopard/SL_winter.html.
EVEREST 2016-2017
O espanhol Alex Txikón, que possui 11 montanhas de 8000 metros no currículo, tem se destacado pelas participações nas expedições invernais.
Nos invernos de 2010-2011 e 2011-2012, tentou o Gasherbrum I. No inverno 2014-2015, fez tentativa no Nanga Parbat. A consagração veio no ano seguinte, quando, ao lado de Simone Moro e Mohammad Ali III, pisou no cume do cobiçado Nanga Parbat no inverno, sem utilizar oxigênio suplementar, um feito incrível e que o colocou em evidência.
Para o presente inverno no Hemisfério Norte ousou ainda mais, buscando o Everest sem oxigênio engarrafado, feito nunca antes realizado. Os únicos a conquistar o Big E no inverno, os polacos Krzysztof Wielicki e Leszek Cichy, utilizaram cilindros.
Foi uma tentativa épica e dramática, cheia de incidentes. Ainda no começo da expedição, o oficial de ligação nepalês acabou falecendo em Lobuche devido ao mal da montanha. Na sequência, foi a vez de Rubio abandonar o time por problemas de saúde, deixando o líder Txikón sem parceiro de escalada.
O processo de aclimatação seguiu ao longo dos meses de janeiro e fevereiro até que, no final de fevereiro Alex lançou ataque ao cume, escalando ao lado de três sherpas, mas o time experimentou condições climáticas muito piores do que as previstas, como narrado para os site Desnível: “O vento as vezes nos derruba ao chão, está sendo muito difícil e sigo falando com todos, tentando dar-lhes ânimo, mas estamos experimentando ventos de 60 km por hora e temperaturas de 45 abaixo de zero. Não sei como aguento, o Nanga Parbat parece doce de criança comparado com esses momentos”.
Não conseguiram fixar o acampamento 4 e tiveram que descer às pressas. Chegaram ao C3 à noite, após momentos de terror, como dramaticamente conta Txikón: “Chegamos de noite e não consigo nem chorar de tanta dor que sinto. Desabei dentro do saco de dormir com tudo, roupa, luvas, crampons. Nurbu, Chhepal e Pemba derreteram um pouco de neve, o suficiente para dois goles cada um. Segunda noite sem dormir, não aguento de tanta dor, o frio está impregnado em mim, sinto uns calafrios que me acompanham a noite toda, e a dor nos pés não me deixa descansar um minuto sequer”.
Apesar disso, de volta ao campo-base o espanhol estava disposto a lançar um segundo ataque ao cume em março. Porém, mais problemas. O operador nepalês – Seven Summits Treks – encerrou sua participação e não foi possível chegar a um acordo.
Vejam que os problemas de uma expedição invernal vão muito além das dificuldades da montanha em si. Txikón, então, retornou a Kathmandu e passou uma semana lá negociando um novo time de sherpas e de Ice Doctors para uma nova tentativa no Everest.
De volta à montanha em 1º de março, as condições haviam deteriorado muito. Ventos com força de furacão diariamente e muita neve ao longo da rota mostraram-se adversários intransponíveis, e a empreitada foi finalizada no dia 7, pois “teria sido um verdadeiro suicídio prosseguir escalando”. Perdida a batalha, mas não a guerra, o espanhol já anunciou: “Haverá outras oportunidades. Voltarei ao Everest”.
Autor: Rodrigo Granzotto Peron
Finalização do texto: 08.03.2017