Crônica da Temporada de Primavera 2017 – Parte Um

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Sob todos os aspectos, a temporada de escaladas do Himalaia da primavera de 2017 foi muito interessante, com nuances de tragédia, de comédia, de drama e de aventura.

por Rodrigo Granzotto Peron
QUASE 700 CUMES NO EVEREST
Segundo nota preliminar do Ministério do Turismo e Aviação do Nepal, 449 alpinistas (190 estrangeiros e 259 nepaleses) ascenderam o Everest pelo Flanco Sul. Pelo Flanco Norte (Tibete), segundo informes preliminares, mais de 200 pessoas fizeram cume, totalizando (em números iniciais), cerca de 680 pessoas. Esses números tendem a variar para mais à medida que os líderes de expedição são entrevistados pelo Himalayan Database.
Assim, em princípio, 2017 ficará marcado como o ano em que mais pessoas tentaram o Everest (cerca de 1200 escaladores, pessoal de apoio e suporte, nos dois campos-base) e, provavelmente também, o ano com mais cumes na história.
Praticamente todas as empresas comerciais tiveram êxito estrondoso, com destaque para a Adventure Consultants, 31 cumes, a Transcend, que botou 42 pessoas no cume, e a Seven Summits Treks, com mais de 100 cumes (contabilizando as equipes independentes e semi-independentes sob a sua logística). E não só as grandes marcas comerciais tiveram êxito, mas também as microexpedições de companhias diminutas chegaram até o topo (por exemplo, EverQuest Expeditions e Rising Sun Expeditions).
Por outro lado, as gigantes SummitClimb e Himex tiveram problemas em suas expedições.
A Summitclimb teve que conviver com a morte de um de seus expedicionários (Roland Yearwood) e depois vivenciaram um ataque ao cume problemático e muito perigoso em seu time pelo flanco sul, embaixo de ventanias fortes e frios extremos, que levou vários integrantes a retroceder. Dos quase 20 membros, somente 5 cumes confirmados.
Também a Himex enfrentou momentos turbulentos. As duas primeiras investidas não deram certo, obrigando até mesmo os famosos David Tait (cinco cumes no Everest) e Kenton Cool (12 cumes) a retroceder. Por fim, no dia 26 de maio, quatro clientes e quatro sherpas culminaram.
A instalação de cordas novamente foi um ponto fraco da logística da temporada, atrasando muito (somente foram instaladas até o cume no dia 15 de maio, graças aos militares da expedição Gurkha). Historicamente, quando os sherpas de Russell Brice (Himex) faziam esse serviço, a instalação ficava concluída entre 30 de abril de 5 de maio.
Apesar disso, duas janelas prolongadas de bom tempo fizeram com que os times pudessem planejar com calma os ataques ao cume, dispersando as ondas de alpinistas em seis grandes levas, nos dias 16, 20, 21, 22, 24 e 27 de maio, mas houve cumes em quase todos os dias entre 15 e 30. Assim, não foram reportados grandes incidentes nem engarrafamentos na rota nepalesa, também não na tibetana.
OS OUTROS 8000: KANGCHENJUNGA
A temporada do Kangchenjunga acabou em branco.
O único ataque ao cume pela rota normal terminou em trapalhada logística, quando os sherpas encarregados de fixar a rota levaram menos corda do que o necessário, frustrando Matthew Du Puy, Chris Jensen Burke, Chris Warner, Pema Tshering Sherpa, Lhakpa XVI Sherpa, Khoo Swee-Chiow (Cingapura), Nadav Ben Yahuda, Arjun Vajpai (Índia), Atul Sharma (Índia), Sophie Lavaud (França), Maya Sherpani, Pasang Lhamu Sherpani e Dawa Yangzum Sherpani.
Já a dupla italiana Simone Moro e Tamara Lunger buscava completar a segunda travessia integral dos quatro cumes do maciço do Kangchenjunga: Cume Principal (8586m), Yalung Kang (8505m), Kang Central (8473m) e Kang Sul (8476m). Previamente, apenas o grande time soviético de 1989 conseguiu a proeza.
Aguardaram pacientemente no campo-base até as condições climáticas melhorarem, mas as duas investidas, nos dias 22 e 25 de maio, terminaram a 7000 e 7300 metros, respectivamente. Simone deu por encerrada a expedição pois foi acometido de virose e não se sentia bem para prosseguir.
OS OUTROS 8000: LHOTSE
O Lhotse amargou uma “estiagem” de cumes nas temporadas de 2014, 2015 e 2016, basicamente por problemas de cunho logístico: ninguém se dispunha a executar o trabalho de fixar as cordas até o cume (ao menos não sem o pagamento por parte das outras expedições).
Mas, em 2017, os sherpas da Seven Summits Treks encararam o desafio e instalaram as cordas no dia 16 de maio, o que possibilitou um dos melhores anos da história do Lhotse, com 95 cumes.
Praticamente todas as expedições comerciais culminaram, para a alegria dos clientes, incluindo 15 dobradinhas (escaladores que aproveitaram para arrebanhar Everest e Lhotse de uma tacada só, em meras 24 horas). Nota: boa parte dos times comerciais oferecem o combo EV + LH, por um acréscimo módico no preço do pacote de escalada do EV, e a prática de dois em um tem se popularizado desde 2010.
Além de alguns destaques (que serão vistos em outro dos capítulos do presente artigo), o ponto alto foi a ascensão de Azim Gheychisaz, o alpinista iraniano mais famoso da história. Com o Lhotse, Azim chegou a 13 oitomil, faltando-lhe apenas repetir o Manaslu para finalizar os 14 oitomil (a sua primeira experiência lá terminou na antecima).
Além dele, Mario Vielmo (Itália) e Kim Hong-Bin (Coréia do Sul) também ascenderam a montanha, chegando cada qual ao seu 10º oitomil.
OS OUTROS 8000: MAKALU & MENTIRAS
No grande ataque ao cume do dia 10 de maio, uniram forças no Makalu a Altitude Junkies (incluindo a russa Masha Gordon), a Peak Promotion e outras três pequenas expedições independentes, incluindo o equatoriano Joshua Jarrín, num total de 20 pessoas.
Quando chegaram na parte elevada do Makalu, entre o “Cume Norte” (assim batizado por Elizabeth Revol, embora não apareça com proeminência significativa em nenhum mapa) e a Antecima (ou Falso Cume), encontraram bem mais neve do que o esperado, além de não haver corda fixa suficiente para equipar a exposta aresta cumeeira. Assim, tiveram todos que voltar sem o cobiçado cume.
Apesar disso, a Altitude Junkies celebrou o “sucesso”: “Temos cumes! Detalhes amanhã. Todo mundo está a salvo”. Também a russa Masha Gordon alardeou seu êxito: “Time GRIT&ROCK fez cume às 9 da manhã. Dani está ok. Josh é um herói. Eu sou a primeira mulher russa”.
Nos dias que se seguiram, os “cumes” foram desmentidos de forma contundente por vários alpinistas que participaram do ataque.
Elizabeth Revol disse que “o cume principal está inatingível pelo excesso de neve e pela força do vento”. O polonês Pawel Michalski adicionou: “O ataque ao cume entrou em colapso por volta dos 8000 metros. No nosso grupo estavam cerca de 20 outros alpinistas. Ocorre que ninguém foi até o cume. Todos retornaram abaixo do primeiro Falso Cume”. Por fim, o alemão Thomas Laemmle foi ainda mais incisivo: “Notícias falsas! Até agora ninguém fez cume no Makalu nessa temporada! Ninguém sequer chegou à Antecima”.
É decepcionante ver tantos alpinistas e empresas comerciais querendo “a todo custo” dizer que culminaram quando pararam pelo meio do caminho.
Por sorte, a verdade não tarda a prevalecer.
Passado esse incidente, sete outros alpinistas atingiram efetivamente o ponto mais alto do Makalu no dia 11 de maio, seguidos por outras duas levas no final de maio e início de junho.
O destaque absoluto no Makalu foi o cume de Nirmal Purja Magar, nepalês de 34 anos que encadeou Everest (15 e 27 de maio), Lhotse (27 de maio) e Makalu (1 de junho) em meros 17 dias, completando um triple header (triplinha) raro no Nepal, e o primeiro encadeamento dessas três montanhas em particular.
Como ele conseguiu escalar o Makalu meros 5 dias após o Lhotse? Foi transportado de helicóptero pelo exército nepalês (ele é um dos integrantes do time Gurkha).
OS OUTROS 8000: DHAULAGIRI
O Dhaulagiri (8167m) também foi palco de intensa movimentação na temporada e de um dos momentos mais assustadores também.
Ao todo, foram mais de 60 cumes, incluindo várias expedições comerciais, repletos de momentos emocionantes, como, por exemplo, a conclusão dos 14 oitomil pelo carismático eslovaco Peter Hamor, o 10º oitomil de Marco Confortola (Itália) e a primeira escalada por uma mulher colombiana: Cláudia Lopez.
De outro lado, o ataque ao cume do 19 de maio foi aterrorizante e por pouco não teve consequências mais graves.
Os quinze alpinistas envolvidos forçaram muito a barra e chegaram ao topo muito tarde. Segundo relatos, foram vistas luzes no cume por volta das 10 horas da noite! (após mais de 19 horas de escalada com neve alta e ventos!).
Na descida, cansados e debilitados, a coisa começou a ficar realmente feia. Aos frangalhos, o grupo arrastou-se até o C3 (7200m), onde muitos já apresentavam sintomas do mal da montanha.
Um grupo de resgate foi montado às pressas e subiu de helicóptero, sob a coordenação de Marco Confortola, que também é socorrista de alta montanha.
Apesar do resgate heroico, o desfecho foi sombrio, com a morte de um sherpa e muitas congelações (frostbites) em vários alpinistas. Um dos resgatados, o equatoriano Santiago Quintero, uma das estrelas do alpinismo sulamericano, teve que receber injeção de dexametasona (quem viu o filme Limite Vertical deve estar familiarizado) e volume elevado de oxigênio, além de ter sido evacuado de helicóptero a partir do C2 (6700m). As últimas informações são que ele passa bem e se recupera.
Autor: Rodrigo Granzotto Peron
Finalização do texto: 13.06.2017
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Texto publicado pela própria redação do Portal.

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