Por Tânia Rabello – O Estado de São Paulo
Em maio do ano passado, ele estava no ponto culminante da Terra, o Monte Everest, no Nepal. Em dezembro deste ano, pretende rumar para outro lugar desafiador, talhado pela natureza para espantar humanos, seja pela temperatura de 40 graus negativos em pleno verão, seja por ventos constantes, de 50 quilômetros por hora para mais: o Polo Sul.
Carregando, em trenós, todo o equipamento e seus próprios suprimentos, o médico, guia de montanha e aventureiro Manoel Morgado está em busca de patrocínio para percorrer, sobre esquis, os cerca de mil quilômetros que separam a costa antártica do Polo Sul, conquistado pelo norueguês Roald Amundsen em 14 de dezembro de 1911.
Se Morgado cumprir este trajeto, na companhia de outros dois experientes alpinistas sendo que um deles também já conquistou o Everest , Irivan Burda e Marcelo Santos, ele e seus colegas se tornarão não só os primeiros brasileiros, mas também os primeiros latino-americanos a conseguir tal façanha. Até hoje, menos de cem pessoas no mundo lograram caminhar até o Polo Sul sobre esquis, carregando por conta própria, em trenós, todo o alimento e equipamento necessário à viagem, destaca Morgado. Nenhum latino-americano fez isso até hoje.
E, caso o leitor não tenha reparado na data acima, a aventura brasileira ocorrerá justamente no centenário de conquista do Polo Sul, quando coube à Noruega, por meio de Amundsen, numa corrida fantástica contra a Inglaterra, o pioneirismo de fincar pela primeira vez uma bandeira na Latitude -90º. A expedição britânica, comandada por Robert Falcon Scott, chegou ao Polo um mês depois, entre 17 e 18 de janeiro de 1912. Toda a equipe, porém, faleceu no retorno à base.
Pelos cálculos da equipe de montanhistas, que já têm o projeto descrito no site http://www.brasilpolosul.com.br/, serão por volta de 50 dias de caminhada, andando em média 20 quilômetros por dia. De quebra, Morgado e seus colegas pretendem antes galgar o Maciço Vinson, a montanha mais alta da Antártida, a 4.892 metros acima do nível do mar. Com isso, Morgado será o segundo brasileiro a completar os sete cumes, que, no jargão do alpinismo, significa escalar o ponto culminante de cada continente. O primeiro foi o também pioneiro na escalada ao Everest, o paranaense Waldemar Niclevicz.
A ideia da expedição, conta Morgado, inclusive em entrevista à TV Estadão (veja abaixo), é desembarcar em Punta Arenas, no Chile, no dia 3 de novembro. A equipe ficará por lá, ganhando peso para gastar as calorias na caminhada ao Polo Sul, até o dia 16 de novembro, quando um avião os levará até o sopé do Maciço Vinson. Depois de escalar a montanha, no dia 3 de dezembro, o avião os pegará e deixará na costa antártica, onde se iniciará a caminhada rumo ao Polo. Cumprindo o objetivo, um avião os resgatará no próprio Polo. O último voo sai do Polo Sul no dia 26 de janeiro, por isso teremos no máximo cinco dias de folga para qualquer eventualidade, explica Morgado.
Depois, o retorno a Punta Arenas e à civilização, para alguns dias de merecido descanso e literalmente de engorda, já que o cálculo de gasto calórico na caminhada até o Polo Sul é de 8 mil calorias por dia, por causa do esforço físico e do frio. É bom frisar que a cada 24 horas entramos em contato com a empresa aérea, passando nossas coordenadas. Se em 36 horas não dermos nenhum sinal, o avião, com base em nossa última coordenada, vai nos resgatar, diz Morgado.
Sobre o gasto calórico, poderíamos optar por engordar bastante antes de iniciar a caminhada. Isso possibilitaria que levássemos menos comida, explica. Mas tanto eu quanto meus companheiros achamos inviável engordar muito, já que antes de iniciar a jornada teremos de nos preparar fisicamente, treinando puxar trenós, por exemplo. Então o que eles optaram foi engordar um pouco em Punta Arenas e carregar a comida necessária: 80 quilos de alimentos liofilizados para cada um. Morgado calcula que, entre comida e equipamentos, como barraca, roupas, computador, máquinas fotográficas e filmadoras, telefone por satélite, etc., cada trenó pesará 130 quilos.
Em setembro deste ano os três alpinistas seguirão para o sul da Patagônia, possivelmente Ushuaia, na Argentina, para simular a travessia com esquis, puxando trenós. Vamos também testar o equipamento e fazer as últimas correções. Um dos treinos que deverão estar bem azeitados será retirar roupas secas e barracas do trenó, armá-las e em no máximo cinco minutos estar dentro dela, ao abrigo do vento e da baixa temperatura. Temos de ser rápidos, porque, a 40 graus negativos e suados, o risco de congelamento é muito alto, explica Morgado.
Toda esta aventura custará US$ 360 mil, incluindo a passagem aérea, ao preço de US$ 65 mil por cabeça. Mas Morgado é um homem que realiza seus sonhos. Há 22 anos deixou a profissão de médico pediatra para viajar pelo mundo, o que faz até hoje, sem moradia fixa, guiando grupos de turistas a lugares inusitados por seis meses e, nos outros seis meses, cuidando dos seus projetos. Já escalou seis, dos sete cumes mais altos de cada continente, sendo duas montanhas acima de 8 mil metros: o Cho Oyu, entre Nepal e Tibete, e o Everest, no Nepal. Além disso, percorreu quase 20 mil quilômetros de bicicleta na Ásia, Oceania e América do Sul e realizou, em 2002, a primeira travessia Atlântico ao Pacífico, pedalando, remando, correndo e até escalando o Aconcágua, na Argentina. O Polo Sul é seu próximo desafio. Depois? Talvez o Polo Norte, aí, junto com Irivan, nos tornaremos os primeiros brasileiros a conquistar os Três Polos: Everest, Polo Sul e Polo Norte. E quem duvida?
Fonte: O Estado de São Paulo