Por Tatiana Batalha
À espera do lançamento do filme Everest, para os montanhistas apaixonados ou não e para os não montanhistas, ressurgem os comentários sobre o incidente ocorrido na temporada de escalada do Everest de 1996 e outros incidentes pelas montanhas mundo afora. O episódio de 1996 ficou famoso pelas mortes que aconteceram. Nas conversas sobre escaladas, é muito interessante o fato de que, para nós escaladores, existem inúmeras histórias de expedições e montanhistas bem sucedidos nas suas aventuras e trabalhos. Na verdade observamos que a grande maioria é bem sucedida, e tem bons frutos como resultado das expedições. Mas geralmente os destaques vão para as histórias das tragédias, o que deixa uma falsa impressão , para aqueles que não costumam frequentar as montanhas, de quê estar nelas é um grande risco e perigo.
Já havia lido outros 2 livros sobre o episódio de 1996 no Everest enquanto me preparava para fazer o Trekking ao Campo Base do Everest no Nepal. Fui atrás dos livros por querer conhecer e saber um pouco mais sobre esse lugar que certa vez numa viagem ouvi falar, e que o universo abriu caminhos para que eu conhecesse. Comentando sobre estes livros recentemente, um amigo citou o título “Deixado para Morrer”, o mais novo relato sobre o episódio, livro de um dos sobreviventes. Um cliente de uma das expedições envolvidas. Livro esse usado como base para a produção do novo filme. Na mesma hora fui atrás do livro, e se fosse analisar pelo título, caso não conhecesse um pouco sobre as montanhas e o que acontece com quem se aventura por elas, digamos que não seria um título encorajador para uma compra e leitura. Mesmo assim comprei! Queria ler antes de ver o filme.
Em conversas durante os dias passados nas montanhas, nas rodas de amigos montanhistas, costumamos debater o tema, de como existem os mais variados assuntos sobre o que acontece nas expedições, temas interessantes, curiosos e engraçados, mas infelizmente, constatamos que os temas que mais rendem livros, relatos, filmes, os mais divulgados para o público geral , são as tragédias. Enfim, esse novo livro , embora outro de uma já conhecida tragédia, deu vontade de ler, para ter mais um ponto de vista sobre o incidente, e para relembrar a interessante maneira de viver dos nepaleses e sua fascinante cadeia montanhosa dos Himalaias.
Logo no início notei que não se tratava simplesmente de mais uma história da mesma tragédia, e também não contava com as descrições da vida típica do Nepal como num dos outros livros que li. O autor, Beck Weathers , um médico patologista americano, o que eu não me recordava da leitura dos outros livros, conta no prefácio sobre como foi parar nas montanhas. Não vou contar aqui, mas passou por momentos difíceis na vida e nas montanhas encontrou a paz. Eu me identifiquei com o relato do autor, com o fato de ser médico como eu e viajante da natureza. Eu me animei com a leitura, observei alguns aspectos em comum como pequenas dificuldades enfrentadas durante a vida acadêmica na faculdade de medicina, também me identifiquei com as curiosidades e vontades de Beck na sua busca de equilíbrio na vida. Uma das vontades , o desejo de aprender a velejar, ter o próprio veleiro e navegar por mares, projeto adiado pela vontade mais forte de ir para as montanhas, e o projeto de velejar ser uma coisa possível com mais idade.
Sobre a tragédia ficam dedicadas as páginas iniciais da já conhecida sequência de eventos, pouco diferente dos relatos anteriores. O que ficou marcado para mim, foi um livro dedicado sobre a história de vida de um homem comum que descobre nas montanhas uma motivação para seguir em frente, um homem refletindo sobre suas preocupações, sobre sua luta para superar a depressão, tema que hoje ainda assusta as pessoas e muitas vezes é motivo de preconceito. Uma reflexão sobre sua relação com a família e amigos, sobre como é a vida daqueles que gostam de estar nas montanhas, as alegrias proporcionadas por isso bem como os reajustes que necessitamos fazer na nossa jornada quando abraçamos os riscos inerentes da vida nas montanhas. Enfim, um livro sobre renascimento, em suas diferentes formas, e sobre superação, seja esta nas escaladas das montanhas, seja nas escaladas da vida. Vale a pena conferir.