AltaMontanha: Como vc começou a escalar?
Alex Ribeiro: Eu estudava em uma escola (IPAE-Instituto Petropolitano Adventista de Ensino) que tem uma parede enorme nos fundos, que é uma das faces da Pedra do Pastor. Bem, por volta de 1988, 1989 as primeiras vias começaram a serem abertas nessa parede: Paredão Peyote, 4º Vl+ 250m, e Asterix 5º Vll b 180m. Então ocasionalmente eu via alguém na parede, via os caras passando com mochila nas costas e as cordas, achava o máximo. A partir de 90 comecei a fazer minhas primeiras caminhadas, subi o Pico da Maria Comprida, montanha linda, forma de torre, caminhada difícil, com pontos expostos e perigosos e alguns lances de escalada. Não parei mais. Então em 1992 quando estava andando na rua, encontrei dois caras (Cordeiro e Zecão, que se tornariam meus mentores e parceiros) que já tinha visto antes escalando, eles estavam com corda e mochila, moravam num bairro próximo, troquei ideia, falei que achava muito maneiro o que eles faziam e que tinha vontade de escalar também, falei que eu já fazia caminhada etc. Então eles me disseram que o melhor era eu procurar o CEP (Centro Excursionista Petropolitano). No fim de 92 acho que em outubro fui ao CEP, me associei comecei a fazer caminhadas com o grupo, e em abril de 1993 entrei no curso básico de escalada.
AM: Como surgiu a oportunidade de conquistar sua primeira via de escalada?
AR: A primeira oportunidade foi durante o próprio curso de escalada, em uma das aulas os instrutores nos colocaram para conquistar uma pequena parede no morro da formiga, uma Via de uns 20 metros acho, 2º, batemos uns 3 grampos, nos revezávamos para bater os grampos, maior empenho. No ano Seguinte eu e mais dois amigos (Ildinei e Marcel) que fiz durante o Curso Básico é que vieram a se tornar meus principais parceiros de escalada e conquista, abrimos a Via Ana Claudia: 5º Vll 180m, na Pedra do Pastor, dentro da escola. Foi uma empreitada e tanto, os lances de 5º eram constantes, via de “agarrência” (agarra e aderência). Como era primeira conquista, cometíamos diversos erros, como não prender o punho e a marreta da forma adequada, eu acho que em toda investida caia alguma coisa. Não sei como ninguém se machucou, me lembro de um dia estar na base e punho passar do meu lado com a broca em riste. Um e outro grampo acabava ficando mal batido, de lado, ou para fora. Passávamos o dia inteiro na parede. Era muito legal. Na verdade ainda é até hoje.
AM: Quantas vias de escalada você já conquistou?
AR: Cara, mais de 200 vias, pelas minhas contas são aproximadamente 20.186 metros de parede. Conquistei de tudo, de Bigwall como a Via Domínio das Sombras: D6 5+ A3+ E4 850m – Maria Comprida, com Ildinei de Oliveira, Leandro S. Pereira, boulder, conquistei em solitário, Via artificial, via só em móvel, via de 2º, via de 8º. Na verdade em escalada o grau para mim não importa, o importante é me divertir e estar com os amigos. Apesar de ter anotado quase todas as vias, uma ou outra ficou perdida na memória, ai alguém às vezes comenta da via tal que conquistou comigo, ai penso “sério”, caramba nem lembrava mais disso.
AM: Qual é a via de escalada que vc conquistou que acha mais bonita, porque?
AR: Essa é fácil, é “A Soma de Todos os Medos: 5° Vll A0 E3 810m” no Cantagalo em Petrópolis-RJ.
Conquistada com Alexandre Motta, Jorge Fernandes, Waldir Garcia, Mateus Reis e Renato Matos. São 800 metros de parede, 16 enfiadas, a primeira é agarrência padrão de Petrópolis, na segunda tem uma horizontal de uns 20 metros ai ela encontra um veio de agarras “degraus”, que vai até décima enfiada. Pense em agarras grandes, pensou? As do veio são maiores, em alguns lances da para colocar proteção móvel no espaço que tem entre as agarras, e depois aparecem varias outras sequencias de agarras até chegar ao cume.
AM: Qual foi a via de escalada mais difícil que vc já conquistou? Conte um pouco da história.
AR: Com certeza foi Domínio das Sombras no ano 2000, 14 dias conquistando, 10 na parede sem voltar à base. A historia começou em 1994 quando eu, Ildinei e Marcel abrimos uma trilha até a base da Face Sul, subimos uns 50, 60 metros de parede, maior parte por um trepa mato. Nessa época ainda éramos muito inexperientes, estávamos começando a conquistar, não tínhamos a mínima ideia do que era um bigwall, como escalar ou conquistar um. Ainda nem tínhamos feito as grandes escaladas da época, como a Leste do Pico Maior ou a Crazy Muzungus no Garrafão (que iríamos fazer nos 2 anos que se seguiram). No ano seguinte voltei novamente, só que dessa vez com Rogério Matos, Fernando Ayres e Leandro Siqueira. Tínhamos uma infraestrutura melhor (mas não era a Idea), pois para os bivaques na parede estávamos levando redes, não tínhamos portaledges, sendo que Rogério era o único que já tinha feito um bigwall, e para piorar escolhemos a pior época do ano, o verão, montamos acampamento na base, começamos a conquistar e colocar as primeiras cordas fixas, chovia todo dia e chovia forte, muito forte. Lembro que houve um desmoronamento na BR 040, que atravessou as duas pistas, o rio e atingiu uma pousada que ficava do outro lado do rio. Em uns 3, 4 dias conseguimos conquistar uns 120 metros, na época calculávamos que tinha uns 1000 metros de parede (na verdade foram 850 metros). Mais uma vez voltamos para casa sem concluir nosso objetivo. Mas entre 96 e 99 conseguimos realizar muitas escaladas importantes e difíceis, repetimos varias das vias do Pico Maior e Nova Friburgo, escalamos a Via Crazy Muzungos no Garrafão e a Vazador de Almas nas Torres de Bonsucesso, fomos adquirindo know how. Então em junho de 2000 voltamos para Fase Sul da Maria Comprida, bem equipados, 2 portaledges duplos, uns 400 metros de corda para equipar a via, os furos eram feitos a mão, a via era muito em vertical, alguns sistemas de fendas e quase nenhuma agarra, por isso muito coisa foi feita em artificial de cliffs. Nos primeiros 4 dias repetimos o que tinha sido conquistado, em 95 e conquistamos mais uns 200 metros, ai veio a chuva, voltamos para casa, esperamos 3 dias e voltamos para a parede. Então foram mais 10 dias, progredíamos 50, 70 metros por dia, artificial móvel, furos para Cliff, algumas passadas em livre, a coisa não rendia. Mas não nos abatemos, nem depois de sermos pegos por uma tempestade que molhou tudo o que tínhamos. Passamos um dia imobilizados nos ledges, morrendo de frio. Na madrugada do dia seguinte saímos cedo, desmontamos o acampamento e subimos as ultimas cordas fixas. Sabíamos que devia faltar uns 200 metros para chegar ao cume, a parede estava menos vertical, mas completamente molhada, impossibilitando de seguir em livre, ai íamos no Cliff e estribo. Se não me engano na 16ª parada abandonamos tudo, haul bags, equipamento móvel, as cordas estáticas, o que restava da água e comida subimos só com material de conquista, uns 2 litros de água uma barra de chocolate e um pacote de biscoito (e os 2 portaledges) chegamos no cume umas 19h, exaustos, a descida feito pela trilha foi terrível, a caminhada é difícil e exposta e estávamos muito cansados, mas tudo deu certo.
AM: Numa conquista estamos sempre lidando com o desconhecido. Vc já passou por muitos apertos por ter errado no planejamento e ter feito coisas erradas durante uma conquista?
AR: Sim, já passei por vários apertos. Domínio das Sombras foi um dos exemplos, depois de 8 dias na parede fomos pegos por uma tempestade, entrou água nos portaledges, ficamos encharcados, era inverno, quase morremos congelados. Já aconteceu de ir conquistar e esquecer de levar marreta, esquecer os cliffs, o estribo, descer a noite sem lanterna, pois ninguém levava lanterna, só lá para 98 que começaram a chegar as lanternas de cabeça e nos resolvemos levar sempre uma na mochila. Faltava água, a comida era a que achávamos na despensa de casa antes de sair, ou seja as vezes não tinha nada, rs. Mas sempre fui muito organizado, então isso não acontecia muitas vezes, se bem que nessa terça (15/10/2013), eu e Fernandes fomos conquistar na Pedra do Pastor, e eu não levei as costuras e ele também não, rs,então juntamos vários mosquetões de rosca, vários avulsos, pegamos as fitas que estavam sobrando e montamos umas costuras. Deu certo, acho que conseguimos montar umas sete.
AM: Como surgiu a ideia de fazer um manual de conquistas de via de escalada?
AR: Comecei a escrever por volta de 97, 98, na época eu morava nos 3 Picos em Nova Friburgo, em um caderno (tenho original até hoje), mas só em 99 quando voltei para Petrópolis que a coisa começou a tomar forma, pois em Petrópolis tinha computador e em Friburgo não. A ideia surgiu, pois percebi que não existia literatura que tratasse do assunto, nem inglês, nem em espanhol, era uma coisa estranha, pois existiam dezenas centenas de livros sobre montanhismo e escalada, mas nenhum tratava especificamente sobre abertura de vias de escalada. Até onde sei o meu livro foi o primeiro manual sobre o assunto.
AM: 12 anos se passaram desde a primeira edição, como você vê o cenário da escalada quando lançou o livro na primeira vez para essa? O que mudou de lá pra cá e por que tanto tempo entre uma edição e outra?
AR: Muita coisa mudou, temos muito mais acesso aos equipamentos, ainda é muito caro para ser escalador e para se conquistar também. Temos muito mais informações hoje, temos a internet, os fóruns, encontros de escalada em diversas cidades, o numero de escaladores aumentou muito, o esporte esta bem mais popular, temos até um programa na Tv, o “montanhistas”, isso é o máximo. Demorei todos esses anos talvez por falta de tempo, de vez enquanto adiciona alguma coisa no texto original. Para fazer a nova edição levei um ano de trabalho, são 43 paginas a mais que a primeira, o livro esta mais ilustrado muito mais completo que o primeiro, é quase que outro livro.
AM: Qual é o significado pra você de conquistar uma via de escalada?
AR: Conquistar é explorar, eu gosto de explorar, passar por onde ninguém passou, me sinto meio Amundsen*, rs, as vezes a linha não é obvia, e só vai aparecendo conforme vai subindo, uma das conquistas que estou tocando agora esta sim, a cada lance que vou subindo tenho que ir achando o caminho, pois da base ele não é nada obvio. Gosto da coisa do planejamento, estudar a parede, separar e organizar o material, a companhia dos parceiros, nos últimos anos conquistei muito com o Fernandes, parceiro que conheci em 2001, e abrimos dezenas de vias mineiríssimas. Também tenho conquistado com minha esposa, ela é ótima parceira, passa cada perrengue coitada, na ultima (semana passada), ela caiu numa horizontal bateu de peito na pedra e quebrou 2 costelas, mas mesmo assim ela continuou comigo na parede, ainda batemos uns 4 grampos depois disso.
Como fazemos para adquirir seu livro?
Aqui no Rio o Livro esta a venda na Makalu, AS Divers, Adventura, e na Lechen, todas no Rio de Janeiro e noCentro excursionista Petropolitano, em Petrópolis. Nos outros estados ainda não consegui colocar em nenhuma loja. Quem é de fora do Rio pode comprar diretamente comigo pelo meu e-mail: [email protected]
Para finalizar gostaria de agradecer as pessoas que me apoiaram nesse projeto, minha esposa, Cristiane Ribeiro, os amigos Fernandes, Alessandro Rosário que alem de todo apoio ajudaram na correção e deram varias sugestões, Mauro Bloch e Ricardo Rocha, responsáveis pelos desenhos, Vinicius e Gerson da Makalu esportes, Adriano Peixoto da Alpix e SafeTec e Mario e Lidiane Arnaud da M.Arnaud e Casa do Montanhista, sem o apoio financeiro deles não teria sido possível pagar a edição do Livro.
* Explorador norueguês, líder da primeira expedição a chegar ao polo sul.
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