E se o mundo estivesse esfriando?

0

Ontem foi amplamente divulgado um relatório dizendo que a última década foi a mais quente dos últimos 160 anos. Até aí nenhuma novidade, pois nós que vivemos neste mundo sentimos na pele, e na montanha, os efeitos do aquecimento. Mas e se fosse o contrário, e se o mundo estivesse esfriando? Como ele seria? Vamos mostrar a você.

Por Pedro Hauck e Julio Fiori

Muito se diz dos efeitos do aquecimento global no meio ambiente e na economia. A mídia explora com alarmismo e com previsões catastróficas , abusando com sensacionalismo, de dados científicos muito mais complexos do que os filmes de Hollywood. Nós, do outro lado da telinha e das decisões, somos bombardeados com informações, muitas falsas e distorcidas, que ao invés de resultar na adoção de novos hábitos vida e na abolição do consumismo como modelo econômico, resulta em fazer o contrário e fomentar um consumismo ecológico e demagogicamente cansativo e revoltante.

Neste artigo não pretendemos ser o “do contra”, mas vamos esfriar o planeta para ver o que acontece. Nosso laboratório será a nossa casa: A América do Sul.

A suposição é da diminuição de 5° C de temperatura no Planeta. Com isso, teríamos uma redução ainda maior de temperaturas nos pólos e grandes latitudes. Eles reteriam grandes massas de água sob a forma de gelo e o nível médio dos mares diminuiria, no Equador, mais de 100 metros! Como resultado direto deste aumento da massa de gelo nos pólos, teríamos um fortalecimento das correntes de mar frias que se entenderiam até latitudes menores, ou seja, chegariam com força até mares tropicais.

A corrente marítima das Malvinas poderia chegar com grande intensidade até o litoral Sul do Estado da Bahia e isso resultaria não numa atenuação das temperaturas da porção atlântica do Brasil, mas sim da umidade, pois o choque entre as massas de ar tropicais vindas do atlântico se daria no mar e não no continente, repetindo o fenômeno de litoral seco que temos, por exemplo, no litoral do Pacífico de nosso continente, onde temos desertos como o Atacama e Sechura, no Chile e Peru.

A faixa atlântica, muito mais seca e também com uma planície costeira maior, já que o mar recuaria alguns quilômetros, não suportaria mais a ocorrência de florestais tropicais úmidas e a Mata Atlântica teria que se refugiar no sopé das serras, em refúgios que, mesmo com a atenuação da umidade, permanecerão com chuvas orográficas.

Na planície costeira, que permanecerá com uma temperatura média acima de 20°C boa parte do ano, mas com maior penetração de frentes frias no inverno, será penetrada por uma vegetação mais rústica e adaptada à grandes estiagens e a viver sob as dunas de areia. Esta vegetação seria uma espécie de caatinga, com cactáceas e bromélias de chão resistentes a falta de água e a um substrato de solo com pouca matéria orgânica.

No topo das montanhas, essas com temperaturas bem mais baixas que a de nosso atual clima, teríamos o fenecimento das florestas nebulares e matas de Araucária, para a expansão dos campos de altitude, esta sim uma vegetação resistente à freqüentes geadas e ao déficit hídrico. As araucárias dos Planaltos sulinos perderiam a competição ecológica para os campos, que se expandiriam, deixando as florestas ombrófilas mistas recuadas ao fundo de vale e no sopé de planaltos, onde a umidade se manteria. Talvez Florestas como a de Foz do Iguaçu se subtropicalizassem e lá comportariam grandes exemplares desta bela árvore.

A região central do Nordeste, tenderia de um clima semi árido para árido. Na Depressão do médio São Francisco, haveria condições para a evolução de grandes dunas de areia e a caatinga teria condições se expandir pelo vale do Velho Chico até o Sul de Minas Gerais e sobrepor a Serra da Canastra alcançando o sistema de depressões periféricas da borda da bacia do Paraná, entre Goiás, triângulo mineiro e interior de São Paulo, chegando inclusive à regiões do Terceiro Planalto do Paraná, em locais abaixo dos 400 metros de altitude, que manterão uma média de temperaturas mais elevada durante o ano.

As caatingas penetrarão as depressões e chegarão até o Pantanal, que não terá razões mais para ter este nome. Lá não haverá mais o período das cheias como existe hoje. Os rios que chegam dos planaltos que circulam esta grande depressão do centro do continente, antes cheios de águas, chegariam na planície de maneira muito diferente durante duas estações bem marcadas no ano, uma mais seca, com vazão muito restrita, e outra com muita água, capaz de transportar sedimentos mais grosseiros que viriam dos planaltos que não mais comportariam uma vegetação adensada, mas sim uma vegetação de cerrado mais rústica e incapaz de manter protegido os solos que seriam dilacerados pelar força da água durante as chuvas de verão , sendo eles transportado pelos rios com grande energia que ao chegar na planície depositaria todo este material erosivo, formando grandes “leques ” aluviais no centro do continente.

Os cerrados permanecerão dominantes no Brasil central, que manteria um clima sazonal, com seis meses de secas e seis de chuvas, mas ele seria penetrado por caatingas ao longo de vales que drenam para o nordeste e leste, os cerrados do Piauí, Bahia, Maranhão e Pará perderiam a capacidade competitiva com a caatinga e uma porção da Amazônia poderia ser ocupada por este tipo de vegetação seca.

Outra parte da Amazônia, que passaria a ter uma estação de seca mais prolongada, daria condições para a expansão de cerrado. Ao longo de grandes rios com baixa energia poderia haver grandes buritizais e veredas, mas a Floresta Equatorial não desapareceria, da mesma forma que a Mata Atlântica, ela se refugiaria no sopé das Montanhas do Planalto das Guianas.

Nos Andes, os Páramos, descontinuados nos topos das montanhas da Colômbia e Venezuela, teriam um espaço favorável para sua expansão, assim como alguns desertos, como Sechura, que teria condições de se expandir até o Equador. As geleiras de montanhas seriam muito maiores e chegariam até altitudes menores, alargando e destruindo vales.

Haveria um interessante encontro e troca genética entre vegetações secas. No próprio Pantanal, haveria condições da vegetação seca de caatinga se encontrar com a vegetação do Chaco Boreal e as florestas secas “chiquitanas” da Bolívia.

As montanhas sofreriam um outro tipo de processo erosivo. No Brasil, ao invés de termos a atuação da pedogênese, que é o processo de evolução de solos, teríamos a atuação da morfogênese, onde os solos seriam dilapidados e a rocha seria desnudada e exposta. As vertentes tenderiam a sofrer um recuo, ao invés de serem suavizadas pela erosão geoquímica e biológica dos climas úmidos e isso significa que em locais, como na Serra do Mar, teríamos exposto enormes paredões rochosos, com um clima seco (sem chuvas) e além de tudo mais frio. Seria uma maravilha para o montanhismo tupiniquim! Entretanto, vendo o quadro fitogeográfico, que teria muitas extinções, isolamentos de populações e endemismos, seria um desastre humano e econômico…

Este quadro não é inventado. Ele é baseado em centenas de pesquisas nas áreas paleo climatológicas, geomorfológicas e fitogeográficas do Quaternário aventadas pela Teoria dos Refúgios Florestais proposta por geógrafos, como Aziz Ab´Sáber e Biólogos como Paulo Emilio Vanzolini. Os dados de vegetação foram obtidos através de estudo paleo palinológicos, que estudam os fósseis de pólens de plantas e assim podemos saber qual era o tipo de vegetação e quando ela esteve lá.

Este quando paisagístico aconteceu de verdade. Foi durante a última glaciação, entre 18 mil e 10 mil anos atrás, na passagem do Pleistocêno para o Holoceno e isso influenciou diretamente a evolução humana, pois foi neste período que saímos do nomadismo e para depois começar a se sedentarizar e dominar a natureza.

Com uma hipótese de aquecimento do planeta, não podemos dizer o quadro será o contrário. O funcionamento do clima é complexo e não é por menos que há tantas contradições nestes estudos climáticos.

O que podemos concluir é que este momento atual de tanta crise ambiental poderá ser o estopim para outra revolução na humanidade, onde o homem poderá conviver com menos conflitos com o meio natural e poder desenvolver sua economia sem tantas agressões ao meio ambiente. Nós montanhistas somos um exemplo de uma população urbana que sempre viveu em harmonia com a natureza, por que não podemos dar um exemplo à sociedade? Deixo que as palavras de Julio Fiori conclua estas idéias:

O consumismo e o lixo são irmãos siameses, fúteis, perdulários e desnecessários que podemos eliminar imediatamente de nossas vidas com uma simples decisão. O consumismo é a prática nefasta de se ter o que não se precisa em quantidades acima do ideal. Eliminar o consumismo de nosso hábito não significa parar de consumir. É antes de tudo consumir com consciência, preferir qualidade a quantidade. Comprar um bom designer que não se evapore com a próxima estação e materiais de qualidade que realmente desempenhem suas funções por muitos e muitos anos. Ter apenas o necessário e usá-lo a exaustão.

O lixo nasce do consumismo e nada mais é do que a coisa errada no lugar inadequado. Um desperdício caríssimo para a humanidade que além de pagar para produzi-lo ainda tem custos maiores para eliminá-lo. A simples existência do lixo é uma irracionalidade. Excremento na rua é só bosta, mas na horta – depois de tratado – é adubo orgânico e produz alimentos, solos férteis produzem mais evitando expansão das fronteiras agrícolas. Plástico sempre será petróleo, papel reciclado evita devastação em novas áreas de floresta e os exemplos são infinitos.

Tudo tem um começo humilde e pequeno. Para escalar o Everest é necessário um primeiro passo e ninguém melhor que o montanhista para dar este exemplo. Levamos na mochila somente o necessário, tudo de alta qualidade para que efetivamente funcione no ambiente adverso.

Se nos é possível subir com toda esta carga é também plenamente viável descer com ela e reutilizá-la inúmeras vezes independente de podermos pagar por outra nova. Porque abandonar barracas, cordas, costuras e garrafas de oxigênio nas encostas? Porque deixar papel, plástico e restos de comida na trilha? Porque substituir uma bota ou anorak ao primeiro sinal de desgaste?

Se a maioria de nós já se comporta de maneira consciente na montanha ou na trilha porque não trazer estes hábitos para a cidade? Certamente não é impossível e nem difícil, basta uma decisão. Um primeiro passo que se transformará em exemplo.

Este artigo se baseia em informações científicas contidas nestas obras:

AB SÁBER, A. N. A teoria dos refúgios: Origem e significado. Revista do
Instituto florestal, Edição especial, São Paulo, março de 1992.
BIGARELLA. J,J, PASSOS, E, HERRMANN, M.L.P, SANTOS, G.F, MENDONÇA, M, SALAMUNI,E, SUGUIO, K, Estrutura e origem das Paisagens tropicais e subtropicais, vol(3). Editora da UFSC, Florianópolis, 2003. 552p.
HAUCK, P. Cerrados Campos e Araucárias: A Teoria dos Refúgios Florestais e o significado paleogeográfico da paisagem do Parque Estadual de Vila Velha, Ponta Grossa, PR.(disponível aqui)
VIADANA, A.G. A teoria dos refúgios florestais aplicada ao estado de
São Paulo. Tese (Livre Docência). Instituto de Geociências e Ciências
Exatas, Unesp, Rio Claro, 2000. 166 p.

Compartilhar

Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

Deixe seu comentário