Olá Eliseu, antes de tudo, conte um pouco sobre suas experiências anteriores no Mali
Estive no Mali em 96 e em 2006. Na primeira vez, com Sérgio Tartari e Marcio Bruno, abrimos a via “Solução Suicída” VI 7° VI A4, 350m no Kaga Tondo, e em 2006 tentamos uma nova rota no Suri Tondo (Fernando Leal, Gustavo Pianca e eu), mas que devido a um acidente logo no início teve de ser abortada, pois seria muito arriscado tentar uma abertura com somente dois escaladores, e sem nenhuma pessoal de apoio, uma vez que na aldeia logo abaixo só podemos contar com pessoal para no máximo ajudar no transporte, então escalamos o Wanderdu e abrimos umas rotas esportivas.
A região do Suri Tondo é realmente um lugar especial para a escalada em grandes paredes? Conte um pouco sobre como é a escalada por lá.
A região montanhosa que começa antes de Douendza e segue até Hombori tem cerca de 100km de paredes rochosas e torres acima dos 200m de altura. É considerada uma das maiores concentrações de paredes rochosas do planeta. A rocha é excelente, e o calor, um desafio que tem que ser superado como o frio nas montanhas geladas. Para mim, aliás, o gerenciamento deste tipo de escalada é mais natural do que escalar num clima frio. Em um relato sobre a região, o escalador britânico Kevin Thaw descreveu o clima de lá como “tão severo quanto o da Patagônia”. Se você pode morrer de frio, esteja certo que também pode morrer no mesmo tempo se exposto ao calor extremo do deserto malinês. Então, é um tipo de escalada que temos que aprender a realizar mais do que em outros ambientes onde a escalada começou e já temos muitas informações. Cada uma das viagens que fiz foram lições de como sobreviver e escalar nestes ambientes hostis.
Quem esteve presente na expedição deste ano com você.
O Edemilson Padilha e o Fernando Leal. Foi uma excelente equipe. Nunca havia feito uma escalada com o Ed e nos demos muito bem.
O que houve para que vocês tiveram que desistir do Suri Tondo? Houve algum stress, vocês foram ameaçados?
Na verdade não desistimos, foram mandados embora de Daari, que é a aldeia logo abaixo do complexo Main de Fatma. Hombori é a cidade mais próxima e que deve ter uns 1000 habitantes, recebeu uma investida tuareg na semana anterior à nossa chegada. Durante a ação, os bandidos seqüestraram o chefe da cidade e o mataram em seguida. Lá, havia um posto policial que estava deserto quando chegamos. O dono do hotel ficou bem apreensivo com nossa estadia, nos disse não poder garantir nossa segurança e pediu que fossemos embora no dia seguinte.
Chegando em Daari, o chefe da aldeia não nos autorizou a permanecer lá, temendo pela vida dos aldeões, caso a Al Qaeda soubesse que estávamos por lá. É importante dizer que sempre há pessoal a favor da paz e outras que ganham com a desordem e o caos. Há pessoas simpatizantes à causa separatista tuareg em todos os lugares do Mali.
Para nossa surpresa, há hoje no Mali uma boa cobertura de telefonia celular, inclusive (pasme!) em Hombori, então seria muito rápido alguém avisar os bandidos da nossa presença. Queríamos muito escalar o Suri Tondo. Colocamos dinheiro e esforços para isso, mas a situação tomou um rumo no qual outras pessoas também poderiam sofrer com a nossa insistência em escalar a montanha na ocasião.
Com foi a descoberta do Élephánt, como vocês fizeram para chegar lá.
Conseguimos alugar uma 4×4 em Bamako, o que nos possibilitou uma boa mobilidade e rapidez.
A parede faz parte de um conjunto de três torres e é avistada da estrada que vai para Hombori, e na ida havíamos feito umas fotos dela. É uma parede imponente demais para não ser notada, e quando sentimos que não poderíamos ficar em Daari, lembramos do Élephant. Douenza estava cheia de soldados, com camionetes equipadas com metralhadoras e tanques. Falamos com o comandante de serviço e ele nos garantiu segurança num raio de 20km de Douendza.
Ao chegar na base da parede ficamos impressionados com a qualidade da rocha e quantidade de fendas. Foi um presente.
Deu-se que a parede que escolhemos era um pouco menor do que o Suri, mas a via é como um tiro para cima, sem zig-zags, com fendas óbvias, ficou uma linha perfeito e isso nos agradou demais
Como foi escalar sob o sol e o calor escaldante do Mali?
Um aprendizado. Sentíamos muita sede apesar de tomarmos sempre mais de 5l por dia de água. Eu especialmente tive problemas num dos dias, no qual dormimos pela primeira vez no platô. Eu havia ficado boa parte da manhã sem água e depois (como o Ed e o Fernando haviam esticado uma enfiada difícil neste dia e mereciam descanso) ainda puxei o equipamento para cima, 5 enfiadas até o platô, o que desgastou. Foi bem difícil, mas como disse, faz parte da escalada neste lugar.
Quais outras dificuldades você encontrou na parede.
Acho que além do calor, o que incomoda são os excrementos dos pássaros. Além de nos deixar cobertos de fezes, ainda parece que as fendas sujam ficam lisas demais para seguram as peças, principalmente friends. Tanto eu como o Ed tivemos peças colocadas perfeitamente se soltando apenas com o peso do corpo, por falta de atrito.
Por que a via foi chamada de “Blowing in the Wind”?
Culpa do Ed, que não parava de cantar, assobiar, e murmurar essa música que não saia mais da cabeça da gente, ahahahaha! Mas veio a calhar, pois parecia que assim como a areia, nós também acabamos ali meio que arrastados pelo vento das circunstâncias.
Eliseu Frechou, é guia de montanha, instrutor de escalada e atleta patrocinado. Dedicou 26 dos seus 41 anos ao montanhismo. Eliseu abriu algumas das maiores e mais difíceis vias de escalada do Estado de São Paulo, dentre as quais “Neurônios Fritos” (V 5º VI A3 – 250m/3 dias) na face norte do Bauzinho, “Distraídos Venceremos” (V 5ºVII A3 – 310m/5 dias), e dezenas de outras na região da Pedra do Baú. Conquistou também, quase duas centenas de novas rotas na região da Serra da Mantiqueira, em diversos estilos e com até 9° grau de dificuldade.